GILFRANCISCO, jornalista, professor e escritor com quatro dezenas de livros publicados
Filho de Antônio Garcia Sobrinho, comerciante e funcionário público (foi nomeado em 20 de maio de 1923 pelo Presidente Graccho Cardoso para exercer o cargo de exator de Rosário do Catete e Antônia de Menezes Garcia, nasceu em Rosário do Catete (SE) em 21 de julho de 1908, exerceu as profissões de comerciário e viajante da firma Teixeira Chaves & Cia, jornalista, único dos filhos que não teve formação superior, sacrificando-se, por opção pessoal, para ajudar a que os irmãos obtivessem o grau nas profissões que escolheram: Luiz Garcia, Carlos Garcia, Antônio Garcia Filho, Maria Garcia, Zilda Garcia Salmeron, Emília Garcia, Eliete Garcia, Vandete Garcia e José Garcia Neto. Robério Garcia, faleceu em Aracaju, a 5 de maio de 1983, após longa enfermidade.
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Esportes
Outra grande luta do jornalista Robério Garcia foi dedicada aos esportes sergipanos:
Quando em 1961 transformou o futebol amador em profissional. Naquela época ele contribuiu sensivelmente para o fortalecimento do esporte profissional como presidente do Clube Esportivo Sergipe e Vasco Esporte Clube. Posteriormente o desportista Robério Garcia presidiu a Federação Sergipana de Futebol. (Gazeta de Sergipe, 6.05.83)
Falando da sua convivência com Robério Garcia no esporte sergipano, o deputado Américo Alves disse que:
Ele nunca misturou suas posições políticas com sua atuação no esporte amador e profissional de Sergipe e enfatizou que ele sempre se dedicou às causas do esporte em Sergipe tendo se notabilizado por suas posições claras que integraram a sua atuação em benefício desta modalidade esportiva no Estado. (Gazeta de Sergipe, 6.05.83)
Biografia Esportiva de Robério Garcia
Robério começou a frequentar as nossas praças de esportes em 1922, torcendo pelo Club Sportivo Sergipe. Trabalhando num escritório de tecidos em grosso e ganhando trinta mil réis por mês, dos quais dava quinze para ajudar a manter os seus irmãos na escola, difícil lhe era pagar todos os domingos entradas de futebol. Quem o botava para dentro era Zeca Tenisson, João Vitor, Manuel Augusto e Antonino.
Robério tornou-se adulto, progrediu na sua carreira de comerciário e passou a caixeiro viajante. Andando pelo interior do Estado, simpatizou com o “Rio Branco” de Capela e encontrava sempre um meio de assisti-lo jogar, ao lado de Jackson Carvalho e Raul Dantas Vieira. Chegou o ano de 40 e já agora na função de corretor de seguros de vida. Robério frequentava bastante a cidade de Laranjeiras. Ali encontrou Zeca Tenisson e também Enoque. Interessou-se pelo “Laranjeiras” fez para o clube uma forte cobertura jornalística, como cronista esportivo que era do “Correio de Aracaju”, assinando R. Gonzalez. Privando da amizade de Aldebrando Franco, Virgílio Valença, Manoel Santos Silva, Alcides Leite, Mestre Gaspar, Birrito, Zeca Sobral, Levindo Cruz e Agripino Cha, começou a ajuda-los no trabalho de direção social e técnica do clube. Nesta fase, o “Laranjeiras” sagrou-se campeão invicto do interior e vice-campeão sergipano.
Robério casou-se. Numa tarde de junho de 1941. Agnelo Ramos e Manoel Moura Filho convidaram-no para tomar um sorvete no Café Central (hoje Edifício Mayara) e falaram-lhe de que o “Vasco” ia melhorar o seu quadro de futebol, Português e Arlindo já estavam transferidos, tinham ainda Zé Ramalho, Malassado, Zú, Inácio Valente, Machinho e Casquete; mas que necessitavam de uma pessoa com ideias novas e que pudesse contribuir para um rápido soerguimento da agremiação. Ali mesmo convidaram Robério para assumir a presidência, o qual incontinente aceitou, tendo ele permanecido seis anos consecutivos na direção do Vasco. Toinho, Cacetão, Aristides, Bonfim, Arnaldo, Canhotinho, Idimar, Sizino, Osvaldo, Djalma, Charuto, Pirricha, Neném e outros, escreveram páginas memoráveis na vida do clube, campeão invicto em 1944. “Quando se escrever a história do Vasco, tem-se que a dividir em dois períodos: antes e depois de Robério” – disse o orador oficial da sessão comemorativa das bodas de prata do clube, justamente quando Robério foi agraciado com o título de “Sócio Benemérito Vitalício”. Em 58 o futebol sergipano se encontrava em plena decadência. Um terrível atraso técnico e o povo distante das nossas praças de esporte. As rendas eram ridículas, e somente alcançava 6 ou 8 mil cruzeiros, quando o Santa Cruz vinha à Aracaju jogar as séries melhor de três e levar para a cidade de Estância os títulos anuais de campeão do Estado, pelos pés e pelas cabeças de João Cego, Tarari, Rocha, Abecê, Firmino, Teninho, Valdomiro, Zezé, Serraria, Everaldo, Augusto, Madureira, e em virtude da capacidade técnica de Edgar Barreto. Como estava não podia continuar, era preciso mudar. Foi quando um grupo de desportistas, tendo a frente Wilson Queiroz, Fernando Madureira, Felix D’Ávila lembraram-se de convidar Robério para candidatar-se ao cargo, as adesões foram da FSD. A campanha começou, tomou corpo, as adesões foram surgindo, e quando a sua vitória se consolidou, Robério teve a iniciativa de unificar a sua chapa, com a chapa do seu opositor Isaias Alves de Souza.
Robério tornou-se dirigente máximo dos nossos esportes, em janeiro de 1959. Liquidou com as desavenças, promoveu a volta de relações esportivas entre o Vasco e Paulistano, Olímpico e Vasco, Canta Galo e Itabaiana, Vasco e Confiança, também unificando a crônica esportiva então dividida e representada por duas entidades. Continuou sua marcha, fez com que clubes do interior jogassem partidas de campeonato na capital e vice-versa, evoluiu para o profissionalismo, deu conteúdo oficial ao futebol juvenil, medidas estas que estão dando ótimos e concretos resultados. Estabeleceu metas de alcance imediato e de longo alcance, promovendo 34 temporadas em 3 anos e meio. Apoiado num grupo de bons auxiliares, deu feição nova e revolucionária ao esporte da nossa terra. Sob o influxo do entusiasmo e dinamismo de Robério, com uma crônica esportiva voltada principalmente para os assuntos de interesse do esporte sergipano, o público reapareceu nos campos, o número de torcedores aumentou de tal maneira, que já tivemos partidas entre clubes locais que proporcionaram rendas de 250, e até de 350 mil cruzeiros! O movimento financeiro da F.S.D. cresceu de Cr$ 1.700.000,00 em 1958, para Cr$ 15.300.000,00 em 1961. Na administração Robério Garcia foram realizados 92 jogos interestaduais, quase todos os clubes cariocas (grandes e pequenos) já se exibiram para o nosso público, em promoções verdadeiramente audaciosas.
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Em que se baseia o entusiasmo do atual presidente da Federação Sergipana de Desportos, de cuja pessoa tanto ainda se espera?! – O entusiasmo e audácia de Robério, baseia-se, na sua ilimitada confiança no povo e no torcedor sergipano. [1]
Manifesto
Na edição de 16 de junho de 1962, da Folha Popular, é publicado o “Manifesto de desportistas”, lançando candidatura de Robério Garcia, Presidente da FSD, à Câmara Municipal de Aracaju:
Embora os poderes públicos venham ajudando o esporte sergipano, este ainda não conta com dispositivos de lei que lhes assegure desenvolver todas as modalidades esportivas como futebol, remo, basquete, vôlei, ciclismo, bola pesada, pedestrianismo, etc.
Com Robério na presidência da FSD, passamos a viver uma época que a todos empolga. Em consequência de tudo isto, os desportistas abaixo relacionados resolveram lançar a candidatura do presidente da FSD para Vereador, certos de que esta nossa iniciativa será fortemente apoiada por todos aqueles que se interessam e lutam pelo desenvolvimento do esporte em nossa terra, pois, com Robério na presidência da FSD e também na Câmara de Vereadores de Aracaju, o esporte sergipano subirá muito mais ainda.
Apoiaram a sua candidatura: Zoroastro Rodrigues dos Santos, Antônio Menezes (Pituriba), José Oliveira, Manoel Moura Filho, José Araújo (Presidente do Itabaiana), Fernando Madureira Freire, João Mascarenhas Filho, Américo Alves, João Carlos Mendonça, Wilson Queiroz da Silva, Eronides Santos, Luiz Carlos Silva, Cezar Cruz e Raimundo Luiz.
Ato Público
Em dezembro de 1961, o dirigente comunista Robério Garcia, pronunciou em Aracaju, longo discurso no Ato Público em favor da legalidade do Partido Comunista Brasileiro, enfocando alguns pontos para o processo democrático da nação, que fora interrompido. Vejamos alguns desses pontos, publicados na Folha Popular, de 16 de dezembro de 1961, onde era diretor deste órgão de imprensa, desde 1958.
– Queremos o direito garantido pela Constituição Federal de participarmos livremente da vida política da nação.
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¹Folha Popular. Aracaju, nº 374, 4 de agosto de 1962.
– Queremos o direito garantido pela Constituição Federal, de sermos também votados.
– Queremos o direito de juntamente com democratas e patriotas de outros partidos, lutarmos contra o inimigo jurado do povo brasileiro, e imperialismo norte-americano, e contra a reação interna.
– Queremos o direito garantido pela Constituição Federal de nos arregimentar em nosso partido político.
– Desejamos e lutamos com todas as nossas forças pela conquista de um governo Nacionalista-Democrático, tornando realidade o seu programa de massa, que poderá abrir caminho para atingirmos outra etapa no desenvolvimento da sociedade brasileira.
Prisão
Notícias chegam do Rio de Janeiro, sobre a prisão do jornalista Robério Garcia, através de O Jornal, edição de 16 de abril de 1964:
Sergipe
Aracaju
Autoridades militares detiveram o Sr. Robério Garcia irmão do ex-governador Luiz Garcia, e apontado como chefe comunista local. O Sr. Robério Garcia exercia e já foi afastado da presidência da Federação Sergipana de Desportos.
Nas cidades de Capela e Neópolis, foram afastados de seus cargos os prefeitos José Figueiredo e Carlos Torres, de acordo com decisão das Câmaras municipais respectivas.
Para evitar novas prisões durante a repressão política pós 64, o militante comunista, Robério Garcia, foi internado no Hospital Psiquiátrico do Dr. Hercílio Cruz, evitando dessa forma, novas torturas físicas e psíquicas, da força repressiva, pois todos sabiam que ele era membro de família politicamente importante em Sergipe.
Solenidade em Sergipe
Nos primeiros dias de dezembro, foi realizado, nesta capital, um ato público pelo registro eleitoral do Partido Comunista Brasileira. A reunião realizou-se no Centro Operário, sob a presidência do Sr. José Nunes da Silva, e com a presença de numerosas personalidades locais, políticos e dirigentes sindicais. Tomaram assento à mesa, entre outros o professor Nunes Mendonça, Major João Teles de Menezes, vereado Agonaldo Pacheco, Luiz Gonzaga de Almeida, presidente do sindicato Texteis, d. Rosa Maria Lima, do Sindicato dos Verdureiros, d. Sina Menezes Garcia, dr. Marcilon Pacheco, economista: Robério Garcia, jornalista e Severino de Menezes, dirigente do Sindicato dos Marceneiros:
Na ocasião, Nunes Mendonça disse em seu discurso que é necessário fechar-se a brecha existente na vida política da nação, com a conquista da legalidade pelos comunistas. Usou da palavra, por fim, o presidente Robério Garcia, que analisou a política dos comunistas e expôs os objetivos do Partido Comunista Brasileiro.
Informa o periódico carioca Novos Rumos em edição de 5 a 11 de janeiro de 1962.
Registros
Seu falecimento foi registrado na sessão de ontem (5.05.83) da Câmara Municipal de Aracaju, pelo vereador Rosalvo Alexandre que lembrou de ter sido Robério Garcia um “autêntico democrata”, uma figura importantíssima na política, defendendo a democracia e o Partido Comunista Brasileiro, do qual foi um dos dirigentes em Sergipe:
Sergipe perdeu um dos seus mais autênticos democratas, disse ontem o vereador Rosalvo Alexandre, do PMDB, ao registrar da Tribuna da Câmara, o falecimento, ontem, do jornalista, político e desportista, Robério Garcia. O parlamentar afirmou que o jornalista demonstrou durante os seus 75 anos de labuta, qualidade inimitáveis, seja na área do jornalismo, seja na política ou no esporte, onde teve a oportunidade de dirigir clubes de Aracaju, além da própria Federação. (Gazeta de Sergipe, 6.05.83)
Continua o vereado Alexandre:
Robério Garcia fundou o jornal Folha Popular e defendia em suas páginas o programa do Partido Comunista Brasileiro, sendo sempre contra a implantação do regime nazifascista no país. Com a Revolução de 31 de março de 1964, o 28º Batalhão de Caçadores desarticulou o jornal Folha Popular “quebrando todas as máquinas linotipos e prendendo o seu diretor-responsável Robério Garcia”. (Gazeta de Sergipe, 6.05.83)
O dirigente do Vasco Esporte Clube, Wilson Queiroz ao dar seu depoimento que o desporto sergipano conheceu duas fases: antes e depois de Robério Garcia que foi, em vida, uma espécie de “divisor de águas” do esporte da terra. Robério foi também lembrado nessa mesma Gazeta, “como um grande e abnegado desportista pelo advogado Wellington Mangueira, presidente do Cotinguiba Esporte Clube”.
A Assembleia Legislativa do Estado, designou uma comissão de parlamentares constituída por Manoel Conde Sobral, Américo Alves e José Ribeiro para representa-la no sepultamento, ocorrido às 17 horas de ontem no cemitério Santa Isabel. Além de Requerimento de pesar pelo falecimento do jornalista, aprovado na sessão de ontem da Assembleia Legislativa.
O deputado Leopoldo Souza foi o único parlamentar presente à sessão do dia de ontem (5.05.83) da Assembleia Legislativa do Estado, a se reportar sobre as qualidades políticas do falecido:
Robério sofreu várias prisões nas dependências do 28º BC, torturas morais e nunca se afastou de sua militância política, sempre em defesa dos pobres de nosso Estado (Gazeta de Sergipe, 6.05.83).
Sepultamento
Luiz Garcia e Antônio Garcia conduziram o corpo do irmão Robério a sua última morada. Os jogadores do Sergipe também assistiram ao enterro.
Sergipe perdeu um dos maiores desportistas. Após uma longa enfermidade faleceu e foi sepultado ontem o Sr. Robério Garcia, ex-presidente da então Federação Sergipana de Desportos, Vasco e Sergipe, responsável pela introdução do profissionalismo em nosso futebol.
Robério Garcia, 75 anos, foi um dos mais eminentes desportistas do nosso Estado, tendo revolucionado o nosso futebol na década de 60, com promoções arrojadas. Ele foi o responsável pela vinda a Sergipe do Vasco da Gama, Flamengo do Rio de Janeiro, numa época em que era difícil promover temporadas. Realizou em Aracaju um amistoso entre Bahia e Fluminense quando da introdução do profissionalismo, registrando na oportunidade uma grande arrecadação. (Jornal da Cidade, 6.05.83)
Flores
O falecido Robério Garcia era um homem de promoções inéditas. Ele distribuía flores nos Estádios com as mulheres dos desportistas, moças, belas e muitos outros brindes também eram entregues ao público, numa forma de motivar o esporte. Quando da realização de clássicos entre Sergipe e Cotinguiba, ele mandava enfeitar o então Estádio Estadual de Aracaju nas cores vermelha e azul. Em certa ocasião, Robério Garcia foi acidentado. O veículo que o conduzia até Maceió capotou espetacularmente. Era um sábado. No domingo, na maca, ele foi ao estádio prestigiar o futebol. Em suas veias corria o sangue do desporto sergipano.
Ontem, Robério Garcia deixou de existir. Dezenas de pessoas foram leva-lo à sua última morada no Cemitério Santa Isabel. A Federação e o Conselho Regional do Desporto decretam luto oficial de três dias pelo passamento de Robério Garcia. O futebol sergipano está triste. Foi-se um dos seus mais brilhantes incentivadores. Deus o tenha. (Jornal da Cidade, 6.05.83)
O Contista
Dirigente desportivo e presidente da Federação Sergipana de Futebol, foi grande incentivador do futebol em Sergipe. Além de jornalista e editor da Folha Popular (SE) e membro destacado do Partido Comunista nos anos 50. Como contista publicou vários contos no Correio de Aracaju e na revista O Malho, do Rio de Janeiro. Vejamos três deles.
De bolso vazio, ou quase isto
Robério Garcia
Já não fumava há três horas. Estava na cidade baixa com um níquel de $00. E tinha que subir. Travei conhecimento com o elevador do Taboão. O percurso longo até a pensão em que estava me fez molhar a camisa. Lembrei-me da minha engomadeira. Estávamos num sábado, 1º do mês. Já nas semanas passadas não lhe havia pago e agora seria impossível protelar. As minhas roupas, suas conhecidas, não lhe deixariam acreditar que pudesse estar sem dinheiro. Tinhas que procurar o Viriato. Sim! O Viriato! Havia-lhe emprestado há mais de ano uma regular quantia, nem desses apertos que sempre nos visita. Falaria com ele. O acanhamento que ficasse de lado. Mas era preciso voltar à cidade baixa. E como, se não tinha dinheiro para o elevador?
Resolvi tomar 1$000 emprestado à dona da pensão. Pagaria quando voltasse à tardinha. Encontrar-me ria com o Viriato e pelo menos uma parte ele daria. Confiava. Comprei cigarros. O fumar reconfortou-me pensão. Pagaria quando voltasse à tardinha. Encontrar-me ria com o Viriato e pelo menos uma parte ele daria. Confiava. Comprei cigarros. O fumar reconfortou-me um pouco. Desci. E se Viriato estivesse viajando? Fui até o escritório onde ele trabalhava. E respirei forte. Estava ali o Viriato. Não no momento, porque havia ido à rua. Mas não devia tardar. As duas horas chegaria. Esperei. A ansiedade não me deixou ficar parado. Sair para matar o tempo. Entrei no Mercado do Ouro. Que sujeira! Voltei. Nada do Viriato! Fui até as Docas. Paquetes estrangeiros, gigantescos fizeram-me pensar numa viagem a New York. Fui olhar de perto o Instituto do Cacau. Belo prédio! Lembrei-me de quantas pessoas iam para ali trabalhando pouco e ganhando muito. Belo prédio o do Instituto! Passava uma mulher com uma trouxa de roupa e voltei a pensar na minha engomadeira. Tive um risozinho de satisfação. Pagaria. Que era que ela estava pensando? Pagaria. Mas alguns minutos e dava de cara com o Viriato. Contar-lhe-ia tudo. Poderia até exagerar um pouco. Não. Para que, se por maior que fosse o exagero não passaria das realidades? Faria como quem vai tomar um empréstimo. Nada de ares de quem vai cobrar uma dívida. E porque o Viriato não chegava?
Deu-me vontade de tomar um café pequeno. E fiquei com $200. Viriato pagaria! E pensei: 1$000 para a dona da pensão. 14$000 para a engomadeira… Que conta mais chata esta de 14$000! Pagaria 15$000. Que era um tostão? Ela também tinha esperando tanto… Sentira falta, na certa! Sim, tinha esperado tanto… Daria 16$000. Comecei a andar sem objetivo. Encontrando um vendedor de gravatas quis comprar seis. Mas não chegamos a um acordo nos preços. E Viriato? Já teria chegado? 4 e 30. Apressei os passos. Olá, Viriato!
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Pareceu-me estar em situação idêntica à minha. Apesar de ser 1º do mês encontrei-o à niqueis. Essas grandes cidades! Mas ia dar um jeito. Tinha a obrigação de “me servir”. Não lhe havia emprestado aquela quantia com tão boa vontade? No momento não daria todo. Já estava até com a intenção de me procurar. Recorreria a amigos e procurar-me ia no dia seguinte pela manhã. Ficasse eu certo disso! E tomou meu endereço.
Sair mais satisfeito. A engomadeira que se aborrecesse pela demora de mais um dia. Daria 16$000. Defronte ao Edifício Magalhães, cuja frente faz parecer uma “praça de automóveis” dado ao número de carros estacionados ali pertencentes aos auxiliares da firma, um pobre me pediu uma esmola. Tinha no bolso o último níquel. Pensei na multiplicação dos pães. Nosso Senhor do Bonfim conserve a sua felicidade, meu branco. Sorri.
Ladeira da Montanha. Automóveis em fileira descendo. Como é comprida esta ladeira! Automóveis em fileira, subindo. E porque este reumatismo veio me visitar logo hoje? Praça Castro Alves. Rua Chile. Footing. Quanta gente feliz! Olhei as vitrinas da Sloper. Já estava mais alegre, na alegria ambiente. Ao passar pela Confeitaria Chile, veio-me à boca o sabor dos seus cremes. E saí deglutindo. E pensando. A engomadeira…A dona da pensão… E se Viriato falhasse?
Não saí à noite. Para que sair? Oito horas. Nove. Dez. Viriato virá? Onze horas. Que noite comprida! Meia noite e meia. 16$000 para engomadeira. 1$000 para a dona da pensão. Você virá mesmo Viriato?[2]
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Entre Nenéca e Sylvia
Robério Garcia
Amanhecera um dia alegre de sol. Fui à janela e olhei a rua. Ou melhor: o meu presídio. Porque a minha rua era o meu presídio. Namorava uma garota minha vizinha. Uma, não! Duas, Nenéca e Sylvia. Nenéca tinha dezenove anos e era morena. Sylvia era alva e tinha trinta e dois. Eram irmãs. Gostava de Nenéca e estava apaixonado por Sylvia. Nenéca era virgem e Sylvia viúva. Mas Nenéca ia se tornando a “viúva” dos meus pensamentos… Não sei se elas compreendiam isto. Quando estavam as duas na janela, eu olhava Nenéca pensando que fosse Sylvia mesmo.
Costumava me mandar presentes, quase sempre de frutas. Não destacam o nome de quem as mandava. Mas eu tinha certeza de que a lembrança era de Sylvia. E olhava as
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² O Malho. Rio de Janeiro, Ano XXXIV, nº 116 – 22 de agosto de 1935.
frutas pensando em Sylvia. Sylvia cada vez mais se fixava em meus sentidos. Nenéca ia desaparecendo.
Nenéca não sabia que eu estava apaixonado por Sylvia. Porém Sylvia percebia que eu me ia desinteressando por Nenéca.
Frequentávamos sempre as matinées. Eu me sentava atrás de Nenéca. Mas os meus pensamentos estavam atrás de Sylvia. Conversávamos bastante. Eu falava pra Nenéca com os olhos em Sylvia e falava com Sylvia sem ver Nenéca. Aquilo ainda havia de estourar! E eu ficaria sem Nenéca. E ficaria sem Sylvia.
Ia vivendo assim, no meu presídio e na minha liberdade. Porque me libertava de Nenéca, mas me prendia a Sylvia. Às vezes eu julgava que as atitudes de Sylvia fossem porque namorasse Nenéca, sua irmã. Mas, não! Sylvia tinha atitudes completamente suas. Um dia Sylvia me disse que sonhara comigo. Que Nenéca pensava e ela sonhava! Disse-lhe que sucedia o mesmo comigo. Pensava em Nenéca, mas sonhava com ela. Eu ri. Ela riu. Aquilo ainda havia de estourar.
Quando à noite eu ia conversar com Nenéca, perguntava por Sylvia e esta vinha para janela. Mas se forre Sylvia quem estivesse, eu não me lembrava de perguntar por Nenéca.
Certa vez Sylvia me perguntou:
– Você me acha parecida com Nenéca? Muita gente nos troca!
Respondi somente que não. Por que aquela pergunta? Aquela pergunta, por quê? Quis lhe dizer a verdade. Mas não disse. Porque Nenéca estava presente.
Depois disto comecei a notar uma grande transformação. Nenéca vindo pouco à janela.
E Sylvia se demorando mais lá por dentro. Nenéca pouco falava comigo e Sylvia se tornava quase muda. Que seria? Teriam descoberto a minha canalhice e estariam fazendo assim de combinação? O que eu tinha certeza era de que o estopim estava acesso! E que o estouro vinha perto.
E veio mesmo.
Um estampido suave, se acaso existissem estampidos suaves… Dois cartões. Um de Sylvia pela manhã dizia assim: “olhe menos para mim e pense mais em Nenéca”.
Um de Nenéca, à tarde, assim dizia: “compreendi que você ama a Sylvia. Não devemos continuar. Seja somente dela”.
Que estouro suave!
E agora, nem Nenéca e nem Sylvia.
Fiquei só porque era a única porta que tinha para sair. E vi como havia sido canalha! Desde o começo. Até o fim. Um canalha de coração. Um coração de canalha? E perdi as duas.
Não, não perdi. Fiquei com ambas. Porque continuei pensando em Nenéca e sonhando com Sylvia.
E sonhando com Sylvia.[3]
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Zé Negócio
Robério Garcia
Eu devia ter ficado na pensão. Podia ter resistido aquela ideia tola de ir no bar tomar um café. Assim, eu não me encontraria com ele. Ao iria com ele olhar a casa de Zé Negócio, a sentinela de Zé Negócio.Fiquei do lado de fora e ele entrou, atravessando a sala de chapéu na mão. Ouvi conversas e soluços que vinham do quarto, de certo um quarto também escuro da fumaça que vem da cozinha. Nomes de remedos, consolo. Ele veio pra sala e me chamou. Mandou abri o caixão. Fiz que não ouvi. Ele me chamou de novo e estava eu ali agora junto do caixão de Zé Negócio, olhando o corpo esticado de Zé Negócio.
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O nome vinha do seu avô materno, passou pelo pai, Francisco negócio dos Santos e chegou aé ele, Zé Negócio. Zé Negócio estava vestido de claro, não tinha lenço amarrado no queixo. Os cabelos bem pretos, um cacho caído na testa, fisionomia serena, as mãos sobre o peito, Zé Negócio dormia. Parece que não estava morto podia ser um ataque. Veio do quarto um grito de dor fecharam o caixão, as velas continuaram acesas, Zé Negócio dormia.
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Ele me deixou na pensão. O meu quarto era do lado de fora, eu não tinha companheiro de quarto, não tinha vizinho de quarto. Bem que eu podia não ter saído, passava sem aquele café. Mas, saí, como estou saindo agora da frente do meu quarto, para as ruas largas que uma lua bonita está clareando. Andei pelas ruas largas, a chave do quarto na mão, eu sacudia a chave pra cima, sacudia Zé Negócio pra longe. A lua estava mesmo bonita, comecei a assobiar uma valsa, baixinho. Zé Negócio era músico, foi 1º classe do batalhão do exercito. Fiquei parado olhando uma luz que vinha na rodagem. Faróis de caminhão. Manduca. O caminhão de Manduca, muitos quilômetros à hora! Manduca era bom volante, foi a direção que quebrou. A carga do caminhão esmagando
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³ O Malho. Rio de Janeiro, Ano XXXV, nº 136, 16 de julho de 1936.
Manduca, matando Manduca. O corpo chegou, ninguém conhecia aquele Manduca todo inchado, olho furado. O povo chorou, todo muno gostava de Manduca, voz de trombone. O caminhão passou deixei a lua bonita, abri o meu quarto.
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Acendi a placa que estava na parede do fundo. Porque deixaram aquele “pneu” no meu quarto? Pneu de caminhão. O corpo esmagado de Manduca deixei a placa baixinho. Pneu tem forma de salva-vidas. Salva-vidas, Zé Rosa, Itacaré. Zé Rosa dentro do Itacaré e o Itacaré no fundo do mar. A família de Manduca ainda viu o corpo de Manduca. Zé Negócio estava em casa, dentro do caixão, o cacho de cabelo caído na testa. Onde está o corpo de Zé Rosa, que não vem para o mausoléu que ele mesmo mandou construir?
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Zé Rosa viajava muito, ficou no fundo do mar, Zé Rosa não viajara mais! Manduca puxava 120, a carreira de caminhão acabou matando Manduca, Manduca não viajará mais! Zé Negócio na viajava no mar, não puxava 120. Zé Negócio sentiu gosto de sangue na boca, pediu à mulher que o acompanhasse até o quarto que ele ia morrer. Botaram as pernas de Zé Negócio pra cima da cama, as pernas não eram mais dele.
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A luz da placa foi diminuindo e os meus mortos me rodeavam. Manduca. Lembrei meus tempos de menino medroso, Padre-Nosso pra fulano, Padre-Nosso pra sicrano. Esse tempo vai longe, Manduca! Bem longe, Zé Rosa e Zé Negócio! Vocês podem ficar aqui comigo, fiquem passeando na minha imaginação, mas, sem Padre-Nossos nem Ave-Marias.
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A luz da placa apagou. Os meus olhos estão com sono, Zé Negócio. Eu quero dormir, Zé Negócio. Eu quero dormir pra acordar de manhã.[4]
Campos, Sergipe, novembro de 1939.
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4 Correio de Aracaju. Aracaju, 24 de outubro, 1945.
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