GILFRANCISCO: Jornalista, pesquisador e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com

O jornalista Octávio Moura (1909-1978) militou de forma brilhante na imprensa de Ilhéus por mais de quatro décadas ininterruptamente afastando-se por motivo de saúde. Foi um dos maiores colaboradores do Diário da Tarde, publicou crônicas, contos, poemas, comentários diversos e editoriais. Apesar de ser soteropolitano e ter dedicado toda à vida a Ilhéus, foi redator-chefe e diretor, um dos fundadores do Diário da Tarde, membro da Academia de Letras de Ilhéus, Cadeira nº 24, na mesma época de Jorge Amado, foi também professor da antiga Escola Técnica do Comércio de Ilhéus e exerceu o cargo de Adjunto de Promotor Público da Comarca de Ilhéus.

O Diário da Tarde, jornal importante, se fez presente na construção e preservação da memória do povo desta região, contribuindo na formação intelectual dos jovens acadêmicos anônimos, publicando os seus textos literários os quais tiveram projeção nacional e mundial: Jorge Amado, James Amado, Adonias Filho, Sosígenes Costa, Jacinto Gouveia, entre outros. Octávio faleceu na década de 70, com o nome entre os mestres do jornalismo baiano, esteve entre os três grandes diretores do Diário da Tarde: Carlos Monteiro, Eusínio Lavigne e o próprio.

Portanto, esse ser humano extraordinário chamado Octávio Moura não mediu esforços para desempenhar as atividades jornalísticas, por toda a sua vida e completa 45 anos de morte.

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Octávio Moura Dias de Almeida – Foto: Reprodução

Octávio Moura Dias de Almeida nasceu no dia 27 de setembro de 1909, no bairro do Garcia, em Salvador, Estado da Bahia. Com apenas 19 anos, cheio de vida, esta figura que militou na imprensa de Ilhéus de 1928 a 1972, portanto 44 anos, se dedicou inteiramente a Ilhéus através do Diário da Tarde. Octávio chegou a cidade do cacau em 9 de fevereiro de 1928 e no dia seguinte saía o primeiro número do Diário da Tarde, já tendo seu nome como redator. Chegou de navio, juntamente com o corpo tipográfico da oficina: Albérico, Miguel Teixeira e Roque Neves (compositores) e Aristotelino Souza (impressor). Logo depois, passaria a redator-chefe e, mais tarde diretor em 1938, em virtude de Carlos Monteiro transferir-se para Salvador. Otávio Moura foi o principal impulsionador do Diário da Tarde por quase meio século, ajudando o jornal a ultrapassar muitas dificuldades. O saudoso Diário da Tarde, fundado em 10 de fevereiro de 1928, circulou até o final da década de 1990. Apesar de ter o nome de Diário da Tarde, às oito horas da manhã já estava nas bancas de Ilhéus.

O jornalista Octávio Moura é um dos fundadores da agremiação literária Academia dos Rebeldes, que lançaram primeiramente a Revista Meridiano, setembro de 1929 (único número) e O Momento (1931/1932), sendo publicados nove números. A Academia dos Rebeldes criada por um grupo de jovens entre os quais Jorge Amado, Sosígenes Costa, Edison Carneiro, Alves Ribeiro, Dias da Costa, Dias Gomes, Aydano do Couto Ferraz, Emanuel Assemany, José Bastos, Machado Lopes, Da Costandrade, Clovis Amorim, João Cordeiro e outros, tinha como presidente espiritual, o grande epigramista Pinheiro Viegas. Octávio estreia no grupo em Meridiano com dois textos em prosa: Ideias e O Elogio do Grande Homem.

Revista Meridiano – Foto: Reprodução

Quando Octávio Moura publicou a crônica, Procópio no número 2 da Revista O Momento (15 de agosto, 1931) sua estreia de uma série de quatro, o redator da revista, jornalista Emanuel Assemany fez uma ligeira apresentação aos leitores do mais recente colaborador:

“Octávio Moura, que assina a presente colaboração, é um dos mais moços e mais vibrantes jornalistas da Bahia de hoje. É o redator principal do “Diário da Tarde” de Ilhéus, em cujas colunas, por mais de uma vez, tem demonstrado o seu grande valor como articulista e como panfletário, tornando-se admirado e temido, ao mesmo tempo, na bela cidade sulina. É, além disso, um cronista delicioso e um “conteur” dos melhores que possuímos. O seu estilo, nervoso, irônico, incisivo, tem algo da arte instantânea e perversa de um Daumier. Vejamos abaixo, com que displicência ele sabe fixar um “tipo” explorando toda a gama dos ridículos humanos”.

Em novembro de 1934 o crítico literário dos Diários Associados, Agripino Grieco, a convite de Jorge Amado realiza em Ilhéus várias conferências. Ao retornar a capital federal, registra através de sua coluna “Gente Amiga”, seu contato com os intelectuais grapiunas, vejamos o que diz sobre Octavio Moura:

“Meus amigos de Ilhéus mandaram um tinteiro de prata, com um cacau dourado, como recordação das conferências que ali fiz em novembro de 1934. Ponho tinta nesse tinteiro e a primeira coisa que me apetece é escrever um artigo sobre essas generosas criaturas do sul da Bahia. Começaria pelo jornalista Octávio Moura, tem um ar de menino e já é chefe de família. Pelo físico, parece ninguém e, entanto, subscreve artigos ótimos. Fiem-se nele, na sua cabeleira e nas doçuras de violinista cigano com que fala as lindas raparigas! É um articulista que consegue infundir paixão nas ideias e a alegria de moço, longe de prejudicá-lo, muito concorre para robustecer-lhe o bom senso de polemista. Quando necessário, sabe ele também, nos seus sarcasmos, ser um artista em venenos, fazendo passar mãos quartos de hora àqueles que detestam. Fino registrador sismógrafico de tudo o que ocorre de interessante em Ilhéus, Octávio Moura, malgrado uns ares meios boêmios, organiza todo um jornal sozinho e quase sempre o organiza a primor”.¹

Em junho de 1981 na festa do centenário de Ilhéus, seu filho adotivo, Jorge Amado, companheiro de tertúlia de Otávio Moura, fez em praça pública uma “Declaração de Amor à Cidade de São Jorge de Ilhéus”, e sobre os dois amigos disse:

Quero perambular vagabundo pelas ruas, com o poeta Sosígenes Costa, vindo dos mares de Belmonte para ser teu predileto, aquele que te engrandeceu e nos deu o dom maior

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¹ O Jornal. Rio de Janeiro, 10 de março de 1935.

da poesia eterna; Quero ir buscar Octávio Moura na redação do jornal para partirmos ao encontro das mulheres mais formosas nos becos mais esconsos.²

Durante a Semana Santa de 1998, estive em Ilhéus a convite das professoras Maria de Fátima Pimentel e Maria Inês Azevedo Pereira. Aproveitando a estada, fui à sede do Jornal Diário da Tarde, localizada à Rua Domingos Fernandes no centro da cidade, com o intuito de localizar alguma colaboração dos membros da agremiação literária, Academia dos Rebeldes, pois era do meu conhecimento que nele havia trabalhado desde a sua fundação, o poeta de Belmonte Sosígenes Costa.3 O resultado foi positivo. Lá estavam todos: Alves Ribeiro, Dias da Costa, Edison Carneiro, José Bastos, João Evangelista Oliveira, Jorge Amado, Octávio Moura, Pinheiro Viegas e Sosígenes Costa.

No decorrer da manipulação do periódico fui surpreendido com uma coluna intitulada “Notas Sociais”, publicada diariamente, onde apareciam os registros de aniversários, enterramentos, nascimentos, noivados, viagens, falecimentos, visitas, sufrágios, casamentos, etc. Nela, um subtítulo, Diário de Sósmacos, de pequenas crônicas sociais, assinadas com o pseudônimo de Príncipe Azul. Logo nas primeiras leituras identifiquei o seu verdadeiro autor: Sósmacos era Sosígenes Marinho Costa.

Como estava pesquisando sobre Pinheiro Viegas e não dispunha de tempo para uma análise mais detalhada, tratei de registrar todos os títulos do Diário de Sósmacos, a partir de fevereiro de 1928 até março de 1929. Convidado pela professora Eliana Muniz Chaves, do Colégio São Jorge dos Ilhéus, retornei mais uma vez a Ilhéus em fins de maio do ano seguinte, com a missão de recolher todas as crônicas do poeta Sosígenes Costa. Por quase duas semanas permaneci na redação do Diário da Tarde, reproduzindo da única coleção, já bastante desgastada pela ação do tempo, as quase trezentas crônicas e poemas de Sosígenes Costa. O resultado desta pesquisa foi à publicação pela Fundação Cultural de Ilhéus, em 2001, gestão do escritor Hélio Pólvora, durante as comemorações do centenário de nascimento do poeta de Belmonte e de Ilhéus, Sosígenes Costa, do livro Crônicas & Poemas Recolhidos (pesquisa, introduções, notas e bibliografia), com extensa memória sobre a Academia dos Rebeldes, em quase 500 páginas.

Modestíssimo, Octávio Moura era uma inteligência lúcida a serviço de um caráter integro a toda prova, em servir à Bahia, terra do seu berço. Pelo seu esforço, pela sua tenacidade, pela integridade de seu caráter, Octávio chegou a redator-chefe da folha. Vitorioso no jornalismo, o cronista do cotidiano sempre se valeu da sua própria experiência para chegar até o povo, tornando-se ele um intérprete consciente dos humildes e oprimidos. Era um escritor nascido de vocação flagrante, e como bom cronista nunca ocultou o poeta que embriaga de lirismo cada vez que fala da sua Ilhéus. Mas a inquietação intelectual que lhe sacudia o espírito, nitidamente percebível em suas várias crônicas que li no Diário da Tarde, com o mesmo prazer que as li pela primeira vez no periódico Meridiano (1929). Uma coisa é certa, na boa crônica o assunto é o que mesmo importa, serve apenas de pretexto, motivação de contar e comentar é a roupagem que o cronista dá ao episódio. Neste aspecto, Octávio Moura era mestre. Mesmo passados tantos anos, suas crônicas ainda conservam toda sua vivacidade, fez de Ilhéus uma oficina de artes e símbolos.

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² Salvador. Revista Exu nº 6 – novembro/dezembro, Fundação Casa de Jorge Amado (número especial sobre a região do cacau), 1988.

³ Para minha surpresa, encontrei em pleno funcionamento a velha impressora, a mesma que imprimiu o primeiro exemplar do Diário da Tarde, na manhã de 10 de fevereiro de 1928.

Tendo participação importante na fundação do jornal, juntamente com Carlos Monteiro, Francisco Dória e o advogado Eusinio Lavigne, Redator-Chefe do Diário da Tarde, Octávio Moura foi um dos mais importantes divulgadores da Academia dos Rebeldes, utilizando as páginas do seu matutino para publicar e divulgar as atividades intelectuais dos membros da agremiação. A fecunda atividade jornalística o fez com tal brilho e êxito, que isso lhe levou a ingressar na Academia de Letras de Ilhéus, ocupando a cadeira n°24, juntamente com Jorge Amado, Sosígenes Costa, Álvaro Melo e outros intelectuais da época. Octávio Moura exerceu alguns cargos públicos, como o de adjunto de promotor público na comarca de Ilhéus e inspetor seccional do Ministério da Educação.

O jornalista Fernando Leite Mendes (1931-1980), leitor assíduo de Octávio Moura, em uma de suas crônicas, “O segredo e a crônica”, do livro “Os olhos azuis de D. Alina e algumas crônicas” (1985), recorda-se da sua vivência em Ilhéus:

Lembrar Octávio Moura e seu pequeno grande jornal dos Dórias, escrevendo no dia-a-dia, a saga da espoliação da grandeza daquela região. Era um homem sereno, tranquilo, intenso com jeito de sonhador. Um ser entregue em carne e sangue a sua produção, esbanjando na província talento e uma cultura de boa base. Octávio Moura escrevia com facilidade e graça em cada frase, em cada imagem dos seus escritos. Mas o velho e cansado coração, deixou de pulsar no exato momento em que mais estremecia nos rasgos de bondade que tanto enobreceram a sua existência, e assim perdemos mais um “rebelde”.

Octávio Moura, homem do seu tempo que teve de criar um estilo próprio, escrevendo textos, que depois de lidos, fixaram-se na memória de cada leitor, estilo direto, substantivo, com suas crônicas indestrutíveis, coladas em páginas escritas e fincadas na memória de um tempo. Octavio é um belo momento da crônica ilheense, que nos deixou aos 76 anos da sua idade, com o nome inscrito entre os mestres do jornalismo baiano. Colaborou em vários periódicos: Meridiano, Etc., Diário da Tarde, O Momento, entre outros.

Revista O Momento – Foto: Reprodução

Com o seu falecimento, escreveu do Rio de Janeiro o amigo e companheiro de longos anos Rubens E. Silva, artigo publicado no Jornal da Manhã – Ilhéus, em 13 de setembro de 1978:

Primeiro foi Carlos Monteiro, anos depois Eusinio Lavigne e agora Octávio Moura. Assim, com a morte do seu último remanescente, findou-se a trinca de ouro de redatores que por dez anos constituía o corpo redacional. Do cinquentenário “Diário da Tarde”, cujos artigos, pelo seu estilo, modificaram por completo o tom agressivo adotado pela imprensa, na época.

A reunião de parte significativa de suas crônicas em livro, por mim organizadas há muito esperado pelos ilheenses e pesquisadores do Modernismo na Bahia, infelizmente não contou com a colaboração de amigos e, principalmente da família. Foram feitos inúmeros contatos, mas sem retorno.

Texto de Otávio Moura

Viegas, O Demolidor

(A Propósito do aparecimento do seu panfleto literário Vogais e Consoantes)

Pinheiro Viegas – Foto: Reprodução

Pinheiro Viegas envia-me o seu panfleto literário Vogais e Consoantes. Leio-o. Porque eu leio o que o velho Viegas escreve.

Muitos prefeririam os seus livros em branco. As suas letras não agradam a toda gente. Porque não são boas? Porque ele escreve com mão firme e deixa traços fortes no papel.

Ele não é dos mais “festejados” intelectuais baianos. A invulgaridade é um péssimo defeito e ele surgiu de invulgaridade. Criou, por isso, essa atmosfera antipática que o envolve. Mas não a asfixia.

Acresce que Pinheiro Viegas é um demolidor. Exemplos: o jovem e talentoso poeta Pascácio da Anunciação, herege, pacientemente, o seu castelo de rimas. Pois lá vem, impiedoso, o Viegas, e destrói, com um sopro, a obra que tantas noites de vigília, tão fundas olheiras, tanto trabalho dera à esperançosa mocidade do Pascácio. Outro mais jovem e mais talentoso escriba, o Simplício da Purificação, enfeixa num livro de capa gritante, sugestiva, algumas coisas menos ou mais profundas. Lá volta o demolidor e, com um piparote, arrasa o montão de coisas profundas, sem compaixão pela futurosa juventude do Simplício. Daí a raiva indisfarçável dos pascácios e dos simplícios…

Pinheiro Viegas é um iconoclasta. Fulano dos Arrebóis é, no consenso geral, um sabedor. Toda gente sabe que fulano sabe. Pois o Viegas ignora-o e.… catrapus! lá vai o ídolo por terra. Sicrano Medalhão é um gênio, na opinião dos entendidos. É um fetiche; meio homem, meio deus. Mas, surge o iconoclasta e derriba o Medalhão do seu pedestal. Ali, a razão do ódio inocultável dos arrebóis dos medalhões…

Pelo exposto, fica demonstrado que há sobejidão de motivos para a inimizade cordial que se interpõe entre o Viegas e certa gente. Mas o diabo do velho é incorrigível. Não se deixa inflectir aos arreganhos do inimigo, de cujos colmilhos não se arreceia. Provoca-os até, só para ter o gostinho de lhes ripostar um ataque, com valentes pontapés.

Mas tanta diabrura comete que muitos o imaginam um demônio, à solta, perspicaz na obra de destruição, isto é, empenhado no “rompe e rasga”, no “bota-a baixo” e outras malignidades desse estofo.

Entretanto, o velho não passa de um pobre diabo, se ele é um verdadeiro diabo, como os seus inimigos andam a pregoar. Só os íntimos lhe conhecem a natural bonomia e a boêmia do espírito moço, encravado, muito a contragosto, na carcaça um tanto gasta e quase fora de uso…

(Uma esquisitice do Viegas: ele não tolera os poetas. Os nossos aborrecíveis poetas aborrecidos”. Apesar dessa ojeriza o faz versões que não são os piores e reputa os seus piores versos, os melhores).

Mas… eu não tratei, até agora, de Vogais e Consoantes. Para que?

Pinheiro Viegas –  está se vendo – não fez ali, qualquer elogio ao Sr. Otávio Mangabeira (isto é grave). Ao contrário: tantos elogios os outros fizeram ao chanceler brasileiro que Viegas andava procurando uma ocasião para demonstrar peremptoriamente que só ele não morre de amores pelo notável patrício. E segurou uma oportunidade, pelos cabelos.

Foi o caso que o atual ministro do Exterior escreveu alguma coisa, há algum tempo. E toda gente estava convicta de que o Sr. Otávio Mangabeira escrevia. Mas o Viegas, com aquela sua desenvoltura estupefaciente, diz nas linhas ou nas entrelinhas do seu panfleto, que melhor fora que S. Excia. nada escrevesse…

Creio que isso é demasiadamente forte. Vogais e Consoantes não são letras de Lácio. “Os lacaios para todas as librés” não gostarão delas. Está aí porque eu prefiro não tratar de Vogais e Consoantes… ¹

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¹ Diário da Tarde Ilhéus, 16 de maio, 1928.