GILFRANCISCO (*)
O coronel estanciano José Augusto Cesar Ferraz, faleceu em Aracaju às 11 horas da noite do dia 3 de maio de 1906, vitimado por pertinazes e cruéis padecimentos, que converteram seus derradeiros dias numa verdadeira amargura. Conforme Certidão de óbito, causa da morte, ectozia da porção ascendente da aorta torácica.
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Nascido na pitoresca cidade da Estância em 10 de abril de 1848 e os seus pais, que se esmeraram por dar-lhe uma severa educação doméstica, poderem somente fazê-lo estudar quanto preciso para enxertar a vida comercial que foi iniciada na Bahia. Cesar Ferraz viveu de pequeno comércio, mora de pequena cultura, assim viveu por algum tempo, sem passar de uma obscuridade honrada e sóbria.
Foi casado com Anna Ferraz (1858-1918), deixando quatro filhos; Thales Ferraz (1878-1927), solteiro; Álvaro Ferraz (1888-1918), solteiro; Lysippo Ferraz (– 1936), casado em 1919 com Eurídice Chaves e Belisana Ferraz da Fonseca, casada com o advogado lagartense Genulpho Freire da Fonseca (1883-1937). O coronel José Augusto Cezar Ferraz era um exemplo raro de inteligência, energia e bondade. Fora empregado no comércio da Bahia, e voltando a Sergipe sua terra natal ali desenvolveu várias atividades entre elas, a de negociante de escravos. Vejamos algumas peças publicitárias:
Compra de Escravos
Desde o dia 19 de junho de 1875, o Jornal de Aracaju vinha publicando peças publicitárias em favor de José Augusto Cezar Ferraz. Vejamos três delas:
Atenção
José Augusto Cezar Ferraz, compra escravos de ambos os sexos, sendo bonitas figuras, e saca sobre a praça da Bahia.
Pode ser procurado na Rua de Laranjeiras nº 28, ou no Hotel Brasil.
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Outra publicidade do mesmo teor publicada no mesmo jornal na edição de 16 de outubro de 1875. Vejamos:
José Augusto Cezar Ferraz, continua a comprar escravos de ambos os sexos, e a sacar sobre a praça da Bahia. Pode ser procurado em Maroim, na casa do Sr. Manoel Correia Dantas, e nesta cidade em casa do Sr. Rodrigues Guimarães.
Aracaju, 1º de outubro de 1875.
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O anúncio desta vez foi publicado no Diário de Sergipe (órgão da Lavoura, do Comércio e da Indústria), de 28 de junho de 1877:
José Augusto Cezar Ferraz continua a comprar escravos de ambos os sexos e a pagar por maior preço que outro qualquer, sendo bonitas figuras.
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Graças a sua inteligência e seu espírito de empreendedor (negociante), José Augusto Cezar Ferraz em 1877, juntamente com seu irmão Júlio Cezar Ferraz, falecido em novembro ou dezembro de 1890¹ que em requerimento pedem privilégio por trinta anos para estabelecerem na capital do Estado um serviço de carros para passeio e fúnebre, considerando de reconhecida utilidade. O parecer da Assembleia Legislativa provincial resolve:
Art. 1; O presidente da província autorizado a conceder privilégio exclusivo por quinze anos à Ferraz e Irmão um serviço de carros decentes para passeio e fúnebres.
Art.2; O presidente da província de acordo com os concessionários regulará a tabela dos preços, tanto dos carros de passeio, como dos fúnebres, tendo em consideração o valor dos carros, e as distâncias que tenham de percorrer.
Art. 3; Durante o prazo do privilégio ninguém poderá estabelecer igual empresa, salvo permissão dos concessionários, podendo estes fazer cessão, se convier.
Art. 4; revogam-se as disposições em contrário.
Sala das Comissões, 25 de abril de 1877.
Um fato curioso ocorreu logo em seguida à morte do seu irmão Júlio Augusto Cezar Ferraz quando o governo do Estado assinou o contrato concedendo aos cidadãos João de Azevedo Freire (novo sócio) e José Augusto Cezar Ferraz, o privilégio por 30 anos para o estabelecimento na capital e seus subúrbios de um serviço de transportes por meio de carros urbanos de tração animal, conforme publicação de 21 de março de 1891 no jornal O Republicano.
Em maio de 1881 José Augusto Cezar Ferraz desenvolvia na firma, Cruz & Cia as funções de guarda-livros. Por decisão da diretoria da Associação Sergipense, empresa
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¹ Há divergência nos jornais com relação aos meses: novembro e dezembro.
encarregada do serviço da rebocagem e praticagem na barra do Cotinguiba (Rio Sergipe), o encarregou de todos os negócios da mesma Associação, em virtude de ter sido exonerado do cargo de gerente Estanislau Pacheco Pereira:
De ordem da Diretoria desta Associação são convidados os senhores acionistas a reunirem-se em sessão ordinária da Assembleia Geral, no dia 20 do corrente às 11 horas da manhã no escritório da mesma Associação, a fim de lhes ser presente o relatório e balanço da receita e despesas no último ano social.
Na mesma sessão eleger-se a nova Diretoria, e é permitida a representação por procuração de acordo com o artigo 21 dos estatutos.
Escritório da Associação Sergipense no Aracaju.
1º de maio de 1882
O Gerente
José Augusto Cesar Ferraz
Em agosto de 1887, Augusto Ferraz retorna do Rio de Janeiro, onde passou quatro meses, resolvendo assuntos relativos aos negócios das empresas. Três anos mais tarde em setembro, José Augusto Cezar Ferraz na qualidade de gerente da Associação Sergipense, solicita ao Tesouro do Estado, através de Requerimento pagamento da subvenção correspondente aos meses de abril, maio e junho. São constantes os Requerimentos enviados pelo gerente ao Tesouro do Estado. Anteriormente havia cobrado os pagamentos da subvenção, referente aos meses de janeiro, fevereiro e março.
Quando faleceu o querido irmão, José Augusto agradeceu em nota publicada na imprensa, a todos os seus amigos que fizeram o caridoso obséquio de acompanhar o enterro de seu idolatrado irmão, rogando a todos que assistiram à missa pela alma do falecido. A missa foi realizada na capela de S. Salvador.
Em dezembro, José Augusto requereu ao Tesouro da Província, pagamento da subvenção de três contos de réis, relativo a viagem redonda do paquete “Satellite”. Em janeiro do ano seguinte, 1891 José Augusto Cezar Ferraz, agente da Companhia de Estrada de Ferro e Navegação, solicita pagamento da subvenção do paquete “Satellite”, terminada em 22 do mês corrente.
Em 25 de janeiro, O Republicano publica a lista nominativa dos sócios da Sociedade comanditária por ações – Cruz & Cia. – Aracaju, 5 de janeiro de 1891, totalizando 49 sócios com um capital de 250.500:000$, conforme registro nas folhas 65- 68 do livro competente. Inspetoria Comercial, 15 de janeiro, 1891. Esse tipo de sociedade comercial em que parte dos sócios entra apenas com capital, sem participar da administração. O comanditário, membro de uma sociedade em comandita, responsável pelas suas dívidas no limite do capital que subscreveu.
Em 5 de maio de 1891 José Augusto foi nomeado coronel comandante superior da Guarda Nacional de Aracaju. Dois anos depois, com o falecimento do sócio diretor João Rodrigues da Cruz, o controle da fábrica Sergipe Industrial fica com o irmão Thomaz Rodrigues da Cruz e José Augusto Cezar Ferraz, sócio da empresa.
José Augusto Cezar Ferraz, sergipano distinto, exemplo fecundo de trabalho e probidade, honra do Estado de Sergipe, faleceu em Aracaju a 3 de maio de 1906. Ao completar um ano do seu falecimento, foi celebrada missa na capela N. S. de Lourdes e na capelinha do bairro Industrial.
Sergipe Industrial – publicidade – Foto: Reprodução
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Sepultamento
O enterro dos restos mortais do distinto e pranteado coronel José Augusto Cezar Ferraz teve lugar ontem, às 5 horas da tarde.
Todo o Bairro Industrial se havia convertido em uma verdadeira necrópole.
A capelinha da fábrica, transformada em câmara ardente, em cujo centro erguia-se vistosa essa, oferecia o aspecto mais lúgubre e compungem-te que se pode imaginar.
Seguraram nas alças do negro caixão pessoas da família e da íntima amizade do oronel José Augusto, em demonstração do quanto sentiam o golpe profundo que lhes havia alanceado o coração.
O ato da encomendação foi executado pelos revms. Manoel Raimundo de Mello, João Florêncio da Silva Cardoso e Possidonio Pinheiro da Rocha, que entoaram os magoados cânticos do fúnebre ritual da igreja.
Assistiram a esse palmear de lágrimas e de dores para mais de 1000 pessoas, quer desta cidade e muitos lugares do interior, quer da Sergipe Industrial, cujos operários assistiram todos contristados e compungidos o enterro de seu benfeitor.
Eis as inscrições que se liam nas grinaldas e capelas, depositadas sobre o caixão que encerrava os despojos:
(Estado de Sergipe. Aracaju, nº 2.189, 6 de maio de 1906)
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A Missa do 7º Dia
Realizou-se ontem a missa de 7º dia, mandada celebrar pela família do coronel José Augusto Cezar Ferraz em sufrágio da alma daquele nosso distinto patrício e amigo, na capela de S. João no Bairro Industrial desta capital.
A capelinha estava convertida em uma verdadeira necrópole, tendo além de muitos emblemas e inscrições mortuárias, erguida no centro vistosa e rica essa, que dominava todas as atenções pelo seu bem-acabado artístico.
Foi celebrante o revm. Vigário Diogo José de Sant’Anna, que recitou os Salmos dos mortos defronte da referida e no sítio em que se acham depositados os preciosíssimos restos mortais do coronel José Augusto.
Além da consternada família, assistiram o ato muitos cavalheiros desta capital e de vários pontos do interior do Estado, que foram pressurosos em dar ao querido amigo esta última e dolorosa prova de amizade.
(Estado de Sergipe. Aracaju, nº 2.189, 10 de maio de 1906)
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O Homenageado
Dezesseis anos após a morte em 1906 do coronel José Augusto Cezar Ferraz, durante a inauguração do Parque da Sergipe Industrial em 1922, idealizado por ele, sua memória foi lembrada, através da reportagem do Diário da Manhã, de propriedade do coronel Apulchro Motta, edição nº 2425 de 15 de fevereiro:
Sergipe Industrial
José Augusto Cezar Ferraz fez jus à saudade de Aracaju pelo que ele deixou ali na Sergipe Industrial, de útil e de agradável, devendo sua memória estar sempre cercada do carinho a que fazem direito as almas superiores.
Vindo dos brincos infantis às margens do Piauytinga, nessa Estância tão cantada e decantada nos quadros de sua formosa natureza e nas palavras de sua tradição, pobre, paupérrimo de bens materiais, sem títulos nobiliárquicos, conquistou, pela sua conduta irrepreensível e dotes de corajoso iniciador, a confiança de todos com quem trabalhou, que apelaram para o seu esforço e ideias, lançando ancoras, por fim, no coração da família Cruz, que lhe premiou o merecimento com o testemunho constante da mais dedicada confiança.
A Sergipe Industrial, nas conquistas da sua ordem, disciplina, métodos de trabalho, aspecto ornamental e lineamento estéticos, desperta duas magníficas recordações, as do seu fundador, a alma benfazeja que foi João Rodrigues da Cruz, fornalha de trabalho e amor, com a febre filantrópica do alheio bem, vivendo, numa abnegação sem limites, para os outros, desde verdes anos de sua idade, guiando, com mão predestinada, para o futuro de conquistas, toda essa família que, entre nós, vive dos mais fidalgos gestos, e as recordações do Estanciano humilde que foi José Augusto, surpreendente organização de homem superior, milagre das arrestadas da vida, da pobreza ingrata, que é como geada no floral viçoso, a desenganadora pobreza que ceifa, impiedosa, as melhores esperanças do homem, e que só os temperamentos de exceção dominam vitoriosamente.
Vêm-nos essas considerações da visita que, anteontem, fizemos ao parque da Sergipe Industrial, ultimamente inaugurado pelo seu Diretor o Dr. Thales Ferraz.
Ali está ainda José Augusto, onde acha-se encravada a fábrica, em cada pedra, em cada lar, em cada árvore, no todo e na minudencia, solicito, cuidadoso, inteligente, com a preocupação da estética e do conforto, de modo que a Sergipe Industrial viesse a ser, como é, um lugar do utile et dulce, isto é, com o ganha-pão para manutenção física e as variadas distrações para o alimento do espírito.
O parque é patrimônio a firma Cruz, Ferraz & Cia. Proprietária da Sergipe Industrial, composto de um terreno com 1250 metros quadrados e cercado por um gradil artístico de madeira, arborizado por umas 25 árvores frutíferas, de onde pendem as belas mangas rosas, sobretudo uma que nos namorava e que nos não acompanhou por estar ainda verde.
À entrada, que se faz pela antiga rua do Caiçá, hoje denominada – Natal – pela preocupação galante de um antigo prefeito da cidade, notam-se duas formosas palmeiras imperiais.
No centro, mais ou menos, do parque, está um lago com chafariz, onde falta apenas o Doce Remígio, o espalmar tranquilo de uns alvos patinhos, e contornado de 6 palmeiras carnaúbas.
Junto ao gradil, em toda a extensão, canteiros artísticos com tufos e arbustos, e 5 caramanchões em madeira tosca de onde caem, graciosas, lindas trepadeiras silvestres.
O mobiliário caprichosíssimo, correspondente a 450 espectadores sentados, é de madeira tosca engradada engenhosamente, com aproveitamento de todas as nervuras e voltas naturais da mesma, e derrama-se por toda a grande área do parque.
Lá está também, à extrema esquerda de quem entra, um teatrinho, com 8 metros de altura, três camarins, e onde, com dois proveitos num só saco, fazem-se cinema e representações teatrais.
Na fachada, ao alto, está o emblema da Sergipe Industrial.
O pano de boca revela um jardim a Luiz XIV, e o fundo a melancólica e poética paisagem – O solar abandonado – cópia de João Ribeiro ao quadro muito conhecido de João Baptista da Costa.
Junto ao lago a cabine cinematográfica com aparelho “Pathé”. E a um lado o exótico bar rústico, com incontável variedade de bebidas, sorvetes etc. por preços muito inferiores aos das outras casas similares desta capital.
Mais além duas casinhas indicam esplendidos lavatórios e aparelhos sanitários rigores de uma boa higiene, e a um lado do teatro, ao fundo, um galpãozinho fechado onde está guardado o auto piano, que faz parte da orquestra de violinos, violoncelos, flautas, violões, etc.
A iluminação é fornecida pela energia da Sergipe Industrial, com 256 lâmpadas, de várias cores, num total de 10.252 velas, a pingarem, a escorrerem, feericamente, das ramagens verde escuras das mangueiras e palmeiras, e a refletirem-se também no lago que se encanta em linda irisação.
De toda a nossa visita, feita ao esplêndido melhoramento, começado por José Augusto e germinado por seu filho, o Dr. Thales Ferraz, trouxemos as festas intimas de quem esteve diante de um magnífico progresso local.
E si nos fosse dado uma lembrança, uma coisa apenas ousaríamos em frente de tudo que vimos de ver com ufania, e era suprir a falta que notamos do nome de José Augusto ao parque, que foi ideia sua, e que seu filho, por natural escrúpulo, certamente, não se animou a fazê-lo.
O nome do saudoso extinto, impõe-se ali.
Aqui fica a lembrança de uma singela reportagem.
Após falecimento do coronel, em agosto de 1907 a viúva D. Anna Ferraz solicita à Delegacia Fiscal do Estado, diretos deixados pelo esposo através de requerimento:
Requerimento: de D. Anna Ferraz, pedindo o cumprimento do alvará junto, a fim de ser feita a transferência para os nomes de seus filhos Álvaro Ferraz, Lesippo Ferraz e Belisana Ferraz, das apólices federais que aos mesmos couberam por herança do seu pai José Augusto Cezar Ferraz. – Compra-se o alvará, nos termos das informações.
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(*) É jornalista, escritor, Doutor Honoris Causa concedido pela UFS. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do GPCIR/CNPq/UFS. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com
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