GILFRANCISCO: jornalista, pesquisador e escritor, membro do GPCIR/CNPQ/UFS. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com

Minha terra natal! Que te abrasas e inunda

De tanto sol! Assim entre agrestes verdores

Do Cachoeira escutando os bravios rumores,

Como a Iara gentil destas águas profundas!

Oh! Como sou feliz e me sinto orgulhoso

De um dia ter nascido em seu seio faustoso

Sob o esplendor de um céu de beleza tão rara

(Itabuna, de José Bastos)

Filho de Antônio Teixeira Bastos e Silvina Boaventura Bastos, descendentes de humildes famílias lusas, nasceu José Bastos em 13 de março de 1905, no então arraial de Água Branca, hoje, Antíue, bairro da cidade de Itabuna – Bahia.

José Bastos – Foto: Reprodução

Completando o aprendizado das primeiras letras, em 1912, desde cedo fora despertado o gosto pelos livros e, ainda criança influenciada pelo pai aprendera a declamar grandes poetas brasileiros, entre eles o parnasiano Olavo Bilac (1865-1918). Esse movimento literário, que tinha forte interesse pela cultura greco-latina, surgiu na França no final do século XIX, tendo como principal bandeira a oposição ao realismo e ao naturalismo, movimentos que ocorriam nesse contexto. No Brasil, esse movimento opunha-se principalmente ao romantismo, já que, apesar dos ideais românticos terem dado lugar ao realismo e ao naturalismo, na prosa, ainda eram fortes suas características na poesia.

Mais tarde ingressa no Colégio Cabral onde tomou curso especial de gramática, tendo que abandoná-lo para trabalhar no comércio. Quando trabalhava na Livraria Colombo, de propriedade de Manoel Pereira Guedes, isso lhe facilitara contato com outros autores nacionais e estrangeiros, aumentando-lhe também conhecimentos gerais, especialmente de literatura poética e logo publicaria seu primeiro soneto “Naiade Exilada” no jornal O Intransigente, na edição de dezembro de 1924.

Seguindo para a Capital do Estado no ano seguinte, onde prosseguiria estudando para formar-se em medicina, como era do desejo do seu genitor falecido em 1918, ingressara no curso secundário do Ginásio Ipiranga, dirigido pelo educador Isaías Alves (1888-1968), em que estudaram outros membros da Academia dos Rebelde: Jorge Amado e Dias da Costa, onde, tempos depois também, ocuparia cadeira de ensino primário.

Retornando a Itabuna em 1927, depois de ter abandonado os estudos por falta de recursos, deixou-se seduzir pelo jornalismo da província, participando da equipe de redação do jornal A Época, de propriedade do advogado Gileno Amado (1891-1969), onde divulgou a maior parte de sua obra e do jornal humorístico O Gavião (1930), onde se tornara redator. O Gavião era ocupado por um humorismo zombeteiro da elite provinciana e se feriam, com apelidos e notícias jocosas, personalidades políticas e colegas de oficio.

Em Itabuna onde se fez querido e rodeado de jovens idealistas, ávidos de saber, com os quais mantivera debates sobre os mais diversos temas, principalmente sobre questões literárias. A imprensa da época registra na edição de O Trabalho, de 5 de janeiro de 1933:

A conferência de José Bastos, realizada em a tarde do dia primeiro deste ano, no Ideal Cinema, sob a epigrafe – O que é nosso – agradou visivelmente a quantos tiveram a oportunidade de ouvi-lo.

Com as colaborações de Eliezer Melgaço e Aloysio da Matta Aguiar, fundadores e editores do jornal O Gavião, o poeta José Bastos publica em 1930 seu primeiro livro Horas Líricas, Edição da Typographia d’A Época, de Itabuna, na expectativa de penetrar nos altos círculos das letras nacionais. Iludido pelas opiniões e promessas, seu livro não alcançou o êxito esperado.

José Bastos – Horas Líricas – Foto Reprodução

No início do ano de 1931, o poeta Alves Ribeiro e companheiro de tertúlia, publica na revista ETC. José Bastos – Horas Líricas, uma crítica sobre a sua triunfal estreia:

Trata-se de uma elegante brochura quarenta sonetos acima do vulgar, a maioria dos quais se distingue pela correção da forma.

Como poeta faltam ao Sr. José Bastos homogeneidade e independência na escolha dos seus motivos e, até mesmo, certo equilíbrio de concepção. Apesar do título “Horas Líricas” – que, à primeira vista, dá ideia do lirismo dengoso e alambicado dos chamados “poetas do amor e da saudade” – há nas suas composições a maior variedade de assuntos e de escolas, embora predominem, quase sempre, os moldes parnasianos. ¹

Mais adiante, Alves Ribeiro reforça a forte influência sofrida pelo poeta de Caçador de Esmeralda, um dos principais representantes, que valorizou o cuidado formal do poema em busca de palavras raras, rimas ricas e rigidez das regras da composição poética:

Por outro lado, ressalta, a miúde, as influências dos mestres que lhe formaram o espírito, como no último terceto de “Após a Queimada”.

Sempre em tudo o contraste! A seiva ansiosa e forte

rompe da cinza inerte! E em frêmitos a vida

alimenta-se a rir nos despojos da morte!

Que nos lembra, sem dúvida, este outro de Bilac:

Sempre o contraste! Pássaros cantando

Sobre túmulos… flores sobre a face

de ascosas águas pútridas boiando…

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¹ Etc. Salvador (Momento Literário), 1º de fevereiro, 1931.

Somente em 1933, quando realizou algumas conferências sobre problemas nacionais, alertando os brasileiros para a urgente proteção das fontes de riqueza do país, é saudado com aplausos e manifestações de entusiasmo. Sobre outra conferência, o mesmo periódico de 26 de janeiro de 1933, registra:

O amplo salão social da Monte Pio dos Artistas, em noite de sábado último, esteve literalmente repleto de intelectuais e de pessoas de todas as classes representativas das sociedades locais, que foram ouvir o poeta José Bastos na sua conferência lírica de despedida, por ter de se transportar para a Capital Federal, onde pretende fixar residência.

Sua atividade intelectual, como poeta e orador de entidades locais, tornara-se mais intensa, presente nas manifestações de ordem cultural. Devido aos recursos diminutos recebe incentivo e o auxílio dos amigos e transferindo-se para o Rio de Janeiro nos fins de janeiro de 1933, partindo de Ilhéus a bordo do Aspirante Nascimento, levando consigo os originais de um novo livro, Terra Verde, e um sonho antigo de editar um jornal “Folha Itabunense” sob os auspícios dos filhos de Itabuna, ali residentes.

Integrado nas rodas de boêmia da capital federal, desolado na própria introspecção, José Bastos vive torturado, obscuro, tendo como divertimento a Biblioteca Nacional, fugindo do burburinho frívolo das ruas. Prestando serviço militar no Exército, recebe notícia do falecimento da mãe a 4 de dezembro de 1934. É um período difícil, mas colabora nos jornais guanabarinos, O Globo e O Radical, além da participação ativamente na campanha presidencial do advogado e interventor Armando de Oliveira.

Com a saúde abalada pelo vírus da tuberculose, que o prostrara num cubículo de pensão, desesperado queima os originais das suas produções em verso e prosa, as quais se entregara e se ocupara por toda sua vida, buscando nelas a glória e a eternidade do seu nome. A conselho de amigos e patrícios conseguiram convencer o poeta a retornar para Itabuna e ao convívio da família, pois sua permanência no Rio de Janeiro, era insustentável. Após longa viagem marítima de quase oito dias, chega a terra natal, onde faleceu prematuramente aos 32 anos, em 18 de dezembro de 1937.

Meridiano – órgão da Academia dos Rebeldes – Foto: Reprodução

Em 1960 saiu uma reedição do primeiro e único volume da obra do poeta itabunense José Bastos, Horas Líricas, com apresentação de Hamilton Nepomuceno) em homenagem ao Cinquentenário de Itabuna. O poeta colaborou em vário periódicos: Meridiano, Etc., O Momento, A Luva, O Malho, Jornal do Brasil, Revista Souza Cruz e Diário da Tarde – Ilhéus.²

O poeta deixou várias trovas inéditas:

– Dizem que o mel embriaga

– É mentira, bem o sei…

– Beijei tanto a tua boca

– E nunca me embriaguei…

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² O poeta José Bastos, GILFRANCISCO. Aracaju, Jornal da Cidade, 28 de dezembro, 2005.

Texto de José Bastos

Considerações Dum Recruta

(A Propósito da Academia dos Rebeldes)

Pinheiro Viegas – Arquivo GILFRANCISCO

A mocidade intelectual de hoje não descansa. Não dorme. Terror dos mosquitos clássicos, vaporiza sem piedade, sem “fly tox” na alcova bolorenta da literatura nacional. Os mata-mosquitos do Sr. Barros Barreto agradeçam-me as honras da comparação. Como dizia cada literato que surge é um comunista do pensamento. Eu, por exemplo, sou assim. Apesar de grão de areia no deserto de nossas letras, embora não passe dum João Ninguém na multidão anônima dos “quarenta milhões de poetas do Brasil”, tenho veleidade de agitador espiritual. O bom senso, porém, este desgraçado bom senso, convencional, arrolha-me a boca irreverente e eu fico apenas a resmungar. Não digo o que penso. Digo o que os outros pensam. Do contrário, estou certo, levaria pedrada como quê…

Escrevo meus versinhos segundo o Tratamento de Versificação do Bilac; e fico por aí, sem uma produção feliz. Sonetos ocos apenasmente. Baladinhas amorudas como diria o Antônio Torres. A semelhança duma cobra empanturrada de carne fresca levo os meus dias na mais profunda modorra intelectual.

Vocês sabem pacientes leitores, o meio é tudo. E eu vivo num recanto provinciano, onde há pouco “charleston” e pouquíssimos escândalos. Não há inspiração “a la” Maurice Dekobra ou “a la” Benjamin Costallat. Desculpem-me juntar esses dois nomes que, literariamente, estão muito distantes um do outro. Não passo duma crisálida no seu casulo prosaico. É possível que mais tarde vire uma borboletinha de pomar.

Com certeza, virarei.

Vou dizer por quê.

Com Pinheiro Viegas, o sempre moço, à frente, acaba de se levantar na Bahia um punhado de literatos rebeldes contra ainda não sei, ao certo. Possivelmente, contra os pajés do passadismo indígena. Enfileirados prontos (esta palavra está no sentido próprio) preparam armas para o combate. Eu sou alistado como recruta por minha bondade e gentileza dos nobres soldados do pensamento. Ora vejam! Um pobre diabo que não sabe manejar um fuzil quanto mais uma pena! Em todo o caso, se a luta é contra as velharias literárias dos poetas de borla e capelo, estou pronto (aqui a palavra também está no sentido próprio). Contem comigo os vibrantes prisioneiros da Academia dos Rebeldes; que assim se chama o luminoso batalhão de Pinheiro Viegas, embora o vocábulo “academia” cheira doutoralmente a ranço e pernosticismo. E a passadismo também. Contem comigo, para o que der e vier! ³

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³ Diário da Tarde. Ilhéus, Ano III, 6 de maio, 1930.