GILFRANCISCO [*]

Nosso Tribunal, nesses anos, conquistou alta consciência funcional e cívica, partido de uma simples lei, montou-se numa estrutura que se aperfeiçoa no tempo, enriquecida de experiências, graças a todos os agentes – conselheiros, procuradores, auditores e funcionários. Caminhamos um sentido perfeccionista, sem imobilismos, observando a realidade, para o melhor ajustamento criativo. A regra é o equilíbrio, nem os avanços desprezando as experiências firmadas, nem a fixidez autofágica.  (M.C.M.)

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Antecedentes

            O nome de Rui Barbosa (1849-1923) é indissociavelmente ligado à criação dos Tribunais de Contas do Brasil. Durante o Período Imperial, muitos juristas e homens públicos preocupados com o uso adequado das verbas governamentais; manifestaram a necessidade de se criar um Tribunal de Contas no país. Mas somente após a Proclamação da República, em 1889, o ideal do estabelecimento de um órgão fiscalizador das contas do governo foi concretizado, dado o efusivo empenho de Rui Barbosa. Então Ministro da Fazenda do governo Deodoro da Fonseca, Rui Barbosa, que considerava o Tribunal de Contas uma peça vital no organismo do Estado conseguiu dar-lhe existência legal, na União, pelo Decreto nº960-A, de 7 de novembro de 1890. Todavia foi à primeira Constituição Republicana, datada de 1891, a qual Rui Barbosa ajudava a redigir, que efetivamente criou em seu artigo 89, uma Corte de contas no país. A instalação do Tribunal de Contas da União ocorreu em 17 de janeiro de 1893, dois anos após a promulgação da Carta Magna.

Um fato pouco conhecido entre os sergipanos é que tivemos um Ministro no Tribunal de Contas da União (nomeado em 19 de março de 1937), do qual foi Presidente e Vice-Presidente, cargo em que se revelou um magistrado íntegro, falecendo nos exercícios das funções de Ministro. Trata-se de Bernardino José de Souza (1884-1949), nascido no engenho Murta, Vila Cristina, hoje Cristinápolis (SE). Pesquisador infatigável, professor dos mais exatos, seu labor intelectual foi durante cerca de 30 anos, dos mais eficientes na formação de muitas gerações. Sua obra esgotada há muito merece reedição. (Consultar Bernardino José de Souza Vida & Obra – GILFRANCISCO, Edise, 2020.)

Traição

A posse do professor Manoel Cabral Machado, vice Governador do Estado de Sergipe, no cargo de Juiz do Tribunal de Contas, provocou verdadeira crise que abalou os arraiais do ex-PSD (Partido Social Democrático), que estava cônscio de que Manuel Cabral, não renunciaria e consequentemente, poderia substituir Lourival Baptista no Palácio Olimpio Campos, caso o Presidente da República abrisse o sinal verde para a candidatura do mesmo ao Senado Federal. Os pessedistas sergipanos estavam convictos que Cabral poderia ser um Governo um tanto e quanto equidistante das lutas grupais, mas que, ajudaria o partido nos seus anseios de volta ao Palácio Olímpio Campos. Quando não, na repartição do “bolo” ficaria garantida a parte da qual o grupo pessedista não abriria mão.

            Para a área mais radical do grupo pessedista, foi uma verdadeira traição, o gesto do professor Manuel Cabral Machado, deixando a política e o partido entregue às favas, justamente, no momento em que ele poderia pagar alguns juros pela escolha do seu nome para a Vice-Governança pelo grupo.

Alegam os radicais da ARENA-Pessedista que o cargo de Vice-Governador do Estado “não era propriedade do professor Cabral Machado e consequentemente, ele não podia agir a seu bel-prazer. O cargo era do PSD é só depois de consultar ao órgão partidário era que o Dr. Cabral poderia deixar a vida pública e então ir para o Tribunal de Contas”.  Enquanto tudo isto acontecia, Cabral Machado continuava tranquilo e afirmava ele na época “que o tempo lhe foi favorável. Agora, não existe mais ARENA-Pessedista ou ARENA – Udenista”. Achando Cabral que “só existe uma ARENA e consequentemente, qualquer nome que esta indicar caso Lourival Baptista (Udenista) deixe o Governo, não terá mais condições de influir na vida do Estado, como outrora se fazia.”

Em 20 de fevereiro, o Governador Lourival Baptista assinou decreto nomeando os quatros primeiros membros do Tribunal de Contas do Estado, respectivamente, Professor Manoel Cabral Machado, Economista Juarez Alves Costa, Professor José Amado Nascimento e Dr. João Moreira Filho. A notícia repercutiu favoravelmente, em vista do elevado conceito de que desfrutam todos os momentos, no seio da sociedade sergipana.

O certo é que Cabral Machado achava que os tempos mudaram e ele poderia prestar “agora” melhores serviços ao Estado no Tribunal de Contas órgão destinado à alta função de controlar a legalidade das despesas do Estado e dos Municípios. Ele tinha certeza que já era tempo de se afastar da vida pública e a oportunidade que o Governador Lourival Baptista lhe deu foi achado.

Quando Lourival Baptista renunciou ao governo de Sergipe, em 14 de maio de 1970, seis meses antes das eleições para candidatar-se ao Senado, criou um problema institucional para o governo federal resolver. Como o vice-governador, Manuel Cabral Machado, preferiu o Tribunal de Contas ao governo de nove meses, e a posse de Paulo Barreto de Menezes estava estabelecida para 15 de março de1971, tornou-se necessário escolher um novo sucessor.

A manobra de Lourival Baptista, inteligentemente deu certo, pois este não queria deixar o governo do Estado nas mãos do velho pessedista (Partido Social Democrático), enquanto ele oriundo da União Democrata Nacional – UDN liderava a política estadual. Aceitando a proposta, substituiu Lourival Baptista o Presidente da Assembleia Legislativa Volney Leal de Melo (14 de maio a 4 de junho, 1970) e finalmente assume e conclui o mandato, o dentista  João Andrade Garcez (04 de junho, 1970 a15 de março, 1971).

Discurso

Em evento realizado no Palácio Olimpio Campos, no dia 30 de março o Governador do Estado de Sergipe Lourival Baptista deu posse aos sete Juízes do TCE, pronunciou o seguinte discurso:

“Estamos hoje reunidos nessa solenidade simples, mas de grande significação, quando estão sendo empossados os dignos Juízes do Tribunal de Contas do Estado, recentemente criado em atendimento a dispositivo expresso da Constituição Federal.

Trata-se de um ato dos mais importantes do meu Governo, pois me coube à tarefa de nomeá-los, o que fiz escolhendo nomes conceituados sob o aspecto cultural e moral dada à responsabilidade das atas e complexas atribuições que são do exercício das suas funções.

Escolhendo os vossos nomes, senti que acertara na seleção, pela repercussão positiva que as nomeações obtiveram em todas as camadas da sociedade sergipana onde não somente a criação do Tribunal de Contas, mas também o preenchimento dos seus cargos foram acompanhados dia a dia pela opinião pública.

Estou convicto de que cada um de vós está cônscio do importante papel que lhe está reservado e saberá corresponder plenamente à relevância do cargo zelando pelos altos interesses do Estado e desempenhando com isenção e serenidade as suas obrigações.

Criado pela Emenda Constitucional nº2, de 30 de dezembro de 1969, o Tribunal de Contas de Estado de Sergipe vem preencher uma lacuna há muito existente, cabendo-lhe a apreciação das contas do Governo do Estado e das Prefeituras Municipais, bem como o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos, incluindo-se as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público estadual e municipal.

É de se compreender que um trabalho desse porte não poderia ser realizado a contento, senão confiado a cidadãos providos dos requisitos indispensáveis, com experiência e capacidade suficientes, levando-se em conta a complexidade das matérias sobre as quais irão se manifestar.

Daí o cuidado do Governo na escolha.

Entre vós estão vários amigos a quem sou ligado há muitos anos. Afirmo no entanto, que somente a amizade não fez Juiz a nenhum de vós. À estima pessoal, somaram-se o conhecimento técnico, a firmeza de caráter e o empenho em servir ao Estado, que para o caso são indispensáveis atributos.

Congratulo-me, portanto com cada um dos Juízes empossados nesta hora augurando-lhe feliz desempenho da sua nobre missão no Tribunal de Contas do Estado, onde tenho certeza de que velarão pelo engrandecimento e pelo progresso de Sergipe”.

 

[*] É jornalista, pesquisador, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.

 

Foto: Arquivo Pessoal