GILFRANCISCO [*]
Poeta, homem de talento, orador brilhante, que tinha paixão pela coisa pública e amou às lutas democráticas. Fala em liberdade, em direito de opinião, a sua discreta rebeldia contra os atos impositivos dos poderosos. No final dos anos vinte, cria em Aracaju o jornal O Liberal (03.12.1929- 07.05.1930), em apoio a Revolução de 30, Aliança Liberal, apoiando para Presidente da República, Getúlio Vargas.
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A bibliografia da historiografia literária sergipana acaba de ser enriquecida com mais uma contribuição magnífica, devida a Jackson da Silva Lima. O autor é uma das mais reconhecidas autoridades em crítica literária do Estado. O seu papel na História da Literatura Sergipana ainda não pode ser situado convenientemente, pois a sua obra de pesquisador está em pleno desenvolvimento. Por isso, uma das coisas que mais me impressionam em Jackson da Silva Lima é a sua decidida vocação de defensor da cultura sergipana, na qual só foi excedido ou igualado, contemporaneamente, por homens como Sílvio Romero (1851-1914) e João Ribeiro (1860-1934).
Trata-se do livro Esparsos e Inéditos (Arthur Fortes, o poeta da Rosa Vermelha), edição coligida e anotada, Governo do Estado da Educação/Subsecretaria de Cultura e Arte, 1981, 123 páginas, lançado durante as comemorações realizadas por ocasião do centenário de nascimento do poeta Arthur Fortes (1881-1981).
Jackson da Silva Lima classificou a obra de Arthur Fortes em três fases: Primeiros Cantos (prefácio de Dr. Manuel dos Passos de Oliveira Teles), 1900, 98 pp. obra profundamente romântica na forma e no conteúdo, onde percebe-se a presença marcante de toda a plêiade do romantismo, com sua ideologia burguesa ascendente, cujas
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1 Revista da Literatura Brasileira. São Paulo, nº 30, 2003.
características marcantes são: individualismo, valorização das emoções e imagens, moralismo e melancolia. A segunda fase é marcada com a publicação de Evangelho de um triste, 1904, 144 pp., onde encontraremos um poeta ensaiando novos ritmos a procura de outros temas, caminhando em direção do parnasianismo, escolhendo o soneto como gênero poético predominantemente, utilizando-se do rigor formal, da impessoalidade, da arte pela arte. É desta fase, o livro inédito Coisas, d’alma – Página íntima (1906-1912, 33 poemas), que se encontrava em poder da família do poeta, incluído em Esparsos e Inéditos.
A terceira e última fase, que inicia nos primeiros anos vinte, procura o poeta Arthur Fortes novos valores estéticos em voga no cenário nacional, buscando uma nova expressão para sua atuação dentro da chamada fase pré-modernista (1922-1928) na literatura regional, até o aparecimento dos verdadeiros poemas modernos de Abelardo Romero (1907-1979), José Maria Fontes (1908-1994) e seguidores.
Primeiros Passos
Arthur Augusto Gentil Fortes nasceu em Aracaju no dia 23 de julho de 1881, e morreu na mesma cidade em 27 de novembro de 1944, filho de Antônio Augusto Gentil Fortes (1860-1904), que iniciou como simples tipógrafo em Divina Pastora e passou a ser em Maruim proprietário e redator do jornal O Maroinense (1886-1892). Em Aracaju, era proprietário de O Comércio (1883), que circulava uma vez por semana às quintas feiras. O jornal defendia os interesses do comércio, da indústria e da agricultura de Sergipe. Antônio Augusto foi deputado Estadual em 1913, quando participou da Revisão da Constituinte de 1892. Sua mãe chamava-se Antônia Junqueira Fortes e falecera em fins de agosto de 1910. O jovem Arthur Fortes frequentou o curso de Humanidades com o professor Alfredo Montes e no Atheneu Sergipense. Tendo completado seus estudos na terra natal, iniciou a carreira militar na Escola de Realengo, no Rio de Janeiro e numa pequena prova de personalidade foi expulso por indisciplina. A Escola Militar, destinava-se ao preparo de oficiais a fim de suprir os quadros permanente do corpo de tropa de Exército nas diferentes Armas, que até 1941 eram: Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Aviação.
De retorno à Aracaju, Arthur Fortes, trabalha nos Correios de Aracaju, repartição em que já havia trabalhado seu pai, permanecendo até 1916, quando foi nomeado professor vitalício da Cadeira de História Geral e História do Brasil, do Atheneu Sergipense, tornando-se depois seu diretor. Lecionou também Francês e História no Colégio Tobias Barreto, além de pertencer ao corpo docente do Colégio América. Nesse período, desenvolve atividades jornalísticas, colaborando em diversos periódicos da capital do Estado: Jornal do Povo, Correio de Aracaju, Jornal de Sergipe, Almanack Sergipano, Estado de Sergipe, O Cenáculo, Via Lucis, Diário da Manhã, Revista da Academia sergipana de Letras, Diário Oficial do Estado, chegando a colaborar no Boletim de Ariel, do Rio de Janeiro.
Arthur Fortes foi deputado estadual (1910-1911) e (1923-1925) disputou eleição federal como membro da Aliança Liberal, em 1930. Exerceu o cargo de Secretário Geral de Governo e Secretário da Educação, mas sempre por prazos curtos.
O Centro Socialista Sergipano
Arthur Fortes, orador do Centro Socialista, inaugurado às 19 horas na Biblioteca Pública do dia 20 de março de 1918, a sessão inaugural da instituição, foi realizada pelo professor Florentino Menezes (1886-1959), que pronunciou um discurso analítico, expondo, nessa oração de conceitos humanamente socialista.
O poeta ativista também passou pela política e pertenceu ao Conselho Superior de Ensino, foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e membro da Academia Sergipana de Letras, ocupando como fundador a Cadeira número 14, tendo como patrono, o poeta são-cristovense Elziário Prudêncio da Lapa Pinto.
Este poeta lírico, de versos espontâneos e fluentes, que reencontrando sua antiga tradição musical, a poesia lírica tem sua marca nas propriedades de som e ritmo das palavras – que Ezra Pound (1885-1972), chamava de melopéia. Portanto, na obra do poeta Arthur Fortes, as palavras não possuem um sentido único e inflexível, válido para todos os leitores e as frases não encontram equivalentes em nenhum outro idioma, pois o seu poder de comunicação resulta paralelamente do jogo de ritmos e timbres, em que as palavras valem quase tanto pelo que significa quanto pela posição que ocupam no texto. Mas nada importa, porque os poetas fazem poesia…
Hino Socialista Sergipano 2
Paladinos do futuro,
Sagrada e imensa
É a nossa Crença:
Do sol do Amor vivo e puro
Seremos na vida
A luz querida.
A nossa alma que em fervor
A tudo excele,
Si nos impele,
É para do sol do Amor
Seremos na vida
A luz querida.
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Estribilho
//
A paz e o amor é o que queremos.
Outro ideal nunca tivemos.
Mas si tanto for preciso,
Tendo no lábio um sorriso
Pela pátria lutaremos.
Marchemos todos
Lançando o grito
Do Universo ao infinito,
Afirmando esta verdade:
Que este ideal
De liberdade,
Tem um fanal:
Fraternidade.
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Na senda por nós traçada
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2 Na música da Canção Patriótica Amor Febril, Major Alberto Augusto Martins e P. de Magalhães. Cópia do poema gentilmente fornecida por Sayonara Viana.
Visando o Além,
Somos o Bem;
Somos clarões da alvorada
Consoladora,
Reveladora
Da Justiça que sonhamos
De atos perfeitos,
Sem preconceitos;
E por quem ora lutamos
Como um só crente,
Heroicamente.
//
Estribilho
A paz e o amor é o que queremos,
etc. etc. etc.
//
O sonho do Socialismo
Que professamos
E cultuamos,
Tem do vero pacifismo
Emanações,
Cintilações:
Sol do Amo sempre luzindo
Como uma pérola,
Como uma aureola;
E pelo trabalho abrindo
Caminhos novos,
Unindo os Povos.
//
Estribilho
A paz e o amor é que queremos.
etc. etc. etc.
//
Arthur Fortes
(19.04.1918).
Data Natalícia
Assim descreveu o Sergipe-Jornal, em sua edição de número 8.400, de 23 de julho de 1936:
Entre as personalidades de escol que integram o patrimônio intelectual e moral de Sergipe, está, por todos os seus característicos, em primeira plana o eminente professor Arthur Fortes.
Assim, Sergipe-Jornal, que não perde as oportunidades que se lhes ensejam para reder culto aos verdadeiros valores, abre coluna hoje para registrar a passagem da data maior desse ilustre mestre conterrâneo, expressão das mais dignas da inteligência e cultura sergipana.
Professor dos mais ilustres do Atheneu Pedro II e do Colégio Tobias Barreto, Arthur Fortes grandemente tem concorrido para a ilustração da nossa mocidade, que com respeito e carinho recebe diariamente as suas sábias lições de história.
Na seara das letras, o nome de Arthur Fortes é do destacado vulto, quer como poeta grandemente inspirado, formando as suas belas produções entre as melhores do país, quer como jornalista de pulso e orador de notável eloquência.
Assinalando a data genetlíaca do professor Arthur Fortes, Sergipe-Jornal, que o tem entre os seus mais distinguidos colaboradores, rende tributo de admiração ao seu grande talento e caráter sem jaça, de par com os seus votos de constantes felicidades.
Homenagem à memória
O Sergipe-Jornal, em sua edição de 30 de novembro de 1944, noticia as homenagens prestadas pelo Colégio Estadual de Sergipe e pela Escola Normal – Rui Barbosa, pela passagem do falecimento do professor Arthur Fortes:
A Congregação do colégio Estadual de Sergipe, ontem reunida para tratar de assuntos de ordem interna, prestou significativa homenagem à memória do Prof. Arthur Fortes, nome ilustre do magistério sergipano, cuja morte recente abalou profundamente a nossa sociedade.
Iniciando a sessão, o prof. Joaquim Sobral, diretor da Casa, pediu aos presentes que, de pé, durante um minuto, se conservassem em silêncio, numa justa, comovida e respeitosa homenagem à memória do ilustre companheiro desaparecido.
A seguir, ainda por proposta do prof. Sobral, ficou assentado que será brevemente colocado, na sala de congregações, o retrato do saudoso mestre, devendo falar em nome do corpo docente, por ocasião do ato, o prof. Manuel de Franco Freire.
Deliberou também a congregação que não teria caráter festivo a entrega dos diplomas aos alunos que concluíram o curso ginasial e instituiu o Prêmio Arthur Fortes para o aluno que obtiver anualmente as melhores notas em História Geral (…)
As homenagens prestadas pelas professoras da Escola Normal-Rui Barbosa onde Arthur Fortes, lecionava, seguiram numa verdadeira compreensão da dor por que passa Sergipe, com a perda de dois dos seus maiores filhos – professores Abdias Bezerra (1880-1944) e Arthur Fortes (1881-1944):
Resolveram, como homenagem aos ilustres mestres conterrâneos, não solenizar a sua formatura, mandando celebrar, apenas, uma missa para bênção dos anéis, recebendo os diplomas na secretaria do estabelecimento (…)
Centro Democrático “Arthur Fortes”
Um grupo de estudantes e professores de diversos estabelecimentos de ensino desta capital, sentindo as necessidades prementes de alfabetizar e educar o povo, defender os direitos dos professores, estudantes e funcionários, melhorando-lhes a situação econômica, criando bibliotecas e dando-lhe assistência médica deliberou criar um Centro, que sendo uma homenagem a um baluarte da cultura e da liberdade, se proporá dentro de um princípio unitário, a resolver estes e outros problemas que os afligem de perto.
No Centro Democrático “Arthur Fortes”, terão lugar todos, professores, estudantes e funcionários, sem distinção política, racial, ou religiosa, que desejam realizar o engrandecimento cultural, moral e material do Brasil.
O Centro Democrático “Arthur Fortes” será instalado no próximo dia 26 às 20 hs. No salão nobre do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, e vem, por intermédio da comissão Organizadora, convidar ao povo em geral para assistir a sua sessão de instalação.
A Comissão 3
Manifesto do Centro
No plano das reivindicações econômicas, educacional, de saúde, etc., é este o programa do Centro Democrático “Arthur Fortes”:
1. Estudo e divulgação da obra de Arthur Fortes.
2. Lutar pela alfabetização de crianças e adultos.
3. Defender o estudante pobre, pleiteando uma real preferência para os estudantes necessitados nos estabelecimentos educacional público, o barateamento de taxas, matriculas e materiais escolares, através de cooperativas e de uma biblioteca para empréstimos de livros.
4. Melhorar a situação e4conômica dos professores e funcionários, pleiteando-lhes o aumento de vencimentos.
5. Preitear e sindicalização dos professores.
6. Dar assistência e educação médica aos seus associados.
7. Criar cantinas nos estabelecimentos onde não as existem e efetuar uma fiscalização severa nas já existentes, para que os estudantes possam adquirir merendas nutritivas e por preços os mais cômodos possíveis.
8. Batalhar pela moralização do ensino, combatendo-lhes as fraudes e processos antiquados de certos estabelecimentos educacional.
9. Incentivar os desportos e a educação física.
10. Incentivar a cultura com a criação de cursos e a promoção de conferências seguidas de debates, de maneira a levar aos seus associados e ao povo o conhecimento do Brasil e de sua história.
11. Proporcionar uma educação democrática aos seus associados, dando-lhes uma consciência política, com um ataque cerrado à campanha de compra e venda de votos.
Combater todos os fascismos, especialmente o integralismo. Defender concretamente o programa mediato do processo pacífico de redemocratização do país.
São estes, entre outros, os problemas que o Centro Democrática Arthur Fortes procurará resolver. E os resolverá se professores, estudantes e funcionários dos diversos estabelecimentos desta cidade, sem distinção religiosa, racial ou de partidos políticos, derem, a ele, conscientemente, o seu apoio unanime.
Portanto, professores, estudantes e funcionários! Organizai-vos! Porque só organizados poderei reivindicar os vossos direitos!4
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3 Sergipe-Jornal. Aracaju, 21 de agosto de 1945. 4 Sergipe-Jornal. Aracaju, 12 de setembro de 1945.
Os Funerais
Os funerais do poeta Arthur Fortes, constituíram, em toda a sua plenitude, uma verdadeira apoteose à sua memória imperecível. Todos os colégios de Aracaju, professores, autoridades, compareceram ao enterramento do grande bardo e do grande mestre. O Sergipe-Jornal registrou o ocorrido:
O féretro foi levado nos braços dos seus amigos, dos seus alunos e dos seus admiradores. Grande massa popular, acompanhou comovidamente, o corpo inanimado de Arthur Fortes à sua última morada.
No cemitério falaram os seguintes oradores: professor Acrísio Cruz, pelo Departamento de Educação; professor José Augusto da Rocha Lima, pelo Colégio Estadual de Sergipe; Cônego Domingos Fonseca, pela Escola Normal – Rui Barbosa; o poeta Freire Ribeiro, pela Academia Sergipana de Letras; o intelectual José de Gois Duarte; o estudante Antônio Clodomir Silva e o Sr. José Felizola, pela Loja Maçônica.
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O sepultamento do professor Arthur Fortes foi feito as expensas do governo do Estado.
Coroas sobre o túmulo do Poeta
Ao eminente e querido mestre Arthur Fortes, homenagem do Departamento de Educação.
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Ao insigne Prof. Arthur Fortes, homenagem do Governo do Estado.
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Saudades da Academia Sergipana de Letras.
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Ao Prof. Arthur Fortes saudades do seu amigo Orlando.
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Sincera homenagem de Josefa e Norma ao grande amigo Arthur Fortes.
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Ao Prof. Arthur Fortes saudades dos seus companheiros do Ginásio Tobias Barreto.
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Ao adorado esposo, pai e irmão as grandes saudades de sua esposa, filhos e irmãos.
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Ao adorado pai saudades eternas de Dinorá, Lia e Henrique.
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Ao grande mestre Arthur Fortes, homenagem da Escola Técnica de Comércio de Sergipe.
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Ao meu velho amigo Prof. Arthur Fortes, saudades de Leandro Maciel.
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A Congregação da Escola Normal – Rui Barbosa, ao grande mestre Arthur Fortes.
Desaparecimento
Com uma vasta cabeleira e um rosa vermelha que o classificava de “o poeta das rosas vermelhas”, que trazia à lapela invariavelmente, uma rosa rubra que os consagraram, não o comprometia ideologicamente. Arthur Fortes foi um dos notáveis mestre que pontificaram no Atheneu Sergipense, atuando em uma fase áurea do ensino secundário em Sergipe. Segundo o amigo Felte Bezerra (1908-1990), Arthur faleceu aos 63 anos,
mas não envelheceu, nem no físico nem no amor ao trabalho e à sua nobre profissão. Suas preleções mantiveram os mesmos tônus do começo ao fim da carreira, no estilo na beleza no arroubo. Foi realmente, um grande sergipano.
Sobre seu desaparecimento, o poeta acadêmico, Freire Ribeiro (1911-1975), publicou no Correio de Aracaju, edição de 1º de dezembro de 1945 a seguinte Nota:
Em nome da Academia Sergipana de Letras, nesta hora em que as rosas vermelhas, rosas que tanto amaste, empalidecem e desmaiam pelo teu pensamento como, na tarde árabe, enlanguesceram subitamente todas as flores do jardim mágico, ante a desaparição da encantadora jardineira que as plantaram.
É que fizeste do teu coração enamorado, uma rosa vermelha para a glória do Sonho e para a glória do Amor. E assim, meu Poeta, na viuvez destas rosas que te choram na lágrima das suas pétalas, aqui estou para dizer-te adeus d’alma alanceada e coração partido pelo teu transporto, é semeador bendito da harmonia na tortura da terra!
É oportuno lembra-lo sempre e apresenta-lo aos que não o conhecem.
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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com
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