Profa. Dra. Valéria Aparecida Bari
Docente Pesquisadora da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
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“A poesia é um fogo que faz arder o espírito de quem ama.”
Pierre Ronsard
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Tenho poucas virtudes, sabe quem me conhece, e um enorme defeito: a leitura para mim é um vício. Viajo no espaço, no tempo e nas horas, quando me encontro diante de uma leitura de qualidade. Mas, quis o destino que Kilkerry nunca escrevesse um único livro, para que chegasse às minhas mãos lá na tenra juventude, quando me dedicava a devorar a poesia brasileira, na Biblioteca Pública Viriato Correia, na Cidade de São Paulo.
Não tive, nem ninguém teve, um livro publicado por Pedro Militão Kilkerry, pois ele estava no mundo apenas para um passeio. Foi escrevendo e publicando, sem ativar claramente um perfil de poeta, dedicado aos estudos muito mais do que à boemia. Não faz mal, a tuberculose também grassava a vida dos estudantes mal alimentados, dos intelectuais pobres, na primeira década do Brasil no séc. XX. Ela veio buscá-lo antes do programado.
O pesquisador, poeta e tradutor Augusto de Campos, mais tarde resgata Kilkerry do total esquecimento e lhe dedica uma coletânea, depois de muito procurar por cada verso, nos arquivos pessoais, publicações de caráter jornalístico, correspondências preservadas…
Aos poucos, esses vestígios que a sociedade letrada nos faz abandonar, como pegadas do nosso viver, serviram como enigma a ser decifrado por Augusto de Campos. Outros pesquisadores, a partir dessa ressureição, puderam seguir os vestígios deixados por aquela cabeça em chamas. Gilfrancisco, grande literato baiano, foi a sua procura nos arquivos públicos da Bahia e Sergipe e nos traz muitas novidades: textos inéditos e alguns diálogos necessários, para dissipar nuvens obscurantistas que teimam em prejudicar a visão dos brasileiros sobre a arte, a literatura e o amor também.
Magro, ruivo, testa larga e olhos pequenos. Kilkerry tinha um sorriso grande e sincero, que devia vir muito facilmente, e umas mãos que escreviam sobre o amor, sublimado na simbologia, dos astros e da dura lei da natureza. Como é que eu sei? Hoje, ele esteve aqui comigo por algumas horas. Me senti uma adolescente, lembrando do encantamento que me produziram os simbolistas, nefelibáticos; que estavam em contato com os parnasianos, telúricos. Céu e Terra se encontrando na poesia, e eu sigo como testemunha. Alguns literatos os classificaram como decadentes. Pena, vejo que o mundo naturalizou uma frieza que destoa do sentimento do amor e nos mergulha numa relação mecânica e fria com a vida, agravada pelo distanciamento social imposto ou escolhido, nas opções que as redes sociais nos oferecem.
Ainda, Pedro Kilkerry teve algo a acrescentar ao estilo dos simbolistas brasileiros: a modernidade antecipada pela prosa poética. Escreveu poemas sem versificá-los, de forma distinta da poesia submetida à métrica e modelos, por conta do ritmo imposto pelos recursos sintáticos da escrita. Essa aproximação entre poesia e prosa, se atualmente é consagrada, certamente foi um recurso de expressão experimental na década de 1900. Mas, Kilkerry detinha um repertório linguístico e uma versatilidade na escrita que trouxe à sua produção os recursos necessários a essa empreitada intelectual.
Experimentar, abrir-se para o novo, usufruir da arte e da escrita que o mundo oferece. Quem sabe, como no passado afirmou Borges, o paraíso seja um tipo de Biblioteca.
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