GILFRANCISCO [*]

A poesia romântica brasileira ocupou-se de temas nacionais e muitas vezes se deteve numa atitude de escapismo alienado. De conflitos íntimos, frutos de uma visão egocêntrica e de um universo limitado ao “eu”, como acontece com os poetas da primeira geração. Mas em outros momentos ergueu-se contra a conjuntura adversa e teve uma reação de inconformidade e reformismo, cuja geração educada pela literatura de Vitor Hugo (1802-1885), tem horizontes mais amplos, interessando-se não apenas pelo “eu”, mas também pela realidade que o rodeava num processo de universalização. É o que acontece com os poetas da última geração, onde vamos encontrar Castro Alves (1847-1871), Tobias Barreto (1839-1889), José Maria Gomes de Souza, Sousândrade (1833-1902), dentre outros.

O Condoreirismo caracteriza-se por um estilo dramático, pomposo, violento, exclamativo, hiperbólico, recheado de vocativos, interjeições e metáforas. Os escritores desse período faziam da poesia um instrumento de reforma social e usavam-na em duelos poéticos em festas e praças. Castro Alves dizia: A praça é do povo como o céu é do condor. A denominação condoreira é uma referência ao condor, pássaro andino, eleito por Capistrano de Abreu (1853-1927) para representar a nova tendência. Por voar alto, a ave expressava adequadamente os ideais libertários do grupo de poetas da terceira geração romântica brasileira.

Irmão do poeta e dramaturgo Constantino José Gomes de Souza (1825-1877), filho de José Maria Gomes de Souza e D. Maria Joana da Conceição, nasceu em Estância, a 15 de março de 1839, onde fez os estudos primários. Foi a princípio farmacêutico prático e exerceu os cargos públicos de amanuense da Secretaria de Polícia e de escrivão. Abandonando o funcionalismo, fixou residência na Bahia e depois em Minas Gerais, onde viveu a maior parte de sua laboriosa existência, ingressando no magistério e na imprensa.

José Maria Gomes de Souza Foto: Reprodução

Em 1874, retorna mais uma vez à província, sendo nomeado Administrador da Mesa de Rendas de Estância, através do ato de 1º de julho de 1875, cargo do qual foi exonerado dois anos depois. De volta a Minas, José Maria Gomes de Souza faleceu em extrema pobreza, a 29 de novembro de 1894, no distrito de Ressaquinha, município de Barbacena.

Como jornalista colaborou em vários periódicos sergipanos, Sul Sergipe (1870-1871); Tribuna do Povo (1876-1877) ambos de Estância, O Americano (1876-1877) de Aracaju, bem como na Gazeta de Barbacena. (MG) de propriedade de Lino Marques, passa a partir da edição de 7 de agosto de 1884, Redator Chefe. Publica o poema Victor Hugo, na edição especial dedicada ao grande romântico francês, Victor Hugo.

Foto: Reprodução

Publicou dois livros de poesia: Poesias Líricas (Estancianas). Bahia, Typ. De Camilo de Lelis Masson & C. 1868, 106 pp. e Mocidade e Velhice. Rio de Janeiro, Companhia Typographica do Brasil, 1892, 227 pp.

Em fevereiro de 1876, o jornal baiano A Lei, (sob os auspícios do funcionalismo público desta província), Ano I, nº6, publicou um texto bastante significativo para a biografia do poeta Gomes de Souza:

Nascido na bela e poética Estância, bem cedo as brisas da predestinação bafejaram-lhe o berço. Ainda rapaz embarcou-se um belo dia para a corte do Império e seguiu até a província de Minas, essa soberana do Sul, mãe dos com Gracchos que foram os Geronlinos da inconfidência. Voltando anos depois ao ninho natalício trouxe consigo um pequeno volume de versos a que deu o nome de Estancianas.

Ali nessas poucas estrofes escritas sem pretensão, admira-se o arrojo e valentia de inspiração. Escolheu para cantar assuntos épicos, fatos da história antiga e contemporânea, os semideuses da legenda, os heróis da atualidade. Colombo, Henrique Dias, Juarez, Victor Hugo, A batalha de Riachuelo, o Marques de Caxias transpondo o Humaitá, a Estátua Equestre do 1º imperador & c, & c, tais inspirou-se a alma do poeta.

Foto: Reprodução capa do livro Poesias Líricas

No princípio do ano de 1868 apareceu pela primeira vez o periódico político Conservador, órgão do partido deste nome, à frente do qual agrupava-se uma plêiade de moços inteligentes: no meio deles se achava Gomes de Souza. Aqui exibiu-se uma outra face do trabalho do distinto sergipano. Escritor primoroso e arrojado, cheio de vivacidade e opulência, correto e esplêndido, Gomes de Souza foi logo proclamado a melhor pena daquela redação. Em 1871, creio eu, fundou ele na cidade de Estância uma gazeta alheia completamente às lutas políticas, denominada Sul de Sergipe, cuja missão era advogar os interesses daquela importante zona da província. Mal pôde, porém, o talentoso jornalista manter a gazeta, por ventura a mais bem escrita de quantas se tem publicado em Sergipe, mal pôde mantê-la por um ano, no que esgotou ele os pequenos recursos pecuniários de que dispunha.

Ao cabo de algum tempo, em que esteve arredado das lutas jornalísticas, e completamente entregues aos labores de sua profissão, Gomes de Souza foi incumbido pelos amigos da redação de um jornal político, a Tribuna do Povo, órgão de um grupo do partido conservador, que se achou em luta com o então presidente de Sergipe Manoel do Nascimento da Fonseca Galvão.

Vindo no mês de maio deste ano a capital da província e mostrando s. exc. O Dr. Vice-presidente Almeida Sebrão desejos de mudar-se para aí, o honrado administrador, que é o Mecenas da mocidade inteligente de Sergipe, e que, todas as vezes que se acha na direção daquela província, faz-se cercar dos melhores auxiliares; s. exc. Convidou-o para ser oficial de gabinete, em cujo lugar demorou-se apenas dois meses, no fim dos quais foi nomeado inspetor de tesouro providencial.

Gomes de Souza pode ter 31 anos de idade. É naturalmente tímido e modesto. Jamais esperareis dele um orador.

A palavra que lhe sai tão pronta e copiosa derramando-a sobre o papel no fundo do gabinete, cai-lhe dos lábios com dificuldade e timidez.

Na repartição à cuja frente se acha Gomes de Souza é o ídolo de seus empregados. Exercendo entre eles a força moral que dá a superioridade intelectual, amigo sincero dos seus companheiros, adoça com maneiras cavalheirosas e delicadas a distância quem o separa de seus colegas.

Para as comemorações do centenário de morte do poeta estanciano (1894-1994), coube ao pesquisador Jackson da Silva Lima, organização, introdução e notas da 2a edição (ampliada) de Poesias Líricas – Estancianas, publicada em 1995 pela Secretaria de Educação e Cultura. Segundo o organizador, obra épica-lírica; na expressão de Sílvio Romero (1851-1914), de fundamental importância para a literatura sergipana e, em particular, para a história do condoreirismo poético na literatura brasileira.

Foto: Reprodução do livro Poesias Líricas – Estancianas

O referido pesquisador chama nossa atenção para um detalhe curioso e pouco referendado, justificando ser o poeta Gomes de Souza, o precursor do condoreirismo com a publicação de Poesias –Líricas – Estancianas.

Basta atentar-se para a data de sua publicação – 1868: dois anos, portanto, antes de Espumas Flutuantes de Castro Alves, que veio a lume em fins de 1870, e treze antes de Dias e Noites, de Tobias Barreto, que é de 1881.

Apesar de ser Castro Alves o poeta mais representativo do Condoreirismo, a retórica condoreira já está presente em páginas de poetas anteriores como José Maria Gomes de Souza, Tobias Barreto, Bittencourt Sampaio (1836-1895), Franklin Dória (1836-1906), Pedro de Calasans (1836-1874), Barão de Paranapiacaba (1827-1915) e José Bonifácio, o Moço (1827-1886).

Portanto, o nome desse poeta lírico sergipano, está associado à eclosão da poesia condoreira em Sergipe, e a sua difusão entre os conterrâneos na época. Vejamos o poema Colombo, datado de 1857.

Colombo

Da tempestade ao ribombo,

Por um mar revolto e fundo

Surge Cristóvão Colombo

Em busca do novo mundo!

Foi um pensamento ousado,

Foi um projeto arriscado,

Foi uma empresa gigante.

À voz do piloto ingente

Lá vai surgir de repente

Um outro mundo brilhante!

——-

Ousado o barco já trilha

Pelo dorso azul dos mares;

Nas águas enterra a quilha,

Levanta a proa nos ares.

Lutam os mastros e panos

Com os vendavais desumanos

E o lenho, arfando, navega:

O sonhador pertinace

Sente bater-lhe na face

Do vento crespa refega.

——-

Correm as horas e os dias

E o barco lá vai singrando;

Amainam-se as ventanias

E sopra um vento mais brando;

atrevido palinuro

Crava do horizonte escuro

——-

Nas profundezas o olhar.

Onde estás? Ninguém responde;

Cerrada neblina esconde

A canaã de além-mar.

——–

Correm as horas e os dias

E o barco inda os mares frisa;

Sucedem as calmarias

Ao fresco sopro da brisa.

Dessa utopia a verdade

Por aquela imensidade

Desaparece e naufraga!

O sonhador pertinace

Sente o suou pela face

Correr-lhe, baga por baga.

——

E os dias passam correndo,

E o barco lá vai singrando,

E o mar, em cachões fervendo,

Ei-lo com os ventos lutando!

Corre, ó lenho, voa… voa…

Que ainda por tua proa

——–

Somente o vácuo aparece!

Contudo – de pé erguido

O teu piloto atrevido

Ainda não arrefece!

É porque a voz do Senhor

Lhe soa no coração:

– Corre avante, ó sonhador,

Completa a tua missão –

E corre avante Colombo…

De tempestade o ribombo

Emudece no ar!

– Terra! Grita e de repente

Surge o novo continente

Das profundezas do mar!

——-

Como do alto do outeiro

Depois de larga jornada

Contempla alegre o viageiro

Os montes da pátria amada,

Assim Colombo examina

Por trás de espessa neblina

——-

O mundo de que é senhor:

Riscou do lábio iracundo

Do velho absorto mundo

O sorriso zombador!

Estância – 1857.

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Sobre a Tribuna do Povo (1873-1874), cujos membros Redatores estavam ligados ao partido conservador e mesmo assim entraram em choque com o presidente de Sergipe Manoel do Nascimento da Fonseca Galvão, no que deve ter contribuído para sua vida efêmera. Veja o abaixo assinado “Ao público e ao governador da província” (publicado pelo Jornal do Aracaju, 5 de março de 1874) pelos proprietários de engenhos da localidade Chapada, que indignados com um artigo assinado por “Sertório”, acusavam de apropriação de terras. O próprio poeta José Maria publicou nessa gazeta alguns artigos, sendo possível identificar somente dois, que foram localizados em virtude de serem republicados no Jornal do Aracaju, conforme publicamos abaixo:

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O primeiro asilo, o de órfãs e desvalida – Asilo de Nossa Senhora da Pureza, inaugurado no dia 13 de junho de 1874, em Aracaju, sendo seu diretor Dr. Manoel Luiz A. de Araújo. O evento teve início às 10,30 horas, perante grande número de senhoras distintas de todas as classes sem distinção de crença, da nossa sociedade. Uma festa simples e modesta, com presença marcante do presidente da província, o bacharel Antônio dos Passos Miranda, que leu um discurso demonstrando a utilidade da instituição que se inaugurava. Entre as autoridades, se fez presente o vigário geral José Gonçalves Barroso, que celebrou uma missa no encerramento das celebrações. Vejamos os artigos escritos pelo poeta estanciano José Maria Gomes de Souza.

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TRANSCRIPÇÃO

O asylo de orphans – I

Qui donne aux pauvres prête à Dieu. [Quem dá aos pobres empresta à Deus]

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As cruzadas do novo século são incruentas e parilicas.

Nada mais de extermínio, porque a batalha é dada ao exterminado, sob a dupla face da ignorância e da miséria.

Dar a luz ao espírito e pão à matéria – tal é o scôpo a que pretende chegar a espírito reformador do século.

Sacudir a ignorância e a fome do lar que não tem luz nem pão –; divorciar a prostituição e a pobreza, a miséria e a orfandade — : substituir pelo trabalho a ociosidade – que victória esplêndida, que conquista admirável !

O mundo marcha – a civilização inunda a face da terra de uma luz abundante, a humanidade estrada para o melhor, as sociedades se debruçam sobre as profundidades sombrias do porvir e advinham auroras esplendidas, dias luminosos, sem crepúsculos, sem anoitecer.

Já se calaram os oprimidos, os hymnos impertinentes em honra das vitórias ensanguentadas: Sadowa é um atentado formidáveis aspirações do século, a voz do canhão é um rugido selvagem que traz o erro de vinte séculos, traz — da infância sombria do gênero humano!

A civilização repele de seo seio, como a monstros informes, esses gigantes de ferro que levaram o extermínio do extremo oriente até os últimos confins do ocidente e plantaram a cruz da redempção em cima de crâneos despedaçados, em cima de montões de cadáveres. Já não se impõe a fé pela lógica do morticínio — nem são mais heróis esses formidáveis athletas do pugilato de guerra.

Os soberbos galeões que iam disputar, ao través das tempestades, dos Adamastores a Índia, do Athlantico a América, voltam carregados não de aventureiros arrancados às masmorras onde espiavam seus crimes, mas de operários inteligentes – enthusiastas sacerdotes do trabalho.

A cruzada é outra, cruzada que mobilisa, porque tem fim ao aperfeiçoamento do gênero humano.

Encurtar as distâncias, roubar as asas ao tempo e pol-as ao serviço da creatura: creare fulmini cielo [criar um raio do céu] e dal-o como vehiculo do pensamento, como o mensageiro das ideias ao talvez do incomensurável; erguer das trevas o espírito humano e torna-lo bom à força de iluminal-o: chamar todas as classes ao banquete da instrução moral, reservada outr’ora a bem poucos: suavizar a miséria, disputar a mulher, a mais linda pérola da creação, as garras da prostituição — a mais infame das fraquezas humanas: estender a mão paternal ao orphão que a devassidão atirou nas calçadas sem berço e sem carinhos; quebrar ao rego metade de sua escuridão: taes são as magnas conquistas do grande século.

Aspirações são essas, alegra-nos o disel-o, que no Brazil vão já em mais de meio de sua realisação, graças ao patriotismo do actual gabinete, o mais fecundo de quantos tem presidido aos destinos do paiz, desde a sua emancipação.

A instrucção pública derramada copiosamente por todos os cantos do império, a liberdade outorgada aos filhos da mulher escrava – cabeça de esphinge que não encontrava um O Edippo, prenunciam que no nosso paiz os grandes problemas, que tendem a melhorar a face as hodiernas sociedades, não esperarão longo tempo a sua solução.

Delegado deste governo, executor intelligente do pensamento dele, o actual administrador da província quer deixar em Sergipe, com a fundação do Asylo de Órphans, um monumento indelével de sua administração.

Ao apelo feito por s. exc. aos sentimentos philantrópicos da população – correspondem todos diariamente com donativos que, petit á petit [pouco a pouco], se convertem em grossos capitaes, que hão de tornar u’a na realidade surprehendente a magnânima ideia.

Enthusiasta ardente de tudo que é bello e nobre; que, mais de uma vez, temos erguido a nossa débil voz a favor das classes desvalidas – mortas de fome e de sede de luz – pedindo para ellas trabalho e instrucção, não podemos deixar de aqui consignar um louvor a idea altamente humanitária da creação de um Asylo de Orphans – a que está ligado o nome do exm. dr. Passos Miranda – seu iniciador.

Assunto de tal magnitude nos merece mais de um artigo na imprensa hebdomadária.

Voltaremos.

14 de junho de 1874

G. de Souza

(Da Tribuna do Povo)

(Publicado originalmente na Tribuna do Povo (Estancia), republicado no Jornal do Aracaju, Ano V, nº 493, 18 de junho de 1874)

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O asylo de orphãs – II

Qui donne aux pauvres prête à Dieu. [Quem dá aos pobres empresta à Deus]

Victor Hugo

Orphã !

Palavra sombria que encerra um poema de sofrimentos, de agonia e de lágrimas!

Ser orphã – é ter as costas voltadas para o sol, para a felicidade, para as alegrias e prazeres; é caminhar de frente para o desconhecido que encobre despenhadeiros vertiginosos, onde fica-se preso pelas garras formidáveis da fatalidade!

Ser orphã – é não ter um tecto para abrigar-se, não sentir um aperto de mão amorável, nem o calor de um ósculo amigo – arrastada sempre pela tempestade ao travez de todas as vicissitudes, sorvendo o cálix de todas as agonias terrestres!

Ser orphã – é está fora da comunhão dos homens, sentir fechadas todas as portas, como todos os corações: só – sempre só, como a flor do deserto batida pelos vendavaes, como avesinha, buscando debalde um pouso por cima dos mares, como a estrela desaparecendo pouco e pouco nas faces de uma nuvem !

ORPHÃ !

Sem uma mão protetora que lhe encaminhe os passos na vida, sem uma voz amiga que lhe implante n’alma os sãos princípios da virtude — o que será dessa criancinha toda coberta de andrajos – pálida e franzina, com um círculo lívido ao redor dos olhos azues cheios de tristeza e de lágrimas, esmolando a caridade pública, que bem poucas vezes lhe atira com um pedaço de pão duro?!

Aí! A sua história será sempre a mesma história triste, cheia de miséria e horrores, que começa pela mendicidade e termina quase sempre pela prostituição !

Bem feliz aquella que, depois de desfeitas as rosas da mocidade encontra, como Magdalena, os braços da cruz para se amparar e lavar com lágrimas de arrependimentos as nodas de seu passado !

ORPHAN !

É caminhar pela encosta de um abismo, com os olhos vendados, sem ter um ponto de apoio onde coloque a mão, durante a descida vertiginosa !

Que cousa horrível que é esse aniquilamento moral, essa immersão permanente de uma alma nas trevas da ignorância!

E entretanto é esta a história verídica de todos esses entes infelizes e débeis que a sociedade ahi vê passar tantas vezes diante si, como as visões de um sonho agitado!

Pobres crianças !

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O Asylo de Orphans é a providência que estende a mão protetora à essas criancinhas sem pae nem mãe; sem berço e sem tecto, que terão de ver despedaçar-se nessa escolha terrível, chamada orphandade, todos os sorrisos da infância, todas as ilusões e doces esperanças da mocidade, a paz e o remanso dos cabelos brancos !

Abençoadas sejam sempre as ideias das quais resulta crescente diminuição de sofrimentos à humanidade.

A ignorância é uma escravidão. Nessa penumbra que nem é berço nem tumulo, presa a essa algema de tretas, o bem so é possível a bondade, que é clarão, ahi passar instantes, o bom tornar-se mao, e o mao ainda pior. Dahi o pendor que se observa mais tenebroso para as paixões desordenadas, para a perversidade e, para o crime.

Não se é bom sem um raio de luz a correr-se pelos esconderijos d’alma!

Ajuntai a esse prisioneiro da sombra, espécie de bugalha desesperada, as torturas horríveis da fome e tereis a obra mais perfeita do Criador, cahida do nível que o todo Poderoso traçou ao homem – feita a sua imagem.

Quebrar essa corrente abjeta, libertar a sina da prisão abominável, enchel-a de luz voltando-a para o oriente; implantar-lhe as sementes da sã moral, trasel-a para dentro do seio da sociedade, donde estava proscrita, estuda-la, rega-la dos orvalhos vivificadores da virtude, torna-la boa — aperfeiçoa-la; tal é o fim da bella instituição ao que acaba de ser inaugurada no dia 13 do corrente, por iniciativa de s. exc. O Snr. Dr. Passos Miranda.

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A mulher, mais do que o homem, é propensa a charidade. O seu coração é formado de meiguice e de ternura, essas duas suaves manifestações da charidade, na qual pôs Deus os pôs para baixar à terra….

Ó vós, que sois os anjos estellares do homem sobre a terra – a mãe, a esposa, filha, irmã! – vós que só sabeis sentir e amar, sabereis avaliar quanto é triste e sombria a infância não bafejada dos carinhos, dos cuidados, da consolações, das alegrias e dos beijos de uma mãe! Vós que sois compassivas, que sois meigas, que sois ternas – Anjos! – tomae debaixo de vossas asas o asylo das orphans desvalidas ! Sede para essas criancinhas deserdadas, sede-lhes mãe, irmã!

Amae-as, protegei-as, sorri-lhes!

Dai-lhes metade de vosso sol, de vossa felicidade, metade de vosso paraíso, qui donne aux pauvres prête à Dieu !

G. de Souza

Publicado originalmente na Tribuna do Povo (Estância), republicado no Jornal do Aracaju, Ano V, nº 497, 02 de julho, 1874, p. 2.

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[*] É Jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com