GILFRANCISCO [*]

Coincidentemente, quando o professor, jornalista e escritor Walfrido Moraes lançou, na Academia de Letras da Bahia, – Av. Joana Angélica, 198 – Nazaré, a 4ª edição do livro Jagunços e Heróis, editado pela Empresa Gráfica da Bahia (EGBA), Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural, a Academia de Letras da Bahia o elege para a Cadeira nº 34, que foi ocupada, sucessivamente, por dois professores-escritores: Virgilio de Lemos e Adalício Coelho Nogueira. Não obstante já possuir uma bagagem literária substancial, praticamente no campo da História, da Geografia e do ensaio político, Walfrido Moraes se limita, nesta entrevista, a uma abordagem sobre esta obra que, hoje, é considerada clássica no seu gênero. Trata-se de um livro-documento, no qual aborda situações de domínio social e político, utilizando perfis sociológicos, muito próximo da reportagem e em que visualiza, ainda hoje, o processo de ruptura das bases de poder do coronelismo no Nordeste brasileiro, zona de domínio econômico, social e político, dono de decisões e senhor da terra. Jagunços e Herói é um manual indispensável para estudiosos e leigos, resultante de um trabalho de investigação, a obra, desde sua primeira edição, ainda quando não estava no prelo, já criava polêmica na imprensa. Trabalhos deste gênero fazem o cruzamento e a aproximação entre jornalismo e história, mas, sobretudo iluminam o passado com as luzes apropriadas, trazendo-o irremissivelmente para perto da atualidade. Portanto, um escritor e um livro que mantém a tradição literária da Bahia.

Jagunços e Heróis sua grande obra, reflete a imagem de outro Brasil. O livro que é também a narrativa histórica e a interpretação sociológica, política e econômica da civilização do diamante nas Lavras da Bahia. Essa é, aliás, como salienta o autor, uma região que “nasceu, viveu e se estiolou sob o signo da turbulência, numa democracia telúrica mais singulares da história”. Horácio de Queirós Matos (1882-1931) político e coronel do sertão baiano da primeira metade do século XX, chefe de verdadeiro exército de jagunços, envolvendo-se em diversas lutas armadas ao longo da vida. Sua trajetória política principia ao ganhar a patente de tenente-coronel da Guarda Nacional, herdando do tio Clementino Matos o comando da família e após muitas lutas contra adversários, tornou-se senhor absoluto de vasta região da Chapada Diamantina, sendo Intendente de Lençóis (rico centro minerador) e Senador estadual na Bahia, controlando a vida pública por várias décadas, era lei e autoridade máxima.

Portanto, Walfrido Moraes analisa com documentação rica a epopeia de Horácio de Matos e o despovoamento da Chapada Diamantina baiana, provocado pelas andanças de suas tropas nas lutas políticas das décadas de 20 e 30. Essa publicação contribuição das mais valiosas para a caracterização exata da civilização do diamante nas lavras da Bahia.

Walfrido Moraes faleceu aos 88 anos no dia 7 de outubro de 2004.

GILFRANCISCO – Professor, onde e quando o senhor nasceu. Quando chegou a Salvador?

Texto de autoria do
Capa do livro Jagunços e Heróis Foto: Reprodução

Walfrido Moraes –  Eu nasci em Lençóis no dia 11de setembro de 1916, onde permaneci até os 17 anos. Aos sete tive o primeiro contato com as letras, guiado pelas mãos do professor Viana Monteiro, um autodidata que encarnava no seu mais alto estilo, a antiga dignidade de Mestre. Passei toda a infância na terra natal e na Chapada Diamantina acompanhei as lutas políticas travadas entre os coronéis da região, histórias e personagens do sertão baiano que depois iriam compor meu livro Jagunços e Heróis, publicado pela Editora Civilização Brasileira, na coleção Retratos do Brasil nº 14, em 1963. Esse livro recebeu o Prêmio Joaquim Nabuco da Academia Brasileira de Letras – ABL. Aos nove anos teve início minhas atividades jornalísticas como aprendiz de tipógrafo até chegar a redator-chefe de O Sertão, hebdomadário noticioso-literário de Horácio de Mattos e que teve continuidade em Salvador, Ilhéus e Itabuna.

GILFRANCISCO – E a nova vida na capital baiana?

WM – Cheguei a Salvador aos 17 anos e passei a colaborar no semanário Correio Bahiano, O Imparcial, (dirigido pelo escrito Wilson Lins), Diário da Bahia, Diário de Notícias (dos Diários Associados) e A Tarde, onde recebi em 1963 como repórter o Prêmio Esso de Jornalismo, na categoria regional, pela matéria, Apito de Nazaré é grito de dor.

GILFRANCISCO – Durante a sua trajetória de vida, o senhor exerceu várias atividades, principalmente no magistério. Fale um pouco desse período e de sua produção intelectual.

WM – Sou bacharel em jornalismo, Geografia e História, pela Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia – UFBA. Fui também professor catedrático de Geografia e História do Colégio Estadual da Bahia; de Geografia Humana, da Escola de Sociologia e Política da Bahia; de Economia Política do Instituto de Jornalismo da Bahia e assessor da Escola Técnica Federal da Bahia. Tenho poucos livros publicados: O Escravo da Legislação Tributária da Província da Bahia (1949); Bahia: Mercado em Cinco Continentes (1959) saiu em francês, inglês e português; Jagunças e Heróis (1963); 2ª edição, 1973, 3ª edição revisada e ampliada, 1984, 4ª edição 1991; O Pastor e a Nuvem Cor de Rosa – literatura infanto-juvenil (1973; Bahia – Aqui nasceu uma Nação (1978); Simão Filho: O Jornalista de Combate e o Tribuno das Multidões (1998); A Senhorial Casa da Torre – Origem do Latifúndio e da Elite no Brasil Colonial (1999).

GILFRANCISCO – Professor, o senhor está satisfeito com a nova edição do livro Jagunços e Heróis.

WM – Como não… Ele é o meu filho espiritual mais querido. O filho que me projetou na literatura brasileira e, de certo modo, mais além dos limites das fronteiras nacionais. Concebi-o sem maiores veleidades, mas com muito calor humano. Esse calor que ele retransmite aos seus leitores. Dei-lhe vida, criei-o e, surpreendentemente, dentro de pouco tempo passei a observar e a sentir que ele atingira aos mais diversos segmentos sociais, isto é, desde o homem mais simples e rude dos sertões baianos – que se considerou psicologicamente também como personagem da história da civilização do diamante, como garimpeiro ou como jagunço – até personalidades as mais eminentes deste país, no campo do jornalismo, da crítica literária, da política e das letras jurídicas. Neste sentido, tenho pronunciamentos deveras gratificantes tais como de Jorge Amado – queridíssimo confrade dos tempos de O Imparcial – que o apresentou à Academia Brasileira de Letras; de Manuel Bandeira, Barbosa Lima Sobrinho e do Ministro Ivan Lins, membros da Academia Brasileira de Letras, que constituíram a Comissão Julgadora que me conferiu o Prêmio Joaquim Nabuco da Casa de Machado de Assis; do ex-presidente Juscelino Kubitscheck, cuja carta foi inserida nesta última edição; do jornalista Cruz Rios, que generosamente considera que “se houver um catecismo que venha destruir a Chapada Diamantina, ela continuará a existir nas páginas de Jagunços e Heróis”, do Ministro Cordeiro Guerra Presidente do Supremo Tribunal Federal, que confessando jamais ter encontrado, em livro, as razões exatas pelas quais fora decretada pelo então Presidente Epitácio Pessoa, a intervenção federal na Bahia, agradeceu-me, de maneira desvanecedora as páginas que escrevi sobre os grandes acontecimentos políticos que abalaram o Brasil ao longo da década de 1920 e mudaram a face do sistema republicano; e, finalmente, para não ser enfadonho do Consul Geral do Brasil no Japão, o Dr. Fausto Cardoso, que o adotou nas universidades de Kobe e de Kyoto, das quais ele era professor, como obra para didática de História Política e Social da América Latina. Tenho ademais, sido citado em inúmeras obras de escritores da América Latina, Estados Unidos, França e Inglaterra, o que não deixa de ser muito lisonjeiro para um humilde jagunço perdido no tempo.

GILFRANCISCO – Qual o segredo para fazer um bom livro

WM – Não sei se já tenho a necessária autoridade para falar sobre a fórmula de se fazer um bom livro. Considero, porém, que um livro só se consegue quando se verifica a absoluta aceitação do leitor. Para tanto, torna-se necessário que haja uma mensagem que o sensibilize. Que o autor empreste autenticidade, amor e calor humano à sua obra. Que não escreva apenas por escrever ou pela vaidade de ser escritor. No caso do meu Jagunços e Heróis, tive o privilégio, não só de ter unido minha criança, o período mais agudo das lutas sertanejas que se travaram na Chapada Diamantina, como de ter composto, como um simples aprendiz de tipógrafo, grande parte dos artigos e manifestos do Coronel Horácio de Matos sobre a política regional e as divergências e conflitos com o governo do estado. O jornal O Sertão, cujo fac-símile de um dos seus exemplares serve de fundo da capa desta 4ª edição, graças à criação do artista gráfico Beto Cerqueira, foi a minha primeira grande escola, onde aprendi a escrever e a gravar na memória, ainda plena de leveza, os fatos que marcariam a minha carreira literária.

GILFRANCISCO – Depois de Jagunços e Heróis, será difícil ao seu autor separá-lo em outras obras.

WM – Talvez, porque Jagunços e Heróis marcou uma fase deveras edificante na minha carreira ainda com a circunstância de ter-me emancipado como escritor. Todavia, creio que o meu futuro livro sobre a problemática da escravidão negra, aquela sua universalidade e dimensão históricas poderá vir a ser a minha obra definitiva, intitulei de Brasil – África: Angustias e Aspiração do Povo Negro, terá cerca de 400 páginas. Tenho ademais acumulado em meu gabinete, o material para uma geografia humana da Bahia; uma biografia de O Imparcial, um admirável jornal de massa que foi dirigido pelo jornalista e escritor Wilson Lins – meu irmão e meu amigo –, e a história de uma comunidade evangélica norte-americana no Vale do Utinga, no alvorecer do século XIX. Em todas essas obras, haverá uma imensa parcela de devotamento e de amor da minha inteligência e da minha alma.

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: Gilfrancisco.santos@gmail.com