Prof. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá
Departamento de História
Universidade Federal de Sergipe
Os estudos biográficos de trabalhadores rurais e pequenos proprietários como sujeitos políticos não têm tido a devida atenção por parte da historiografia brasileira, no que se refere à militância sindical e política da busca pela conquista dos direitos trabalhistas e sociais. Aos poucos, as memórias de lideranças rurais têm vindo à lume, especialmente em entrevistas realizadas por pesquisadores de instituições universitárias sobre as experiências e desafios da emergência do campesinato como sujeito político entre as décadas de 1950 e 1990. Podemos citar aqui os livros de Manuel da Conceição, com Ana Maria Galano (CONCEIÇÃO, 1980), de Irineu Luís de Moraes, com Cliff Welch e Sebastião Geraldo (WELCH e GERALDO, 1992), Elizabeth Teixeira, com Lourdes Bandeira, Neide Miele e Rosa Godoy (BANDEIRA, MIELE e SILVEIRA,1997) e Leonilde Sérvulo de Medeiros (s/d), que realizou, no âmbito do Programa Movimento Camponês – Igrejas CEDI, entrevistas com Avelino Ganzer, Luis Silva, José Roberto Trampolim, José Novaes, entre outros, no III Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em outubro de 1988.
Ao ler essas publicações, saltou-me aos olhos a trajetória de José Gomes Novaes (Zé Novaes – 29/10/1928 – 22/06/1992) como liderança relevante da emergência do campesinato como sujeito político nas décadas de 1960 e 1990. Sua presença marcante na organização de sindicato no campo alagoano, com a regulamentação do sindicalismo rural, em 1962, no contexto das reformas de base, estava vinculada à militância no Movimento de Educação de Base (MEB), fundado em 1961, e, depois, na Ação Popular (AP), criada em 1963. Como dirigente local do Sindicato de Água Branca (AL) e da Federação de Trabalhadores na Agricultura (FETRAL), teve destacada participação nacional como terceiro vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). Após o golpe de 1964, aderiu ao marxismo-leninismo e ao maoísmo, radicalizando suas posições políticas, ao longo dos anos 1960 e 1970, na Ação Popular Marxista-Leninista (AP-MP) e, depois, no Partido Comunista do Brasil (PC do B).
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¹ Agradeço ao professor Edvaldo Nascimento, de Delmiro Gouveia, por tornar possível esse texto, construído nas andanças pelos sertões alagoanos.
Na crise da ditadura empresarial-militar, suas críticas à guerrilha do Araguaia levaram-no à dissidência do PC do B, com a criação do Partido Revolucionário Comunista (PRC), que, posteriormente, nas décadas de 1980 e início dos anos 1990, o levou a participar, nacionalmente, na política sindical e partidária, como dirigente na Central Única dos Trabalhadores (CUT) e no Partido dos Trabalhadores (PT).
É incrível como essa trajetória exemplar não tenha tido a devida ressonância historiográfica sobre sua presença na luta sindical e partidária das organizações de esquerda no Brasil. Contudo, identificamos alguns artigos e verbetes, que trazem elementos relevantes para a composição de sua biografia política. No dicionário, produzido pelo Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT, registram-se o nascimento em 29 de outubro de 1928, em Pariconha, então município de Água Branca (AL), a migração para São Paulo, nos anos 1950, estabelecendo os primeiros contatos com o movimento sindical, quando participou da greve dos sapateiros, em 1960 (Dicionário biográfico http://cedoc.cut.org.br/cedoc/dicionario-biografico/963. Acesso em 10 de abril de 2020)2.
Logo depois da experiência em São Paulo, o “Velho Novaes” retornou para o sertão alagoano, contribuindo para a formação do sindicato dos trabalhadores rurais de Água Branca, em 1963, sob a influência da Igreja católica local, e o avanço nas formas de organização dos trabalhadores e índios da região (SILVA, 2007: p. 105).
Diante dos problemas políticos de organização sindical e partidária na luta pela democratização da terra no Nordeste brasileiro, ele militou no Movimento de Educação de Base (MEB), que, em Alagoas, foi “o maior instrumento de articulação da esquerda católica”, unificando programas de conscientização política, a partir da alfabetização, cultura popular e sindicalização. No processo de formação política da esquerda católica, “a ideia de revolução aparecia como antítese da ideia de evolução capitalista”, numa perspectiva comunitarista (SILVA, 2007: p. 131 e 132).
Como partícipe da Ação Popular (AP), atuou como dirigente do Sindicato de Água Branca (AL) e da Federação de Trabalhadores na Agricultura (FETRAL), em Alagoas, tornando-se terceiro vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), em agosto de 1963, em um acordo entre as militâncias católica e comunista, com o objetivo de excluir as Ligas Camponesas da direção da luta política camponesa (MARTINS, 1984: p. 87-88).
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² O verbete se baseou no Fundo Central Única dos Trabalhadores – Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT e em um artigo de Adilson Amorim de Souza e Edinalva Padre Aguiar, publicado na revista CEAS (2003).
Estudar sua trajetória política é fundamental para a compreensão das transformações ideológicas de parte dessa esquerda católica, com relação à posterior adesão ao marxismo-leninismo e ao maoísmo, motivada pelo processo de radicalização política ao longo dos anos 1960 e 1970, tanto em sua atuação na Ação Popular Marxista-Leninista (AP-MP), quanto na inserção ao Partido Comunista do Brasil (PC do B).
Em entrevista realizada pelo militante ao LABOR/UESB, Adilson Amorim de Souza e Edinalva Padre Aguiar puderam registrar outros dados biográficos do Velho Novaes. Apesar de algumas imprecisões quanto a sua trajetória, pois foi afirmado que ele retornou à cidade natal no final dos anos 1960, encontramos passagens relevantes da entrevista para a composição da biografia política do personagem, como, por exemplo, no trecho sobre o despertar da consciência de classe quando da greve, em São Paulo, no ano de 1960. Em 1966, ele foi eleito vereador, em Água Branca (AL), pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), mas não concluiu o mandato, por sérias divergências com os latifundiários da cidade. Entretanto, o texto acaba por privilegiar sua participação na vida política de Vitória da Conquista (BA), na organização dos trabalhadores rurais no âmbito da Central Única dos Trabalhadores e do Partido dos Trabalhadores, desde o final dos anos 1970 até o início dos anos 1990 (SOUZA e AGUIAR, 2003).
No final dos anos 1970, o “Velho Novaes” rompeu com o PC do B, organizando, com outros militantes dissidentes, o Partido Revolucionário Comunista (PRC), que desempenhou, na Bahia, papel importante na criação do Partido dos Trabalhadores, inclusive, como dirigente, candidatou-se, em 1982, a vice-governador do estado. Além disso, na reconstrução do movimento sindical dos trabalhadores rurais, teve atuação de destaque no sindicalismo cutista ao longo dos anos 1980 e início da década de 1990, tanto ao nível estadual quanto nacional, como secretário nacional rural (quando o Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais ainda era uma secretaria), de 1983 a 1986 e Vice-Presidente da CUT para a região nordeste. No Informativo da CUT, datado de 25 de junho a 2 de julho de 1992, foi registrado seu falecimento aos 63 anos, vítima de parada cardíaca.
Esse breve artigo faz um chamado para que os jovens historiadores aprofundem seus estudos sobre esse personagem central da emergência da luta camponesa como sujeito político no Brasil, especialmente por sua atuação decisiva na organização da esquerda brasileira. É inadmissível a inexistência de um trabalho de fôlego sobre político e sindicalista tão importante na história das lutas camponesas no Brasil, somente tratado por artigos, verbetes e alusões memorialísticas.
Em um momento de ataque orquestrado por forças políticas reacionárias contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no Congresso Nacional, lembrar sua trajetória sindical e partidária talvez seja uma forma de compreendermos a atualidade da luta pela democratização da terra no Brasil, efetuando uma releitura do passado histórico para avançarmos no bom combate contra as oligarquias, que teimam em manter o subdesenvolvimento no Brasil.
BIBLIOGRAFIA
AGUIAR, Edinalva P.; SOUZA, A. A. José Gomes Novaes: vida e ação política. Cadernos do CEAS (Salvador), Salvador, v. 204, p. 65-87, 2003.
BANDEIRA, Lourdes Maria, MIELE, Neide e SILVEIRA, Rosa Godoy (org.). Eu marcharei na tua luta: A vida de Elizabeth Teixeira. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 1997.
CEDOC/CUT. José Gomes Novaes. In: Dicionário Biográfico. Endereço eletrônico: https://cedoc.cut.org.br/cedoc/dicionario-biografico/963CONCEIÇÃO, Manuel da. Essa terra é nossa: Depoimento sobre a vida e as lutas de camponeses no Estado do Maranhão (Entrevista e edição de Ana Maria Galano). Petrópolis: Vozes, 1980.
MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1984.
MEDEIROS, Leonilde (coord.). Sindicalismo no Campo: Avaliação, Perspectivas e Desafios. Rio de Janeiro, CEDI, s/d.
SILVA, Amaro Hélio Leite da. Serra dos Perigosos: guerrilha e índio no sertão de Alagoas. Maceió: EdUFAL, 2007.
WELCH, Cliff e GERALDO, Sebastião. Lutas camponesas no interior paulista: Memórias de Irineu Luís de Moraes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992
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Foto: Arquivo Pessoal
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