Fernando Valente Pimentel (*)

No Brasil, diversas propostas legislativas e projetos de emenda à Constituição vêm sendo apresentados com o propósito de reduzir a jornada de trabalho. Algumas dessas iniciativas sugerem a diminuição da carga semanal de 44 para 36 ou 40 horas, muitas vezes sem previsão de redução proporcional de salários. A proposição que mais tem ganhado destaque é a que sugere quatro dias por semana, com oito horas diárias, o chamado modelo 4×3, mantendo o salário integral e eliminando a tradicional escala 6×1.

Embora bem-intencionadas, propostas como essa, quando elaboradas de maneira generalista e sem considerar as especificidades das diversas atividades econômicas, podem ter consequências negativas para o mercado de trabalho brasileiro. Uma redução compulsória da jornada, com manutenção de salários, significaria aumento direto no custo do trabalho formal. Em um país onde cerca de 40% da força laboriosa atua na informalidade, tal medida pode, paradoxalmente, agravar o problema que pretende resolver: em vez de gerar empregos com carteira assinada e de melhor qualidade, corre-se o risco de incentivar ainda mais a precarização.

Como bem apontou o professor José Pastore, se a jornada 4×3 for adotada com os mesmos salários atuais, o Brasil passará a remunerar mais os dias de descanso do que os de trabalho: 204 dias de folga contra 161 de atividade. Isso ocorreria em um cenário no qual, embora a legislação estabeleça um teto de 44 horas semanais, a média real de trabalho já é de 39 horas por semana, patamar semelhante ao de países desenvolvidos, mas inferior ao das nações asiáticas que competem diretamente com a nossa indústria nos mercados globais.

É importante contextualizar essas discussões dentro do panorama mais amplo da competitividade internacional. Em um recente estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que avaliou 18 países com os quais o Brasil compete, ficamos na última posição do ranking. Em três dos oito macroindicadores avaliados — ambiente econômico, educação, desenvolvimento humano e trabalho — também ocupamos a lanterna. Nossos níveis de produtividade são insuficientes e os investimentos públicos e privados ainda não atingem a escala necessária para transformar estruturalmente a economia.

Historicamente, a redução da jornada de trabalho foi resultado de ganhos de produtividade derivados de inovações tecnológicas, reorganização da produção, qualificação da mão de obra e aumento nos investimentos. Esse processo foi fundamental para melhorar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. No entanto, tentar antecipar artificialmente esses ganhos por meio de leis generalistas não leva o País ao grupo das economias de renda elevada. Ao contrário, pode travar o crescimento, reduzir a competitividade e comprometer a geração de empregos formais.

O mundo laboral mudou. A transformação digital, os serviços remotos, o tempo parcial, o freelancer e outras formas de ocupação oferecem hoje um cardápio variado de opções para quem quer jornada maior, menor ou com mais flexibilidade. O que precisamos é respeitar essa diversidade e garantir liberdade de escolha, tanto para quem emprega quanto para quem trabalha.

Assim, devemos fortalecer os mecanismos de negociação coletiva, nos quais patrões e empregados, representados por suas entidades sindicais, possam dialogar com base nas realidades de cada setor. É na mesa de negociação que se deve construir o novo equilíbrio entre tempo de trabalho, remuneração e qualidade da vida.

Valorizar as convenções e acordos coletivos é reconhecer a maturidade das relações trabalhistas no Brasil e confiar na capacidade das partes de encontrar soluções sustentáveis, justas e eficientes. Essa é a via mais inteligente, realista e democrática para promover desenvolvimento com equidade.

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(*) É o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit)

Foto: Arquivo Pessoal