GILFRANCISCO: jornalista, professor universitário, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Associação Sergipana de Imprensa – ASI, do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS. Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com

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O ataque do Hamas lançado na madrugada de sábado (7 de outubro, 2023), representou a maior e mais mortal incursão contra Israel desde que o Egito e a Síria lançaram um ataque repentino em um esforço para recuperar o território tomado por Israel na guerra do Yom Kippur, há 50 anos. Temos informações que na manhã de domingo, Israel atacou os Palestinos em Gaza, atingindo blocos residenciais, tuneis e mesquitas, matando mais de 300 pessoas. O sanguinário primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, promete vingar, com novos ataques aéreos. O artigo abaixo, foi publicado no Jornal da Cidade. Aracaju, 14/15 de março, 2006 e republicado em livro – Áreas de Conflitos e Mistérios. Edições GFS, coleção BASE – 9, 2021.

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O grupo nacionalista Hamas, vencedor nas eleições de 26 de janeiro, continua protagonizando uma série de manifestações na Faixa de Gaza, queimando carros e atirando para o ar, exigindo a renúncia imediata de alguns líderes históricos corruptos partidários do Fatah e a não aliança com o Hamas para integrar o novo governo palestino. Na Cisjordânia a situação está mais calma, mas a tensão é grande entre os dois grupos na Faixa de Gaza, uma das áreas mais pobres do Oriente, onde os palestinos lutam para superar as dificuldades e reconstruir a vida em seu próprio país. Nessa encruzilhada de povos, conhece alguns dos grandes impérios da história humana: persas, gregos, romanos, bizantinos, árabes, mongóis e turcos já dominaram a região.

E foi também nessas terras áridas, propícias à inspiração mística, que nasceram as três grandes religiões monoteístas — o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Portanto, considerando todos os ódios e as injustiças ainda existentes no Oriente Médio, não bastam apenas os acordos diplomáticos.

Será preciso também superar os ressentimentos acumulados durante séculos.

Antecedentes

Os filisteus era um dos mais poderosos inimigos de Israel. Eles não eram nativos da terra de Canaã. Textos antigos referem-se aos filisteus como um dos “povos do mar” que tentaram invadir o Egito, Canaã e Síria mais ou menos por volta da época em que Israel saiu do Egito. Eles destruíram e capturaram cidades de muitos países, mas não foram insuficientemente fortes para derrotar o Egito. Em Canaã conseguiram se estabelecer ao longo da costa. Os filisteus que chegaram pelo mar a Canaã organizaram-se em cinco cidades-estados semelhantes às dos cananeus: Gaza, Asquelom, Azot, Acarom e Get. Portanto, os filisteus se tornaram um dos povos mais poderosos, onde os israelitas queriam se estabelecer. Mas, a menos que abrissem mão da tarefa que Deus lhe confiara, os israelitas não conseguiram aceitar o modo de vida dos filisteus.

Longe de se preocuparem com a justiça, os reis filisteus eram verdadeiros tiranos, e a vida das pessoas comuns que viviam em seus reinos devia ser muito sofrida. Na época dos juízes, um homem chamado Changar lutou contra os filisteus. O mesmo fez Sansão. Mas os filisteus eram inimigos ainda mais poderosos que os cananeus. Só mais tarde, nos dias de Saul e Davi, é que os filisteus puderam ser finalmente vencidos. A bíblia menciona os nomes de três deus filisteus: Dagão, cujo templo ficava em Gaza e Azot; Baalzebul, que era adorado em Acarom, e Astoret. Dagão era um deus que possuía chifres. Baalzebul significa o príncipe Baal (o deus da tempestade), e Astoret era equivalente a Astarte, a deusa Cananéia do amor, cultuavam seus deuses da mesma forma que os cananeus.

Irmandade Muçulmana

Movimento político-religioso sunita, a Irmandade defende num regime islâmico conforme a chari’a e preconiza a solidariedade de todos os muçulmanos do mundo. Fundado no Egito em 1928, por Hassan al Banná (1906-1949), o movimento expandiu-se nos anos 40 na Palestina, na Transjordânia e na Síria. Organizou no Egito, a partir de 1942, unidades armadas secretas que participaram da guerra árabe-israelense de 1948, depois da guerrilha antibritânica no Canal, em 1951-1952. A Irmandade Muçulmana apoiou o Golpe de Estado dos Oficiais Livres (1952), mas opôs-se ao poder absoluto de Nasser (1954), que aprisionou seus membros e condenou muitos militantes à morte em 1954 e 1966. Os membros que sobraram, libertados em 1971-1973, reorganizaram-se. Grupos extremistas, tais como Takfir wa hidjra, Djihad, Libertação Islâmica, separaram-se do movimento e iniciaram ações violentas, particularmente em 1974, 1977 e 1981 (assassinato de Sadát). Na Síria, da mesma forma, uma frente dirigida pela Irmandade Muçulmana iniciou uma luta violenta contra o regime baasista.

O islamismo político, tal como foi encamado pela irmandade, será o vencedor provisório da luta pelo legado islâmico do extinto califado otomano. Seu movimento, que já se denominou de “neo-islã” — pois nasceu de uma situação histórica sem precedentes —, impõe-se como herdeiro da legitimidade e da autenticidade. Auxiliado por um programa simples e forte e também pelas circunstâncias, o movimento cresce rapidamente. A Irmandade Muçulmana também deve seus primeiros sucessos às técnicas de mobilização que a aproximam das ideologias do século XX: recorrendo à militância de massa, ela adota logo de saída uma estrutura de hierarquia rígida. Seus prosélitos seguem o percurso de um combatente — passando de irmãos associados e afiliados, ativos e por fins combatentes — segundo as etapas do jihad.

“O primeiro grau da Guerra Santa consiste em expulsar o mal de seu próprio coração; o grau mais elevado é a luta armada pela causa de Deus. Os graus intermediários são o combate pela palavra, pela pena, pela mão e pela palavra da verdade que dirigimos às autoridades injustas. Nosso movimento de apostolado vive apenas pelo combate”, exclama o chefe religioso Banná.

Por outro lado, numa estratégia em longo prazo de penetração no tecido social, os irmãos criam nas cidades e nos bairros uma rede de centros de formação e de auxílio mútuo. Com a caída em descrédito do Wafd, a Irmandade Muçulmana torna-se o principal movimento de massa egípcio: no início dos anos 50, aproveitando-se da deterioração da vida política egípcia e da emoção provocada pela guerra da Palestina, os Irmãos contam com quase dois milhões de membros.

Estado de Israel

No fim da II Guerra Mundial, o mundo descobriu horrorizado o genocídio dos judeus nos campos de extermínios nazistas. Este fato tornou mais dramáticas as aspirações do povo judeu a um país próprio. Em 1942, os líderes sionistas, reunidos em Nova York sob a direção de David Bem Gurion (1886-1973), presidente da Agência judaica, haviam firmado a disposição de fundar um Estado independente na Palestina. Entretanto, a Grã-Bretanha, mais do que nunca ansiosa por obter a amizade dos árabes, manteve sua política de bloquear a imigração.

Em 29 de novembro de 1947 foi aprovado pela ONU, através da Assembleia Geral — presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha —, um plano de partilha que previa a criação de dois Estados, um judeu e outro árabe, e a internacionalização de Jerusalém sob o controle da ONU. Jerusalém ficou dividida em dois setores. Os bairros ocidentais foram ocupados por Israel, que não reconheceu a internacionalização, e a Cidade Velha, na parte oriental, passou para a Jordânia. Essa partilha foi aceita pelos sionistas e rejeitada pelos árabes. Com a criação do Estado de Israel em 14 de maio de 1948, centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas terras e lares, iniciando uma diáspora pelo Oriente Médio e mundo afora. Essa situação levou muitos jovens palestinos a abarcarem com entusiasmo o pan-arabismo de Gamal Abdel Nasser (1918-1970), florescente nos anos 50. Entre esses jovens estava Yasser Arafat, um engenheiro civil que completou sua educação no Egito e era membro da Irmandade Muçulmana.

O nacionalismo de feições ocidentais de Nasser e a radicalização da luta dos palestinos para obter seu próprio Estado deram uma característica única ao movimento palestino. Fizeram com que desde sua origem, a OLP tivesse uma vocação acentuadamente laica, embora a maioria de seus membros fosse muçulmana. A OLP preconizava a jihad contra Israel, colocando entre seus objetivos a reconquista total de Jerusalém e dos lugares sagrados do Islã. Ao mesmo tempo, porém, desenvolvia um programa político de tendência socialista, que refletia sua aproximação com a extinta União Soviética. Após a proclamação do Estado de Israel, os Estados da Liga Árabe entraram em guerra contra o novo Estado, ao fim da qual, em 1949, o Estado judeu expandiu-se para além dos limites que o plano de partilha lhe havia designado; o Estado árabe (Palestina) ficou diminuído e repartido em dois: a Cisjordânia, que em 1950 foi integrada ao reino hachemita da Jordânia, e o Território de Gaza, administrado pelo Egito a partir de 1948.

Resistência Palestina

A reação palestina aumentou após a invasão do Líbano através do movimento chamado “Intifada”, resistência ao domínio israelense promovida principalmente pela população civil das áreas ocupadas por Israel. Alguns modos de realizar uma “Intifada” são: com a recusa dos civis em colaborar com os judeus, com pedradas e sabotagens às organizações israelenses, com greves e outras formas, pacíficas ou não, de enfrentar o inimigo. Grupos mais radicais de palestinos optaram também pelo caminho do terrorismo, especialmente contra Israel e seus aliados. A vida e a propriedade de cidadãos israelenses em todo o mundo passaram a conviver com a eterna perspectiva de atentados. Fundada em 1964 no Cairo, a mais importante organização da Resistência, OLP – Organização para a Libertação da Palestina, acabaria por incorporar a maioria das organizações e movimentos surgidos antes dela. As origens da OLP podem ser localizadas na militância de estudantes palestinos radicados no Cairo e em Beirute. Para muitos deles, os governos árabes não pareciam ter como prioridade a reconquista da Palestina, tal como definida pela partilha de 1947. Quando os palestinos manifestavam essa preocupação, as respostas eram inexpressivas e desestimulantes.

As ações iniciais desses militantes caracterizavam-se pelo protesto contra a ocupação israelense e pela repulsa aos trabalhos assistenciais da ONU. Foi assim que surgiram grupos guerrilheiros com ações pouco organizadas. Tendo como alvo instalações militares em Israel, agiram a partir de Gaza, da Cisjordânia e da Síria. Já no início dos anos 50, estudantes palestinos da Universidade Americana de Beirute tinham procurado se organizar clandestinamente e feito manifestações contra o Estado de Israel, por meio de revistas e panfletos. A relação da OLP com atos terroristas é ambígua.

Líderes mais moderados, como Yasser Arafat, passaram a afirmar publicamente na década de 70 a condenação do terrorismo como forma de combate. Por outro lado, tanto Israel como os EUA identificam Arafat e a OLP como agentes terroristas. A existência de grupos variados dentro da OLP torna ainda mais difícil afirmar algo objetivo sobre esse tema.

Arafat e a Fatah

Aquele que seria o mais importante grupo político-militar palestino recebeu o nome de Al Fatah (a vitória ou a conquista). Fatah é uma palavra composta pelas iniciais em árabe, invertidas (anagrama), de harakat al tahrir AL watani al falestin — Movimento para a Libertação Nacional da Palestina. Lidas na ordem correta, as iniciais formam a palavra hataf, “morte”. Essa facção seria sempre majoritária no conjunto do movimento de resistência palestina. A Fatah começou a tomar corpo entre 1956 a 1959, manifestando-se inicialmente em Beirute e Gaza, por estudantes palestinos da Universidade Americana de Beirute que tinham procurado se organizar clandestinamente e feito manifestações contra o Estado de Israel, por meio de documentos, panfletos e revistas. Yasser Arafat, que seria o maior líder da Fatah, é um palestino de Jerusalém. Criado numa família politizada, aos quinze anos já estava envolvido com o grupo “Irmandade Muçulmana”. A guerra de 1948 obrigou-o a fugir para Gaza. Depois ele estudou engenharia civil no Cairo, onde foi presidente da Federação dos Estudantes Palestinos. Formado, chegou a trabalhar como empreiteiro no Kuwait. Combateu os britânicos e os franceses na guerra de Suez, em 1956.

Yasser Arafat foi um dos grandes líderes da resistência palestina, tornou-se o símbolo vivo da luta pelo retorno à pátria. De combatente clandestino a chefe máximo do Estado palestino, ele deixou seu nome registrado na história de seu povo. Há um fato inegável em relação à OLP: Arafat conseguiu dar à organização uma presença quase oficial em muitos lugares do mundo. Em 1973, a Conferência de Cúpula Árabe reconheceu a OLP como a única representante do povo palestino. Em dezembro do ano seguinte Arafat foi recebido na ONU com honras de chefe de Estado e, ao llongo da década de 70, a OLP abriu vários escritórios diplomáticos, inclusive no Brasil. Usando o nome de guerra Abu Ammar, ele se entregou totalmente à causa palestina. Escapou a vários atentados, sobreviveu a um grave acidente de avião e viveu longo tempo, segundo declarou certa vez, “sem passar duas noites sob o mesmo teto”. Arafat morreu em 2004, aos setenta e cinco anos.

Fundamentalismo

Amplamente usada hoje em dia, a palavra é geralmente associada a ideia de radicalismo religioso e político, rejeição do espírito leigo e materialista, crítica a tudo o que é estranho às próprias raízes religiosas, étnicas e culturais.

O fundamentalismo apresenta duas dimensões distintas. No nível religioso, consiste na revalorização da doutrina e das práticas tradicionais, inspiradas numa estrita fidelidade aos textos sagrados. No nível político, o fundamentalismo pretende resgatar o velho Estado teocrático, restaurara supremacia do sagrado sobre o profano e subordinar toda a vida social às normas religiosas. Na realidade concreta, as duas dimensões apresentam-se sempre interligadas.

O fundamentalismo ganhou força e notoriedade a partir do final dos anos 70, com a vitória da Revolução Iraniana — um movimento de extraordinária aceitação pelas massas empobrecidas, que se propôs a difundir por todo o mundo árabe o retorno às verdadeiras origens do Islã e o rompimento com a cultura ocidental. Ao lado do fundamentalismo islâmico, cresceu também o fundamentalismo judaico, de clara origem sionista, voltado para a defesa do Estado de Israel e a sua consolidação em bases religiosas. Os movimentos fundamentalistas contribuíram para aumentar a instabilidade no Oriente Médio.

Ao agravarem as divergências entre as civilizações do Ocidente e do Oriente, os confins entre Árabes e judeus e as disputas internas no próprio mundo islâmico tornaram ainda mais difícil a obtenção da paz na região.

Hamas

Inicialmente, a OLP adotou uma tática guerrilheira. Patrocinava ataques armados e atentados terroristas contra objetivos militares e civis. Com o tempo, porém, a OLP cresceu e transformou-se numa grande organização de massa. O salto qualitativo da OLP aconteceu em dezembro de 1987, quando os palestinos que habitavam os territórios ocupados em l967 por Israel (Cisjordânia e Gaza) iniciaram uma revolta espontânea, atirando pedras contra os soldados israelenses. Era a “Intifida” (Revolta das Pedras), que mostrou para o mundo a crueldade e o segregacionismo com que Israel tratava os palestinos. Segundo Tarik al-Bishri, o islamismo político desenvolveu-se com o domínio da ocidentalização, com ela tornou- -se violento e só se enfraquecerá quando ela se enfraquecer.

Arafat, então, propôs o diálogo, e Israel, com a imagem maculada perante a opinião pública mundial, foi obrigado a aceitar. Em 1993, Israel e a OLP reconheceram a existência um do outro e iniciaram um processo de diálogo que aponta para a formação de um Estado palestino laico e soberano, tendo por base os territórios ocupados. Mas Arafat sofreu uma forte oposição dos fundamentalistas palestinos, agrupados na organização Hamas, que ainda querem a destruição do Estado muçulmano palestino.

Hamas, movimento político palestino, cuja sigla designa o Movimento de Resistência Islâmica, criado em Gaza em 1987. Preconiza a luta contra Israel por todos os meios em nome dos princípios do Islã. Visando a “libertação do país desde o rio Jordão até o mar”, o Hamas é responsável por várias ações armadas. Muito popular nos territórios ocupados, onde seu radicalismo torna-o um concorrente sério da OLP. Violentamente hostil às negociações de paz entre Israel e a OLP, respondeu com atos terroristas à instalação, em 1994, na faixa de Gaza e em Jericó, do regime autônomo previsto pelo acordo de Washington de 1993.