Gustavo Tenório [*]
Precipitação de bolas na área. Defesas milagrosas. Orações. Pênalti perdido. Bola no travessão. Noventa e tantos minutos (ou teria sido uma pequena eternidade?) de apreensão e de ansiedade. Enfim, um grito solto de campeão! A tarde do dia 14 de abril mostrou-se como um sábado memorável: o Club Sportivo Sergipe conquistou o seu trigésimo quinto título estadual! Uma hegemonia que se prolonga há exatos 100 anos de competição nas canchas sergipanas!
A turnê do Vermelhinho mais querido do Estado é bastante longeva: vem se apresentando nos campos desde o ano de 1916. Inicialmente em praças e terrões, apenas no ano de 1918, com a criação da Liga Desportiva Sergipana, conforme nos diz o saudoso torcedor rubro Viana Filho, em sua belíssima obra “Crônica Esportiva” – um deleitoso passeio pela história do esporte nas terras do cacique Serigy –, que o Gipão passou a disputar competições oficiais. Disputar? Bem, prefiro dizer apresentar-se. Noventa minutos com o Sergipe não é qualquer coisa! Seu espetáculo reúne tudo o que há de demasiado humano: dor, sofrimento, êxtase, glória! Ecce Homo!
O ano de 2018 surgiu com uma áurea de dúvidas para o Vermelhinho. E não é exagero dizê-lo, convenhamos. O club se encontrava sem o famigerado “calendário gordo”: apenas disputaria o campeonato estadual e o Campeonato Brasileiro da Série D. Ou seja, as abastadas receitas da Copa do Nordeste e da Copa do Brasil não entrariam nos cofres alvirrubros neste ano. Como então montar um time competitivo?
Ora, meus amigos, adoro falar, quando trato de futebol e, particularmente, do Sergipe, a expressão “imponderável”! Esta entidade que sempre atua no esporte bretão aprontando das suas – para o bem e para o mal, diga-se. Mas, graças a Deus, ao Universo, aos Orixás, ao Eduardo Galeano, ao Nelson Rodrigues e a Nós mesmos, o Imponderável – de agora em diante, em maiúsculo – agiu de forma a coroar o Sergipão do Centenário com o Sergipe campeão.
Particularmente, que me perdoem os adversários, o(a) Sr.(a) Imponderável agiu de forma coerente diante de qualquer lampejo de incoerência, por mais incoerente que a coerência acabe sendo. Deu para entender? De toda sorte – e bota muita sorte nisso –, sagramo-nos campeões! É verdade que não pudemos ter uma revanche daquele primeiro duelo em 1918 contra o Cotinguiba, saudoso rival que há muito não se apresenta nas competições futebolísticas. No entanto, o Itabaiana vem se mostrando um páreo duríssimo nos últimos anos para o Vermelhinho.
Voltando à tarde de glória, como é bonito ver as arquibancadas vermelhas! Escrevi isso, aliás, na minha primeira crônica do ano, quando vencemos o Freipaulistano na primeira rodada do campeonato. Essa, aliás, foi a tônica da campanha do Gipão: jogos com a presença massiva de sua apaixonada torcida. Foi bonito de se ver! Acabei não encontrando lugar no famoso Setor 03, meu setor de estimação – coisas da vida. Para nós, bastava-nos um singelo empate. Mas nem um empate consegue ser discreto ao ponto de ser singelo para o Sergipe.
O time começou bem a partida. Atacou em bloco e impingiu certa pressão à defesa adversária. Logo em seguida, os tricolores lembraram-se que precisavam vencer o match. Foi aí que eu risquei o adjetivo “singelo” do meu glossário-futebolístico-alvirrubro. Meus amigos, vocês que estiveram no Batistão ou assistiram pela TV ou escutaram pela “radja”, foram mais de noventa minutos de nervosismo. Um bombardeio aéreo em nossa área por muito pouco não nos fez um baita estrago. Não fosse a artilharia antiaérea do goleiro Jean que, aliás, foi o nome do jogo, estaria eu escrevendo uma crônica melancólica neste momento. Mas ele mostrou bons reflexos, além de uma boa pitada de sorte – futebol é assim, meus caros! Que partida magistral de nosso arqueiro!
Preciso também, se me permitem, encher a bola do nosso lateral esquerdo. Será uma tremenda injustiça se Marinho Donizetti não for eleito o craque do campeonato! Protestarei! Ocuparei a sede da FSF! Queimarei todos os navios! O que este cabra jogou no campeonato merece ser cantado pela eternidade. Incansável, determinado e imprescindível para o título. No sábado, tirou algumas bolas da direção da nossa meta, correu de cima à baixo, defendeu e contra-atacou como nunca! No auge dos seus 38 anos, Marinho mostrou que o tempo pode nos pregar peças, mas só se deixarmos. Ele foi formidável. Dá gosto de vê-lo atuar. Aliás, há muito que não vejo um lateral tão dedicado e diligente em campo. Posso dizer: ainda bem que vi Marinho Donizetti vestindo o manto sagrado do meu Gipão.
O jogo foi realmente tenso. Mas, num dado momento do segundo tempo, uma falta dentro da área. Pênalti! Foi pênalti, seu juiz! E Foi mesmo. Merecíamos um golzinho para nos deixar sem voz amanhã. Um rapaz eufórico até tentou jogar a minha cerveja ao ar. Não o deixei e ainda ralhei com o sujeito. Eu ainda estava tenso, sem acreditar se realmente se confirmaria a marcação. Confirmou.
Quem bateria? Nino, claro! Ele é o nosso cobrador oficial. Marcou um tento numa penalidade em Estância, contra o Boca Júnior, pelo hexagonal. E ele foi para a marca. Ajeitou a bola enquanto alguns jogadores adversários ainda importunavam o juiz contra a marcação. Olhou para a meta como se fosse um destino de glória. Foi justamente no gol onde, ao fundo, nossa torcida rezava, fechava os olhos, gritava “gol! gol! gol! gol!”. Fiquei indeciso se via a cobrança, se sentava na cadeira e rezava, se fechava os olhos, se fazia o sinal-da-cruz… e ele chutou. Eis o Imponderável de novo. Só pode ter sido ele. Não tem como não ter sido! A bola passou por cima do travessão. O goleiro pulou para o lado esquerdo de Nino. Se a bola não subisse tanto… Um chute rasteiro no meio ou à meia-altura. Quedei-me incrédulo. Ô Imponderavelzinho danado! Custava nos dar um golzinho!? O resto da partida foi de novo aquela tensão. Bolas aéreas e ataques constantes do Itabaiana. Conseguimos alguns contra-ataques. Mas o placar se manteve inalterado. Foi num desses nossos contra-ataques que o juiz ergueu o braço e apitou o fim da partida. Somos campeões! Como vibrei! Eu, que estava morando fora do Estado em 2013, estava desde 2003 sem ver a Volta-Olímpica no Batistão. Que alegria, meus amigos! Abraçávamos e pulávamos e gritávamos! Abracei até o torcedor eufórico que queria jogar a minha cerveja na galera – por isso digo que o futebol é todo esse amálgama de sentimentos e emoções!
Lembrei das duas partidas amistosas de pré-temporada, contra o Coruripe na Barra dos Coqueiros e contra o Dorense em Pirambu: de desacreditados a campeões! Dentro de nossas limitações financeiras – pois, como disse o professor Ary Resende, “futebol é um brinquedo caro” –, conseguimos uma conquista fabulosa. Torcida, time, funcionários, dirigentes e abnegados, estamos todos de parabéns! Ah, como é bom estar com o Vermelhinho! Nada compra uma eternidade com o meu Sergipe: o Campeão do Centenário!
[*] É advogado e torcedor apaixonado do Sergipe
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