GILFRANCISCO [*]
Comecei a recolher os artigos de Sinval Palmeira publicados na imprensa sergipana, a partir de 1933 quando dá inicio a sua trajetória de jornalista, se entendendo até 1935 em diversos jornais da província: Diário da Tarde, Correio de Aracaju, A República, O Estado de Sergipe, Folha Popular, Almanack de Sergipe. Pretendia com todo esse material organizar um livro, para mostrar aos novos estudiosos sergipanos, parte da sua crítica literária produzida pelo jovem acadêmico simão-diense.
Nascido em 18 de novembro de 1913, em Simão Dias (SE), era filho de Josepha Ribeiro Vieira e Odilon Palmeira Vieira, membro da maçonaria, atuou como advogado (provisionado) da 2ª Comarca, com sede em Propriá, onde foi orador oficial da Sociedade Recreativa 24 de Outubro. Sinval chegou a ocupar a função de Promotor Público e Procurador do Estado, em Sergipe. O casal teve quatro filhos: Esther Vieira Nogueira, Sinval Palmeira Vieira, Maria Helena Palmeira Bauchwitz, que adquiriu voluntariamente, a nacionalidade norte-americana em novembro de 1926 e Maria de Lourdes Palmeira que faleceu aos 19 anos a 3 de outubro de 1935.
No inicio do ano de 1935, Sinval Palmeira era constantemente solicitado para proferir palestras sobre variados temas. Por exemplo, a de janeiro onde se juntou com mais dois amigos, José Calasans (1915-2001) e Garcia Moreno (1910-1976) no salão do clube social fundado em 1916, Recreio Club, que funcionou na rua da frente e depois na Praça Olímpio Campos. Esses três jovens intelectuais, talentosos moços sergipanos eram constantemente aplaudidos pelo público ouvinte. Nesse evento Calasans fala sobre “De Sangue Del Rey a graça infinda”; Garcia ficou com o tema “Biologia e feminismo” e Sinval Palmeira “Sergipe bem contribuinte”.
Muito jovem Sinval Palmeira vai estudar na Bahia, matriculando-se na Faculdade de Direito da Bahia, tendo concluído o curso de Direito no ano de 1935. Na Faculdade conhece a colega Maria de Lourdes Borges com quem veio a se casar e ter três filhos: Fred, Vera e Betes.
Dois Jovens
Seu colega de curso, José Calasans Brandão da Silva, em artigo publicado em 1935, intitulado Dois Jovens, comenta a participação de dois intelectuais de Sergipe modernos, Sinval Palmeira e Mário Cabral (1914-2008). Diz o historiador sergipano:
Sinval tem espírito reformista, vive preocupado com as reformas, com as transformações, com as modificações (…) Sinval é orador. Tem palavra fácil, elegância na tribuna, verve, gestos que agradam. (…) Ao Sinval agradara, certamente, ávida agitada do advogado. (…) Sinval quer ir bem longe, deseja avançar muito, tem a volúpia de chegar muito além. (…) Sinval fala do equilíbrio interior. É imensamente agradável ouvi-lo, doutrinando o assunto. Mas, de instante a instante, ei-lo desequilibrado interiormente. (…)
E sobre ambos Calasans conclui o artigo:
Dois temperamentos diversos, duas organizações diferentes. Só uma coisa eles têm igualmente apenas existe um ponto de contato entre eles. É que ambos possuem talento. 1
Capital Federal
Após conclusão do curso de Direito, transfere-se para o Rio de Janeiro, onde exerce a advocacia em seu escritório e passa no concurso do IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários onde exerceu a função de procurador, sendo demitido pelo golpe civil e militar de 1964 através do AI 1 (Ato Institucional nº1. (D. O.
06.10.1964) e suspensão dos direitos políticos (D. O. 14.04.1964). Entre 1936 a 1982 desempenha atividades profissionais como advogado defendendo operários, presos políticos e sindicalistas oprimidos pelos governos ditatoriais, sem receber qualquer remuneração. Defendeu muitos perseguidos políticos famosos como Carlos Prestes e outros ligados ao Partido Comunista e passa a figurar entre os membros do Conselho da Associação Internacional de Juristas Democráticos.
Eleito Deputado Estadual em 1962 pelo Partido Social Trabalhista – PST, com 8.938 votos pelo antigo Estado da Guanabara, cujo mandato foi cassado dois anos depois. Em 1986 candidata-se ao governo do Estado do Rio de Janeiro, pelo Partido Socialista Brasileiro, tendo como vice Rachel Gutierrez. Em 1989 quando o casal Sinval e Maria completou 50 anos de união, familiares prestaram-lhe homenagem realizando uma festa das Bodas de Ouro, tendo como resultado a produção de um vídeo pela Aurora Cinematográfica de aproximadamente 6 minutos, com imagens da festa e do final da campanha para Governador em 1986.
Sinval Palmeira faleceu em 26 de março de 1993, aos oitenta anos e o seu corpo foi sepultado no piso da Capelinha de Santo Antônio da Fazenda Cabana da Ponte.
O Partido Comunista
O militante Sinval Palmeira, incansável defensor das questões comunistas, em 1954 requereu, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, a revisão da decisão que cassou o registro do Partido Comunista, no Governo do Presidente Dutra. Defendendo os interesses comunistas, o advogado Sinval Palmeira mostra, em primeiro lugar, mais uma vez, como os comunistas olham a sua existência legal do quadro dos partidos como algo de grandemente vantajoso.
Em 1946, quando todo o país se agitou, e uma pergunta se fazia: – deve ou não ser cassado o registro ao partido comunista? Alguns houve bem-intencionados, que julgavam ser mais vantajoso para a democracia que o PCB agisse às claras, legalmente, em vez de agir na sombra da ilegalidade. O país aguardava o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça Eleitoral através do Ministro Edgar Costa e Presidente deste Tribunal a distribuição dos autos para sorteio. Vejamos o despacho do Ministro sobre o pedido de revisão da cassação do PCB:
– Posto falte ao signatário da petição de fls. 2 qualidade par requerer em nome do Partido Comunista do Brasil, sob a alegação de ter sido seu delegado perante este Tribunal, por isso que não tem hoje aquele Partido personalidade jurídica, que perdeu, ex-vi do art. 149 do Código Eleitoral, com o cancelamento do seu registro, não podendo, assim fazer-se representar por quem quer que seja; e ainda porque a revisão que pleiteia da Resolução nº 1.941 de 1947, que decretou aquele cancelamento, é recurso não conhecido na legislação eleitoral – deixo, entretanto, de indeferir in limine à mesma petição atendendo a que de tal despacho não cabendo recurso para o Tribunal, subtrairia do seu conhecimento o pedido, que deverá ser ele melhor examinado e afinal decidido, para que à sua decisão se
empreste a autoridade de norma a ser observada em casos análogos. Voltem assim, os autos à conclusão, para sorteio do relator. 2
Amor e Paixão
Vejamos o depoimento de Maria de Lourdes Borges Palmeira (Liuba), sobre onde e quando o conheceu:
Segundo depoimento de Liuba diz que o conheceu: “na Faculdade de Direito da Bahia conheci o meu marido, Sinval Palmeira, eu cursava o primeiro ano e ele o quarto. Ele era de Sergipe e tinha estudado em Salvador”. Quando concluiu o curso em 1935, continua “Sinval veio morar no Rio. Eu fiquei em Salvador concluindo o meu curso. Quando me formei ele foi para Salvador, nos casamos e viemos morar no Rio. Ele já trabalhava no IAPI e abriu um escritório para advogar. Aos poucos, foram surgindo os clientes”. (…) “Não me interessei em trabalhar no escritório, com Sinval. Por um motivo muito simples: quando eu entrei na faculdade, senti que não tinha vocação. Estudei direito porque meu pai tinha vontade de ter um filho advogado. Quando conheci Sinval, eu pensei pronto, este vai ser o filho formado em direito que meu pai precisa. Meu marido era um líder, um homem brilhante e muito culto”.
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2 A Cruzada. Aracaju, Ano XVIV, nº 843, 27 de março de 1954.
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Quando o estanciano Coronel João Borges da Rocha Neto (08.05.1885-20.01.1961), seu sogro faleceu, Sinval Palmeira, deputado cassado pelos militares em 1964, assumiu a administração da empresa Cabana da Ponte Agropecuária Ltda, localizada no Sudeste da Bahia, na cidade de Itororó. A partir de 1973, Sinval Palmeira (sucessor) incorporando todo o patrimônio construído por Borges da Rocha Neto, introduz muitas inovações, como a Central de Inseminação Artificial, com sêmen de touros de ato nível e tornou-se um expert na criação de gado (os rebanhos bovinos e de bubalinos da Cabana da Ponte ganham muitos prêmios em exposições). Sinval importou PO da Inglaterra, da Itália, Holanda e dos Estados Unidos para desenvolver a pecuária na região.
Em 1979, Sinval Palmeira esteve em Aracaju participando do I encontro de Médicos Veterinários do Nordeste (7 a 9 de novembro), realizado pela Somevesa. Época em que já se dedicava as atividades agrícolas e passou totalmente despercebido dos repórteres. Conseguir essa informação casualmente, através de uma foto de Sinval onde registrava a sua presença nesse evento, através da legenda da foto.
O Imperador Chinês
A trajetória de Alsin-Giori Pu Yi (1906-1967), oficialmente como imperador Xuantong último imperador chinês imperial da Dinastia Qing. De 1908 até sua abdicação forçada em 1912 devido à Revolução Xinhai, no entanto foi permitido a Pu Yi continuar morando na Cidade Proibida, a sede imperial. Em 1917, com a tentativa de restauração da monarquia Pu Yi foi colocado novamente no trono, onde permaneceu por doze dias. Em 1924 quando as tropas do Kuomintang ocuparam Pequim, Pu Yi se refugiou na embaixada do Japão. Quando os japoneses ocuparam a Manchúria em 1931, Pu Yi ocupou o trono entre 1934 a 1945.
Após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, a Manchuria foi devolvida aos chineses e Pu Yi capturado pelos soviéticos e deportado com toda a sua família para a Sibéria. Com a vitória comunista em 1949, liderada por Mao Tse-tung, Pu Yi é entregue a China e vive em um período para reeducação na China até 1959, ano no qual passa a ter uma vida comum em Pequim trabalhando como jardineiro no jardim botânico da cidade, e depois, como bibliotecário. Toda essa história foi transferida para o filme (Ítalo Franco) O Último Imperador, dirigido por Bernard Bertolucci em 1987.
Em 1961, Sinval Palmeira Vieira encontrava-se na China Comunista e teve a grande oportunidade de entrevistar o ultimo imperador chinês.
Pequim
Quem imaginava ser possível falar com um ex-imperador, num país socialista, vivendo como qualquer cidadão, cuidando de suas plantas no Jardim Botânico da Academia de Ciências? Pois essa é a história de Pu Yi, último imperador chinês da dinastia Tchen. Homem de 54 anos, na melhor saúde, risonho, vestindo a blusa azul dos chineses, nos contou a história fantástica de sua vida. Foi imperador dos 3 aos 6 anos, sob o domínio da velha imperatriz Tson-Si, a mulher mais poderosa e despótica que a China conhecera. Era servido por mais de mil eunocos e mais de três mil serviram à velha imperatriz. Viveu no Palácio Imperial até os dezenove anos, sem conhecer a cidade de Pequim, onde nasceu. Só viu as ruas e parques dessa cidade única, quando passou a ser o simples cidadão Pu Yi.
Foi educado e dominou como um deus, um Buda vivo, descendia da deusa Fu-Ku-Lan, que, ao banhar-se nua no rio, comeu um fruto vermelho que lhe trouxera um pássaro. E desse fruto proibido, num encontro bucólico entre deusas e pássaros, nasceu o primeiro imperador Tchin. Como Buda vivo, só prestava contas ao próprio deus em colóquios no Templo do Céu, hoje belíssimo parque aberto a todos os mortais. Mesmo depois de destronado continuou cercado dos cortesãos e altos funcionários, todos acumpliciados com o militarismo japonês. Convencido por eles que se travava contra sua vida, pediu asilo na embaixada do Japão, passando, nesse dia, a ser uma peça do plano nipônico de domínio e exploração da China. Durante sete anos viveu em Tien Tsin, nas concessões japonesas, onde foi preparada para o triste papel de imperador títere, tarefa que desempenhou a contento dos senhores, durante a ocupação japonesa do noroeste da China.
Os exércitos soviéticos ao invadirem a Manchúria o fizeram prisioneiro de guerra e nessa condição viveu na URSS cinco anos. Afligia-lhe a ideia de voltar à China e enfrentar um julgamento por seus crimes; por isso, três vezes escreveu a Stalin pedindo para viver na União Soviética. Em 1950, com outros prisioneiros de guerra foi entregue ao Governo de Pequim. Que lhe esperava na China? Prestou-se à restauração monárquica na China republicana, ligou-se aos agressores de seu país e a esses serviu na guerra, massacrando seu próprio povo, durante quatorze anos. Mais alto jamais atingiu delito de alta traição. Os chineses, no entanto, trataram-no com clemência, em lugar de fuzilá-lo mantiveram-no em campo de reeducação de prisioneiros de guerra e o transformaram no pacato senhor Pu Yi. Durante sua detenção, mostraram-lhe o mundo turvo em que vivera, destruíram-lhe os muito mandchus, fizeram-no ver as grandes obras em construção, as paradas cívicas, o povo alimentado e feliz; aquele mesmo povo que ele oprimira e que vivia esfarrapado e s alimentando de bolotas de carvalho. Revelaram-lhe a nova vida, criada e criadora, o novo mundo despontando como o sol, para aquecer e iluminar a todos. O último imperador Tchin, filho de uma deusa e deus ele próprio, se transformava no cidadão Pu Yi, trabalhador do Jardim Botânico da academia de Ciências e que, pela primeira vez, segundo nos disse, sente-se livre e seguro, dorme sem receio de atentado e passeia pelas ruas de sua bela cidade que só agora conhece e ama. As pessoas o saúdam como um homem da nova China e ele se confunde na multidão, feliz homem do povo, do grande povo chinês.
Está escrevendo suas memórias?
O encontro com esse último imperador mandchu, no falando do socialismo, deixa claro a excelência da filosofia penal chinesa: conjugar a pena com a clemência visando à recuperação do delinquente. O criminoso é criatura que reage em circunstâncias determinadas, movidas por motivos que por vezes lhe são estranhas. Em novas condições e com motivações diversas, pode vir a ser um cidadão útil. Tinha razão Tobias Barreto quando combatendo a teoria do criminoso nata, sustentava que se por um processo de seleção se pode modificar a cor da plumagem de uma ave, com maior razão, o caráter do homem.
O cidadão Pu Yi funcionário do Jardim Botânico da Academia de Ciências sorri tranquilo, fumando seu cigarro e contando seu conto de fadas. Nenhum homem, por certo, até hoje, percorreu a gama emocional de Pu Yi. De imperador criança, dominado pela imperatriz Tson-Si, a imperador fantoche do militarismo japonês. De prisioneiro de guerra, réu de alta traição a pacato cidadão de Pequim, em seu blusão azul e seu boné preto, falando da nova China e do socialismo como se houvesse ajudado a edificação da primeira comuna popular.3
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3 Folha Popular. Aracaju, Ano VIII, nº312, 11 de março de 1961.
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[*] É jornalista e professor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com
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