GILFRANCISCO: jornalista, pesquisador e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com

Duvel

Ao Alves Ribeiro

Adoro-o. Ele é Duvel, o efebo deus tzigano,

Terrestre e sideral, – o lis no volutabro.

Os glaucos olhos maus, o oblongo rosto glabro,

E o vivo barro egípcio impassível. Engano!

Era uma vez…, no Cairo, entre o vulgo profano

Do céu na terra êxul, o sonho em descalabro.

Ele tinha um violão sagrado – o humor macabro,

Todo cheio das guais do coração humano.

Perto, é a minha ilusão, mas, longe, é o meu martírio.

Em toda a natureza eu vejo o seu espectro,

Chorando, em minha insônia e rindo, em meu delírio.

Bizarro, original, magnífico, esquisito,

Ela canta ao violão uma canção sem metro,

Branca assim com a lua e a saudade do Egito.

Pinheiro Viegas

(Estado da Bahia, “Suplemento Ilustrado”. Salvador; 24 fev. 1934)

José Alves Ribeiro – Foto Reprodução

José Alves Ribeiro nasceu em 11 de maio de 1909, na fazenda “Caldeirão Coberto”, município de Camisão, hoje Ipirá (onde nascera seu conterrâneo o ensaísta, tradutor e crítico literário, Eugênio Gomes, (1897-1972), situada na Mesorregião Centro-Norte Baiano, a mais de 100 km de Salvador, na qual seu pai era vaqueiro. Em 1912 seu pai foi despedido da fazenda, mas a essa época já havia adquirido um sitio nas matas do município vizinho, Baixa Grande, tendo deixado de trabalhar como empregado progrediu bastante, a ponto de ascender em poucos anos num modesto pecuarista.

O jovem Alves Ribeiro, filho de Laurindo Ribeiro e Maria Alves Ribeiro, na época o caçula da família, aprendera a ler sem frequentar a escola. Além de ajudar os pais e os irmãos mais velhos nos trabalhos da lavoura, plantando e colhendo cereais, lia avidamente o que lhe chegava às mãos. À noite sob a luz de fifó (candeeiro), lia para os trabalhadores nas farinhadas: A história do Imperador Carlos Magno e Os Doze Pares de França, livro obrigatório nos serões da zona rural. Somente mais tarde, pode frequentar a escola pública da sede do município.

Em dezembro de 1920 realizou sua primeira viagem à Salvador, juntamente com seus pais, e na capital baiana deixaram o caçula com seu padrinho, o coronel José Presídio Figueiredo, pai do jornalista Joel Presídio, onde concluiu no ano seguinte os estudos primários, no Colégio Pedro II. O curso ginasial foi iniciado no Carneiro Ribeiro (situado na ladeira da Soledade, próximo a Lapinha) e concluído no Ginásio São Salvador (situado na rua J.J. Seabra, Barroquinha).

Das doze disciplinas cursadas, exigidas na época ficou na dependência de : álgebra e geometria, por isso abandonou temporariamente os estudos, para reiniciá-los em 1930, quando foi beneficiado por um Decreto-Lei do governo da Revolução de Outubro, que considerou base de aprovação estudantil, sua frequência, o que lhe possibilitava dispensa das referidas matérias, e assim poder fazer exames de admissão à Faculdade de Direito da Bahia, em princípio de 1931.

Os longos anos em que passara em companhia do padrinho Presídio tiveram uma importância muito grande na formação de seu espírito, e certamente em sua orientação intelectual. Ali desenvolveria o interesse pelas leituras, o que acompanhou por toda a vida. Em sua nova residência encontrara muitos livros que os devoraria com avidez, onde iniciando sua atividade literária, com as primeiras colaborações na imprensa carioca na revista ilustrada, O Malho, que circulou a partir de setembro de 1902 a janeiro de 1954, e em Salvador na revista, A Luva (1925-1932), onde aparecem seus primeiros versos, muitos deles inéditos, constituídos nos moldes simbolistas, fariam parte dos volumes “Nirvana” e “Noivo da Morte”, cujos originais foram consumidos pelo DEIP (Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda), órgão da Política do Estado Novo, além do volume de ensaios “Tendência do Espírito Moderno” e seu arquivo particular dos trabalhos publicados (crônicas, poesias, críticas de livros, artigos literários e políticos) em jornais e revistas.

Revista Meridiano – Foto Reprodução

A década de 20, aliás, e uma boa parte da seguinte, foi para Alves Ribeiro ativa em sua vida intelectual. É de 1928 o lançamento da primeira revista modernista baiana, ligada aos Poetas da Baixinha, Samba – Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento (novembro. 1928), onde publica o manifesto “Samba”. É o ano da fundação com um grupo de outros jovens, da Academia dos Rebeldes (1928-1932), se fez presente no único número da revista modernista baiana “Meridiano” – Revista de Vanguarda (nº1, setembro 1929), com três textos “A arte de desagradar” entrevistando Pinheiro Viegas e “Poema instantâneo”, ambos assinados, além do editorial manifesto da revista.

Vejamos um trecho do artigo publicado em O Momento, edição, Ano I nº6, 15 de dezembro de 1931:

Alves Ribeiro sabe ser uma das mais brilhantes individualidades da nova geração intelectual brasileira que pela potencialidade do seu talento poliforme, quer pela sua privilegiada cultura, é, ainda, um grande caráter. Por isso mesmo, toda a razão da campanha desigual que, em surdina, lhe movem certos pulhas com fumaças de sábios, desta infeliz terra de Tomé de Souza. É que esses heróis de cretinismo e do elogio muito ridículos e impenitentes perpetrados de gozadissimos versos imbecis e de crônicas desossadas e burras, não podem reprimir o grande despeito que lhes arruína o fígado bilioso, ante a marcha ascendente de qualquer que tenha valor e renome, mas valor e renome construídos a golpes de talento e não de louva minhas torpes e insinceras.

O Momento – Foto: Reprodução

Em abril de 1939 foi instalada em Salvador a Sucursal da Agência Nacional, do Departamento Nacional de Propaganda – DIP cujo escritório estava localizado no 2º andar do edifício dos Correios e Telégrafos, onde o jovem bacharel de direito, José Alves Ribeiro acabara de ser nomeado chefe de seção, responsável pela Sucursal daquela Agência.

Membros da Academia dos Rebeldes- Foto: Reprodução

Segundo depoimento de Jorge Amado, amigo e companheiro do poeta confirma ser de sua autoria a editoria da revista Meridiano, em artigo publicado no jornal A Tarde, edição de 29, junho de 1975:

Alves Ribeiro – o hoje ilustre juiz do Tribunal do Trabalho Doutor José Alves Ribeiro – no primeiro número da revista Meridiano, órgão dos Rebeldes, em editorial não assinado, mas de sua exclusiva autoria, traçou os rumos de sua literatura de sentido universal porque plantada na realidade da vida brasileira, na tradição e no caráter original. Teorizando sobre criação literária no Brasil, o ensaísta adolescente opunha aos modismos europeus que dirigiam os movimentos ditos modernistas (em contraposição a elas, nós, os Rebeldes, nós afirmávamos modernos e não modernistas) uma literatura de problemas, temas, forma e seguimento brasileiro, resultando desse conteúdo nacional sua expressão universal.

Dissolvendo a Academia dos Rebeldes, cada um dos integrantes do grupo, tomou seu próprio rumo, e Alves Ribeiro afastou-se das letras. Durante algum tempo dedicou-se a advocacia, sendo nomeado a suplente do Conselho Penitenciário do Estado, em seguida contratado como professor de criminologia do curso de comunicação da Faculdade de Filosofia. Posteriormente por concurso ingressa na Justiça do trabalho, como Juiz da 5ª Região, sediada na Bahia de cuja Corte exerceu mais de uma vez a presidência.

Entre 1975/1976, conservando um das suas antigas características de rebelde, Alves Ribeiro publica por conta própria, para distribuir entre os amigos numa edição bastante simples (econômica), sem nenhuma referência sobre o autor, dois pequenos livros de poemas: Sonetos de maldizer (vinte poemas) e Sonetos de bendizer (dez poemas), pequena amostragem insuficiente para conhecer de sua obra poética. Apesar de escolher uma forma poética antiga, o soneto predominou no Classicismo e no Parnasianismo, foi cultivado por poetas de todas as épocas. Em geral, ele contém um tema tratado de maneira condensada, daí o efeito sobre o invulgar” leitor. Entretanto, esta escolha foi onde ele encontrou a forma mais exata para dimensionar seus sentimentos. Em ambos os livros, conseguem transmitir uma mensagem lírica em forma nova, onde a beleza é essencial. Sobre os livros comenta Jorge Amador na época da publicação: “são sonetos de amor da mais alta qualidade, de uma perfeição, de um oficio raros, cortados por um sopro lírico”.

Poeta, cronista e ensaísta, Alves Ribeiro era o grande líder da Academia dos Rebeldes, aquele que soube realmente abrir novos caminhos para os companheiros. Colaborou em diversos periódicos: A Luva, Etc., Meridiano, O Momento, O Estado da Bahia, Diário da Bahia, Flama, A Noite, A Bahia, Diário da Tarde (Ilhéus) e em outros Estados. No Rio de Janeiro, colabora em vários periódicos: Dom Casmurro, Boletim de Ariel e O Malho. Em Sergipe na revista “Modernista” Época.

O falecimento de José Alves Ribeiro em 27 de janeiro de 1978, foi terrível para os amigos e lembrado pelo antigo companheiro das noitadas baianas, E. D’Almeida Vitor, em artigo publicado no jornal A Tarde de 11 de março de 1979:

A notícia da morte de Alves Ribeiro, a 27 de janeiro de 1978, tive-a em Teresina por uma nota de falecimentos do Jornal do Brasil em sua edição do dia 30. Conquanto esperado o desenlace, do qual me prevenira por carta, Jorge Amado, e me confirmaria por telefone, de seu precário estado, o também seu amigo, ministro Carlos Coqueijo, sem embargo, chocou-me profundamente, a ponto de ver-me forçado a desfazer o compromisso de um jantar marcado com amigos piauienses para aquela noite desculpando-me e preferindo recolher-me ao meu apartamento no Grande Hotel Piauí, onde me encontrava hospedado, recomendando a portaria para que me avisasse qualquer contato pessoal ou telefônico. Meu primeiro pensamento foi para Jorge Amado, o amigo comum, escrevendo-lhe então, como se a gemer, doesse menos a dor que sentia. Depois, me envolveu um estado de prostração e uma sequência de lembranças levou-me a desandar pela vida meio século, desde que conheci Alves Ribeiro, nos idos dos anos finais da década de 20, quando comecei a imiscuir-me nas “rodas” literárias, ainda em Salvador.