LÍNGUA: SEGUE O FLUXO!

Fabiano Oliveira [*]

De modo popular “erro” para a gramática é tudo aquilo que varia entre as suas regras prescritas. Refletir sobre o conceito de o que é certo ou errado em Língua Portuguesa se faz de suma importância para professores e alunos, pensando nisso, é bom que se entenda que alguns “erros” que encontramos por aí são, nada mais, nada menos, maneiras diversas de empregar a língua. Nos próximos parágrafos, serão abordadas reflexões sobre a diversidade linguística e a importância de se ter uma norma padrão que deve ser sim ensinada, mas, sem desmerecer as demais realizações comunicativas. No entanto, devemos ter consciência de que a língua é como água corrente: segue o fluxo!

Toda língua se realiza de maneira diversa, não há uma única língua natural que reproduza fielmente sua gramática, ou seja, nada mais democrático que a língua em seu uso. Mas, como toda democracia, não se pode fazer o que se quer, pois existem regras, isso também acontece com língua, seja escrita, seja falada. Um conceito válido para o termo “erro” é considerar “errada” estruturas que não comunicam, que não fazem sentido para nossa vida social.

Numa frase como “De passeou carro Maria” nota-se que todos os vocábulos são reconhecidos, mas, a estrutura não pertence a nossa língua”, portanto, é um erro de português. Isso implica dizer que não se pode usar uma língua como bem entender. Ela possui regras naturais e convencionais, ou seja, existe um padrão, geralmente, escrito.
Mas, quem estabelece os padrões? Quem dita as regras? Como se dá a opção por um padrão e não por outro? A resposta não é simples, mas, pode ser sintetizada em um pensamento: a sociedade moderna tem que garantir o funcionamento da língua (escrita) e, para tal, faz-se necessário um padrão, uma universalização dentro da sociedade que a utiliza. Essa norma recebe o nome de “norma culta”, geralmente, elogiada, divulgada e posta em soberania sobre as demais realizações da língua por estar intimamente relacionada ao prestígio social. É a norma usada nos livros literários ou não, nas grandes revistas e pelas revistas. A confusão não está em manter a valorização da norma padrão e sim, impor para a fala aquilo que pertence, por natureza, à escrita.

Fotos: Monique Eidy

Essa popularidade (no sentido de poder e não de uso real) dá-se devido ao mito de que é norma da classe rica ou culta por excelência, por isso, sua imposição acontece dentro da escola e em diversos setores da sociedade. No entanto, não se deve confundir a norma culta da escrita artificial com a língua que se realiza naturalmente através da fala. É impossível falar todo tempo seguindo as regras impostas pela gramática normativa. Há uma gramática natural, cognitiva e que é aprendida no uso em convívio social e opõe-se à artificialidade das prescrições do livro de regras, por isso, uma frase como “Dar-te-ei um beijo” soa tão estranha aos ouvidos e, por que não dizer, arrogante em alguns eventos comunicativos. Como se percebe, é preciso adequá-la ao contexto e ao momento para que a comunicação seja realizada sem ruídos para os envolvidos no processo.

Diante dessa briga que há entre gramáticos e linguistas, uma coisa é certa: A escola deve partir da língua utilizada pelos alunos para ensinar a norma padrão e não tentar impô-la como se a variante que vem de casa fosse um crime, uma coisa ruim, uma vergonha como dizem os mais puritanos. É preciso mostrar a utilidade efetiva de possuir o domínio sobre as duas variedades. Podemos ensinar a culta sem menosprezar a coloquial. Enquanto isso, pensadores do ramo que afirmam que “aceitar variantes como vertentes de nossa língua” é correr o risco de abrir espaço para formação de outras línguas e, devido a isso, tentam barrar a evolução natural. Impedir que uma língua viva evolua é o mesmo que tentar enxugar gelo ou impedir a correnteza do rio. Organizada, ora homogênea, ora heterógena, todavia, livre e dona do seu próprio percurso, eis a língua.

[*] É Especialista em Língua Portuguesa e Produção textual. Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Sergipe. Professor da Rede Estadual de Ensino e Especialista em Concursos.