GILFRANCISCO [*]

I – Comecei a me interessar pela obra de Jackson de Figueiredo (1891-1928), amigo companheiro do curso de Direito e de boêmia na Bahia, de Pedro Kilkerry (1885-1917), casualmente em 1970, quando pesquisava juntamente com o poeta-editor da extinta revista Código (1974-1990), a mais importante dos concretistas após o fim do movimento, Erthos Albino de Souza, os textos esparsos do poeta simbolista baiano. Bem como a organização de sua bibliografia, para inclusão no livro ReVisão de Kilkerry, Augusto de Campos (Fundo Estadual de Cultura-Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo. São Paulo, 290 p., dezembro, 1970. São Paulo, Editora Brasiliense, 2ª ed. revista e aumentada, com Bibliografia organizada por Erthos Albino de Sousa, 363 p, 1985).

Entre a 1ª e 2ª edição, localizei vários documentos sobre o poeta Pedro Kilkerry, para enriquecimento desta última edição, que infelizmente não foram incluídos a tempo por encontrar em fase final de impressão: certidão de óbito expedida pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais; Certidão do Sepultamento expedida pela prestadora de serviços, Casa Adornativa e cópia da Certidão de óbito passada em 1917, a pedido de Gustavo Ramos de Cerqueira Lima, responsável pelo sepultamento do poeta.

Pedro Kilkerry Foto: Reprodução

Em 1985, ano das comemorações do centenário de nascimento de Pedro Kilkerry na Bahia, organizadas pela Fundação Cultural do Estado, Conselho Estadual de Cultura, Universidade Federal da Bahia e Academia de Letras da Bahia, publiquei: Breve Fortuna Crítica. Salvador, Diário Oficial do Estado (Edição Especial do Centenário), 10 de março; Kilkerry, Uma Poética de Resistência. Salvador, Diário Oficial do Estado, 15 de março. Republicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, 25 de maio; O Povo, Fortaleza, 19 de setembro; Pedro Kilkerry, Um Cronista da Ruptura. Salvador, Correio da Bahia, 9 de junho. Ainda em 1985, baseado nesses textos publicados em periódicos, a Rádio Educadora da Bahia, levou ao ar em 17 de julho, durante dez minutos, um programa especial sobre o poeta, com roteiro de Antonio Luís Almada, numa realização do Centro de Rádio do Irdeb.

Em 1989, retomando as investigações, publicaria mais dois ensaios: Pedro Kilkerry Um Poeta Maldito. Salvador, Diário Oficial do Estado, 20 de abril e Pedro Kilkerry, Maldito entre Malditos: um estudo introdutório. Salvador, revista Exu, nº9, maio/junho, p.9-18 (Fundação Casa de Jorge Amado), acrescido de dois textos em prosa, O Grande Patriota. Salvador, Gazeta do Povo, ano X, nº316, 30 de março, 1915 e Crônica Política. Salvador, Gazeta do Povo, ano XI, nº 2876, de 30 de marca, 1916, ambos os textos localizados no Arquivo Público do Estado da Bahia. Durante esses  longos dez anos, continuei seguindo novas e velhas pistas na esperança de ser contemplado com outros textos de Pedro Kilkerry, para incluí-los numa próxima edição, 3ª a ser publicada.

Entre os anos de 1997 e 1998, quando me encontrava pesquisando nos estados do Rio de Janeiro, Sergipe e Bahia, para a dissertação de mestrado, “Revisão de Pinheiro Viegas nas agremiações literárias na Bahia dos anos vinte: Grupo da Baixinha & Academia dos Rebeldes”, obtive informações através de vários periódicos baianos, da existência do Jornal Brasil Moderno (um hebdomadário ilustrado de ciências, Letras, Artes e Livre Crítica social), fundado por João Amado Pinheiro Viegas (1865-1937), tinha como redatores: Pedro Kilkerry, Monteiro de Almeida, Silva Freire, Antonio Viana e Anísio Viana. De vida efêmera, Viegas só conseguiu editar três números. Neste período, Kilkerry publica dois poemas: Ad Veneris Lacrimas, nº1, novembro de 1911 e Noturnos, nº3, dezembro de 1911; este último publicado no Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro, Andrade Muricy. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, Vol. II (com o título É o Silêncio…), 1952.

No início de fevereiro de 2000, fui surpreendido ao localizar no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, um longo texto de Pedro Kilkerry, Carta a Jackson de Figueiredo. Aracaju, Diário da Manhã, “Gabinete das Letras” 24 de setembro, 1911, onde ele comenta sobre o livro de Jackson, Zíngaros (poemas), publicado em 1910. Esta “Carta” foi anteriormente publicada em Os Anais. Salvador, Ano I, nº5, agosto, p. 123-126, 1911.

Outro ensaio localizado foi o de Jackson de Figueiredo, dividido em duas partes, As Filhas da Saudade – Pedro Kilkerry, uma primeira versão do texto que faria parte do livro Humilhados e Luminosos, publicado em 1917. Aracaju, 1º e 2 de março, 1912, acrescido dos seguintes poemas de Kilkerry: Altera Quanquam Vênus; O Muro e Horas Ígnes. Dois meses depois, no Setor Arcevo E. A Carvalho Lima Junior, da Biblioteca Pública do Estado de Sergipe, Epiphânio Dória, localizei mais um poema esparso do poeta baiano, Velhinho, soneto dedicado a Jackson de Figueiredo, no mesmo periódico, Seção “Gabinete das Letras”. Aracaju, Ano I, nº 81, 18 de maio, 1911. Este soneto foi publicado anteriormente na revista Nova Cruzada. Salvador, Ano X, nº 7, dezembro de 1910, p.13, com o título de Amor Volat, apresentando várias modificações.

Publiquei ainda no Jornal da Cidade, 12 de fevereiro de 2000, Kilkerry & Jackson de Figueiredo e na revista Judiciarium n.46 de maio, Jackson de Figueiredo na Bahia, sobre sua amizade com Kilkerry.  Para a próxima edição de ReVisão de Kilkerry, Augusto de Campos (sem previsão de publicação), além da inclusão de novos textos, correções e informações complementares, resultado da pesquisa que está completando trinta e cinco anos, a Bibliografia de Kilkerry, inicialmente  organizada por Erthos Albino de Sousa, terá continuidade e será ampliada com mais de cinquenta novas indicações sobre a obra do poeta maldito, Pedro Kilkerry.

II. Nascido em Aracaju no dia 9 de outubro de 1891, Jackson de Figueiredo Martins, filho de Luiz de Figueiredo Martins (bem estabelecido em Aracaju) e D. Regina Jorge Figueiredo (origem baiana), fez os estudos primários e de humanidades no Atheneu Sergipense e no Ginásio Alagoano. Mas de 1909 a 1913 estudou em Salvador, na antiga Faculdade Livre de Direito da Bahia, onde se bacharelou – sem solenidade, com seus colegas e amigos Pedro Kilkerry (1885-1917) e Otaviano Saback. Por motivo de saúde, Jackson retorna ao Sítio Erma, residência dos pais em Aracaju, para tratar-se da moléstia (origem nervosa) eczematosa que tanto sofrimento lhe trazia.

Os outros vinte nove, dos trinta e dois bacharéis de 1913, paraninfados pelo professor Ponciano de Oliveira, graduaram-se solenemente no já tradicional 8 de dezembro. A turma dispensou-se no ano seguinte, alguns se radicando no interior, como Kilkerry, em Santo Antônio de Jesus (até 1916), ou Edgar Matta em Nazaré das Farinhas (até 1924), mas Jackson de Figueiredo tomou um dos vapores Ita do Norte em março para o Rio de Janeiro, onde permaneceu até a sua morte tão prematura e trágica, em 4 de novembro de 1928, aos 37 anos apenas, por afogamento na praia da Tijuca, depois de escorregar num rochedo, onde pescava com o filho caçula Luís (de apenas oito anos) e um amigo, impossibilitados de salvá-lo das ondas bravias e águas profundas, assistiam os últimos acenos de despedida de Jackson.

Era comum entre os estudantes que iniciavam a vida acadêmica na Bahia, se hospedarem nas “repúblicas”. O mesmo que pensão. Segundo Xavier de Oliveira, Jackson teria morado por dois anos em “república” estudantil, nos últimos anos na Bahia, teria vivido em companhia de Edgar Sanches, acolhido pela família deste passou “três anos dormindo no mesmo quarto e sob o mesmo teto do Solar do Garcia”. Já Epaminondas Berbert de Castro, calouro em 1913, eminente político baiano, declara que conviveu na pensão de D. Rosa com Jackson e os estudantes de medicina, Armando Sampaio Tavares e Sabino Silva. Estas informações não conferem com a de Cléa  de Figueiredo Fernandes no livro Jackson de Figueiredo – uma trajetória apaixonada, Rio, Forense Universitária, p. 98, 1989): Sanches hospedou Jackson no ano de 1913 até quase o término do curso na Faculdade, também nesse ano foi seu procurador.

Na velha, misteriosa e enigmática Bahia, Jackson acompanha com interesse a política baiana. Identificou-se com Salvador e urbanisticamente apreciou a originalidade da cidade-alta, cidade-baixa, ruas e ladeiras, casarios, o pelourinho, as ricas mansões, os edifícios públicos dos tempos coloniais, as igrejas e a numerosa população com sua heterogeneidade ética com predomínio do contingente negro.

A Bahia era contagiante para Jackson de Figueiredo. As escolas superiores, entre as poucas existentes no início do século XX, a Faculdade Livre de Direito da Bahia, Faculdade de Medicina e a Biblioteca Pública. Nos seus passeios pela cidade, ele não economizava dinheiro. O hábito de comprar livros era compulsivo, pois começara a organizar uma nova biblioteca, bem como o acompanhamento de colegas ricos em festas e andanças, sempre a  pagar as despesas; causando o término da mesada antes do final do mês, e consequentemente acumulando dívidas, estando sempre necessitando de um reforço do pai. O certo é que manter Jackson na Bahia causou-lhe fortuna.

Jackson saíra de Aracaju com apresentações para parentes da mãe e conhecidos, e colegas do pai dos seus tempos de Bahia e de comerciantes. O jovem acadêmico os procurou e manteve com alguns alguma relação, mas formou ele próprio o seu grupo de amigos. Desde sua saída para a Bahia, não tinha certeza se voltaria de modo definitivo. Suas impressões sobre Aracaju eram péssimas: uma terra injustiçada, onde a comunidade bastante sofrida e pobre continuava a mercê dos políticos, sem urbanização e nenhuma perspectiva de crescimento, a prática de uma política mesquinha, onde seria impossível a realização dos seus projetos.

Embora fosse Neo-Cruzado, agremiação literária fundada em 1901, tendo como órgão de divulgação até 1910 as revistas Nova Cruzada, substituida por Os Anais (1911-1914), quando a agremiação ingressa numa nova fase, Jackson de Figueiredo publicou uma colaboração (Ano III. n.4, julho, 1913), enquanto um rodapé explicativo da revista justificava que “abrimos exceção” – o elogio póstumo do poeta Leovigildo de Melo Leite “Página de Saudade”.

A amizade entre os neo-cruzados, possibilitou que estes tivessem acesso aos periódicos sergipanos,onde passaram a divulgar os seus trabalhos: Durval de Moraes (1882-1948), Arthur de Salles (1879-1952), Galdino de Castro, Xavier Marques (1861-1942), Álvaro Reis (1880-1932), Carlos Chiacchio (1884-1947), Pedro Kilkerry (1885-1917), dentre outros.

Em Salvador, Jackson  fez novas e grandes amizades, entre as quais a de Edgar Matta, que o levou várias vezes a Nazaré das Farinhas (cidade do Recôncavo Baiano); pela primeira vez em 1909, quando este o apresentou ao escritor Anísio Melhor (1885-1955) e dessa amizade surgiu o prefácio “O que tenho a dizer”, de Jackson ao livro de estréia do novo amigo, Os Meus Versos, impresso pelo prório Anísio, na tipografia do jornal O Regenerador, em 1911. Com o ficcionista Xavier Marques, que fora apresentado por Kilkerry, manteve uma longa correspondência, além de ter publicado o ensaio Xavier Marques (Rio de Janeiro, Tipografia da Revista dos Tribunais, 2. ed. 1916).

Outros amigos íntimos de Jackson de Figueiredo foram Kilkerry e Edgar de Reggio Ribeiro Sanches (1892-1972), este último muito hostilizado nos epigramas do poeta maldito Pinheiro Viegas (1865-1937):

               Sanches ou Sancho. De acordo

                Pança ou pancismo. Percebo

                Tenho sebo de homem gordo

                Sebo. Sebo. Sebo.

Mas com Pedro Kilkerry, Jackson tinha um carinho todo especial, admirava sua inteligência e seu caráter humanístico. Era Pedro, que sabendo várias línguas entre elas o alemão, grego, árabe e o inglês, lia para ele os textos de Kant, Nietzsche, Haeckel e outros filósofos alemães, no original.

Mesmo residindo no Rio de Janeiro, não perde de vista Kilkerry, pois sabia que este era incapaz de manter uma regular correspondência com quem quer que fosse, por isso, recebia notícias suas, através do mestre Xavier Marques ou de outros amigos baianos.

De Jackson de Figueiredo para Kilkerry

Primeiro vem o Pedro alevantado,

O Kilkerry de versos berradores,

Versos Vermelhos e doiradas flores

Das margens do amazonas do Encantado!

(As Filhas da Saudade- Pedro Kilkerry, Jackson de Figueiredo. Aracaju, Diário da Manhã , 1º e 2 de março, 1912)

                                                ***

Pedro Kilkerry foi a pessoa que mais me impressionou a esse tempo. Filho de inglês e brasileira, aquele rapaz de uma prodigiosa inteligência era ao mesmo tempo o temperamento mais esquisito que já me fora dado encontrar e porque fosse, como eu, um ledor incansável, fizemos íntima camaradagem que nunca mais se desmentiu apesar de tanta diferença nos nossos destinos. Eu o admirava como ainda hoje admiro, e então com essa ingênua febre da adolescência que é como o sentimento da eternidade de cada gesto.

(Xavier Marques, Jackson de Figueiredo, 1ª ed.1913. Rio de Janeiro, Tipografia Revista dos Tribunais, 2ª ed. 1916, p. 8).

                                                                              ***

Inolvidável Pedro! Fez todo o esforço possível, dentro do meio em que viveu para andar sempre por aqueles cimos iluminados sobriamente pelas lições do Zaratustra. Jamais, enquanto teve por si a saúde, foi homem de quem se pudesse ter piedade ou que consentisse mesmo numa ligação baseada em sentimento de solidariedade para com a sua pobreza. Não. A pobreza e o sofrimento tinham que ser como se não existissem. As suas ligações, pelo contrário, eram aquelas, que unicamente se inspiravam na certeza de uma vida superior de inteligência e de arte ou na sua enorme riqueza de ilusão e de sonho. E, no entanto, quem pudesse penetrar a escondida paisagem em que se movia, de fato, o homem que ele era não podia ver de mais triste, de mais incompreensível…

(Humilhados e Luminosos, Jackson de Figueiredo. Rio de Janeiro, Ed. Anuário do Brasil, 1917).

                                                                              ***

Falávamos em meio tom do que a nossa mocidade já perdera de todo, ou do que estava distante… Sobretudo dos nossos amigos – do Kilkerry… (Pobre Kilkerry! Morto também, apagada já aquela fagulha de gênio, a mais viva que vi brilhar na mocidade de minha terra).

 (Incenso de Oiro, Jackson de Figueiredo. Rio de Janeiro, Tipografia Revista dos Tribunais, 1917, p. 7).

                                                                              ***

Pedro Kilkerry raio de sol que erra agora neste luar que tenho n’alma…

(Incenso de Oiro, Jackson de Figueiredo. Rio de Janeiro, tipografia Revista dos Tribunais, 1917, p. 17).

                                                                              ***

Velhinho

 À Piche do Jackson

Não, não é que comigo ele nascesse… A sua asa            

Só a um tempo ruflou, desse modo, tamanho!

– Bateu-me o coração. E outro eu não sei que, estranho,

Rudemente o rasgou, como o seu bico em brasa.

Entrou-no todo, enfim, como quem entra em casa,

E em meu sangue, a cantar, fez de um boêmio no banho.

Ah! Que pássaro mau!E nunca mais o apanho!

Vês: estou velho já… treme-me o passo, e atrasa…

Olha-no bem, no peito, um rubro ninho aberto!

Hoje, fúnebre,da piar uma estrige ao telhado,

E o meu seio vazio! E o meu leito deserto!

Ah! Vivi só por ver, como curvo aqui fico,

Esse pássaro voar, longamente, um bocado

De músculo pingando a levar-me no bico!

Pedro Kilkerry

Da Nova Cruzada

(Diário da Manhã. Aracaju. Ano I. n.81, 18. maio. 1911)

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[*] é jornalista, professor universitário e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com