GILFRANCISCO [*]
I. O Almanaque Sergipano de 1904 traz um longo texto de pesar sobre seu editor, Luiz Carlos da Silva Lisboa, que dirigiu com carisma e dedicação essa renomada publicação, animando a vida intelectual da cidade:
“O dia 23 de maio de 1903 foi de constante dos e de indizível mágoa para nós.
Foi nesse dia que caiu vencido pela arma truculenta da fatalidade um dos nossos mais dedicados amigos e excelentes companheiros de luta – o Professor Luiz Carlos da Silva Lisboa.
Como um Íris funesto, a triste manhã desse dia envolveu-se, porque todos sentiam no coração uma tristeza inextinguível velada pela dor agudíssima da saudade com o desaparecimento de tão digno cidadão.
Em menos de 15 dias fulminou-o uma rebelde lesão cardíaca que zombou de todos os recursos empregados pela sua desolada família”.
Nascido no Estado da Bahia em 1850, onde feito reconhecido aproveitamento no seu curso preparatório, em busca de vida melhor passa a residir em Aracaju a partir de 28 de abril de 1870. Na verdade, veio servir na Secretaria de Governo, ocupando mais tarde os cargos de Promotor Público da cidade de São Cristovão e Presidente do Conselho Municipal, Secretário da Diretoria da Instrução Pública, fiscal dos exames gerais de cursos preparatórios e lente de inglês do Ateneu Sergipense, passando depois a reger a cadeira de Geografia Geral e Astronomia, exercendo as funções até o seu falecimento. Houve uma época, no Ateneu que lecionou a cadeira de História em substituição ao bacharel Justiniano de Melo e Silva, que se achava em gozo de licença.
Mestre exemplar, querido por todos os seus discípulos, Silva Lisboa era um trabalhador incansável e deixou as seguintes obras.
Redigiu na terra natal os periódicos: Bosquejo Literário (1865) e A Estrela D’Alva (1866-1867) com Paulo Marques. Em Sergipe atuando como dramaturgo escreveu para o teatro, Madeira (drama histórico) e. Andaluza (drama realista em cinco atos). Suzana (romance abolicionista – 1878), publicado anteriormente no Diário de Sergipe com o título de Liberta, As desgraçadas (romance abolicionista – 1882), Paraguaçu (romance – publicado na Gazeta de Sergipe), O Homem de Ouro (romance de costumes), O Anjo dos Túmulos (contos), Indiana (romance, 1892), O Inspirado (apoteose a Vitor Hugo), Maldição do povo (poesia), Misérias da Pátria (poesia), A jovem República (poesia), Canção do Século (poesia), Trovas e sonetos (poesia), O Rei dos beócios (romance, 1897).
Tendo integrado a vida sergipana, política e culturalmente, através da imprensa colaborou nos jornais sergipanos: Diário Popular (1879), A Província (1885), O Mercantil (1886), Eco Liberal (1887-1891), O Monitor (1889) A Notícia (1896-1898) e outros. Em 1895 é nomeado pelo Presidente da Província, General Manuel Presciliano de Oliveira Valadão (1849-1921) para assumir a direção e redação da recém-criada Imprensa Oficial do Estado de Sergipe. Silva Lisboa é autor do primeiro livro “didático” sergipano, Chorographia do Estado de Sergipe, publicado pela Imprensa Oficial em 1897, aprovado pelo Conselho Superior da Instrução Pública, conforme parecer datado de 29 de julho de 1896, para uso nas escolas públicas, teve sua impressão autorizada pela Lei 199, de 11 de novembro de 1896, assinada pelo Presidente Martinho César da Silveira Garcez (1850-1918). Quando o livro foi publicado, o renomado jornalista, redator do jornal O Estado de Sergipe e Diretor da Inspeção Pública (1898) Manoel dos Passos de Oliveira Teles (1859-1935) teceu comentário crítico, apontando alguns erros e falhas de conteúdo publicando-os no livro, Sergipenses – Escritos Diversos, Typ. d’O Estado de Sergipe, 1903.
II. Chorographia de Sergipe
“O nosso companheiro de lides jornalísticas major Silva Lisboa, acaba de dar a última de mão em uma nova obra, que brevemente verá a luz da publicidade, denominada Chorographia de Sergipe.
Há muito tempo que, com invejável paciência o nosso incansável confrade reúne elementos para conseguir o seu patriótico intento já viajando, várias vezes pelas localidades do interior, já haurindo informações de fontes insuspeitas, até que, vencendo todas as dificuldades atingiu o alvo desejado.
O trabalho é dividido em três partes distintas. Na primeira ocupa-se o autor da chorographia física, dando-lhe o preciso desenvolvimento, sobretudo no que diz respeito à hydographia, descendo à proveitosas minudências, que dão à obra um caráter de geral utilidade.
Na segunda trata da chorographia política, descrevendo o nosso machismo administrativo com todas as suas molas reais, sem omitir a menor circunstância.
Na terceira ocupa-se largamente da topographia geral, descrevendo com máximo interesse e método as cidades com todas as suas galas, as vilas como todos os seus requisitos, e, por fim, os povoados com as indicações dos municípios a que pertencem, determinando as distâncias em que estão uns para com os outros.
Sobretudo, o que mais atrai a atenção, são os dados estatísticos que as obras contem, reveladores de penosos estudos e de não menos penosas vigílias e lucubrações
Incontestavelmente o aparecimento desse livro que descreve o Estado por todas as suas faces, pode-se dizer que será para nós um sucesso, porque vai tornar Sergipe bem conhecido, mostrando ao mundo as suas riquezas naturais e o futuro que poderá atingir si essas riquezas forem bem aproveitadas.
Até hoje temos vivido em plena obscuridade, porque o estado é apenas conhecido como um ponto geographico e isso muito imperfeitamente.
Em todos os compêndios de geographia, fala-se de Sergipe com uma intolerável superficialidade, e isso mesmo cometendo-se erros palmares.
A Chorographia do Estado de Sergipe, pois, pelo modo por que está trabalhada, vem necessariamente preencher uma grande lacuna, em que temos vivido até hoje.
Por nenhum mérito que tivesse a obra bastaria a prioridade da Idea para recomendar o autor à benevolência, à gratidão da família sergipana.
Aguardando a publicação da obra enviamos um brado de animação ao autor, aliás já muito conhecido entre nós pelas suas produções literárias”.
(Diário Oficial do Estado de Sergipe, 4 de julho, nº238, 1896. Republicado do jornal A Notícia, edição do dia anterior)
III. Morto em Aracaju em 23 de maio de 1903, o corpo do professor, jornalista e major Silva Lisboa saiu do Ateneu Sergipense às 7 horas da manhã com destino a igreja Matriz, a fim de receber as bênçãos e encomendações do ritual católico. Seguraram nas alças do caixão desde a residência do finado até o cemitério público, os estudantes do Ateneu Sergipense, que deram mais uma prova de veneração e respeito à memória do seu mestre querido. Entre muitas grinaldas e capelas de flores naturais, os alunos do Ateneu gravaram em larga fita a significativa inscrição: “Ao professor Silva Lisboa – tributo de amizade de seus colegas e dos estudantes de Ateneu. ” Após eloquente oração à beira do túmulo, enaltecendo as nítidas qualidades do estimado falecido os alunos José Barreto, Luiz José da Costa Filho e Álvaro silva, que foram ouvidos com a mais profunda atenção:
“Finda a cerimônia do enterramento, dirigiram-se os estudantes à casa da residência da ilustre e consternada família do finado, a fim de apresentarem suas condolências; sendo recebidos pelo Sr. Oscar Lis, filho do falecido, e que havia chegado de Japaratuba, de cuja estação telegráfica é encarregada, na hora do saimento”.
Após seu sepultamento foi publicado por vários dias no jornal O Estado de Sergipe, nota de agradecimento da Comissão encarregada da celebração das exéquias do desditoso professor Luiz Carlos Silva Lisboa:
“Ainda sob o peso da mais acerba dor e profunda comoção, vem por este meio convidar aos amigos e parentes do ilustre extinto estudante das diversas casas de instrução desta capital, corpo docente do Ateneu Sergipense e da Escola Normal e as exmªs normalistas para assistirem ao ofício fúnebre que por alma do mesmo ficado mandará rezar às 7 horas da manhã do dia 24 do corrente, na Matriz desta cidade; bem como convida ainda para, em romaria visitarem o túmulo recém-fechado do pranteado morte, às 4 horas da tarde deste mesmo dia.
Desde já a mesma Comissão hipoteca os seus sinceros agradecimentos a todas as pessoas que concorrem a esses atos de religião e caridade.
Aracaju, 25 de maio de 1903
Domingos Gordo, Álvaro F. da Silva, Luiz Galvão, Antônio de Resende e Eunápio Simões dos Reis”.
Neste mesmo periódico o agradecimento da família se faz presente:
“Oscar Lisboa, Otávio Lisboa (ausente), Mário Lisboa e João Lisboa (ausentes), Elisa Lisboa, Eduardo Lisboa e Carlos Lisboa, vêm do alto da imprensa agradecer a todas as pessoas que compartilharam de sua grande dor com o falecimento do seu querido e sempre chorado pai Luiz Carlos da Silva Lisboa, não podendo jamais olvidar os obséquios prestados pelos Srs. Estudantes do Ateneu Sergipense, Dr. Antônio Garcia Rosa, José Bonfim, família Brito o Professor Alexandre Teixeira; e, por terem de seguir para a vila de Japaratuba os que aqui se acham, porque a isto os arrastam motivos imperiosos, agradecem, ainda uma vez aos mesmos estudantes o grande favor de mandarem celebrar uma missa de 7º dia em sufrágio da alma do mesmo falecido. Sentidamente lamentam não poderem assistir esse ato de religião e amor da parte dos dignos moços, mas garantem fazerem-se representar na referida solenidade.
Aracaju, 25 de maio de 1903”
Na missa de mês realizada às 7 horas na igreja Matriz desta cidade, além dos parentes, amigos, estudantes do Ateneu Sergipense, marcaram presença o corpo docente do Ateneu e da Escola Normal, representantes de várias classes sociais:
“Ao ato, que foi bastante concorrido, como era de esperar, compareceu crescido número de alunos do estabelecimento supracitado, os quais respeitosamente cercaram o vistoso cenotáfio, artisticamente ereto no centro da nave do majestoso templo aracajuense, diversos membros do Corpo docente do mesmo Ateneu e da Escola
Normal, representantes de várias classes sociais e muitas senhoritas normalistas, além de distintas famílias das relações do ilustre finado.
Seguiu-se à Missa o momento, sendo celebrada aquela e entoado este pelo Reverendo, vigário Manoel Raymundo de Melo, pároco da freguesia.
A banda marcial do Corpo de Polícia, gentilmente cedida pelo digníssimo capitão Antonio Ribeiro, zeloso comandante interino do mesmo Corpo, executou durante as lúgubres cerimônias várias peças do seu vastíssimo arquivo, derramando no perfumado ambiente plangentes acordes que arrancaram muitas lágrimas no contristado auditório. ”
Luiz Costa Silva Lisboa exerceu vários cargos públicos desempenhando-os, com zelo e inteligência, prestando muitos benefícios a sociedade sergipana. Proprietário e redator principal do Diário de Notícias, Silva Lisboa contribuiu com suas colaborações com brilhantismo na imprensa sergipana, através dos jornais: Cansanção, Guarany, Americano e na Ordem.
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[*] É jornalista e escritor. E-mail: glfrancisco.santos@gmail.com
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