GILFRANCISCO [*]

“Os homens de pouca alma são práticos, ativos,

rápidos e amigos da experiência. Os de muita alma são

naturezas indecisas, platônicos, inúteis e incapazes de

perceber as conveniências próprias”.

João Ribeiro

Após seis meses fechada para obras, foi reinaugurada (2004) pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Cultura, a Casa de Cultura João Ribeiro, localizada no município de Laranjeiras. Tombada pelo Estado em 1973, a Casa da Cultura abriga atualmente todo o acervo literário sobre a vida e obra dessa figura ilustre que foi João Ribeiro.

Depois de percorrer as escolas de Medicina, Engenharia e Direito, João Ribeiro fixa-se no magistério. A busca da sabedoria foi trilha desse homem de inconstância e inquietação do espírito, que trouxe grande contribuição para a cultura nacional. Livre pensador, cultuado da ampla visão dos fatos, João Ribeiro não se subjugou a qualquer monitoramento. Foi um dos mais apreciáveis filólogos, no sentido mais alto do termo; servido por sólida erudição clássica e moderna. O escritor sergipano está completando 75 anos de morto, esperamos a cada dia por um João Ribeiro – redivivo de corpo inteiro.

O espectro de interesses e competências, performances intelectuais de João Ribeiro é estupendo. Na época foi considerado um dos introdutores dos novos métodos históricos, filosóficos, críticos e etnográficos, um dos mais ilustres da erudição da literatura, da linguística e, em muitos aspectos, da ciência alienígena. Talvez venha daí o prestígio singular da obra que deixou.

Como poucos de sua geração, ele soube abordar com mestria os mais diversos gêneros, revelando-se uma das nossas personalidades literárias mais fecundas, tendo o ensaio, a história e a crítica como seus campos preferidos.

Como historiador limitou-se a escrever alguns excelentes compêndios, um dos quais, História do Brasil, para o curso superior, possui particular significação, pois lançou novos rumos para a compreensão do nosso processo histórico.

João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes nasceu em Laranjeiras (SE), pólo da hegemonia econômica da indústria açucareira no período colonial, a 24 de junho de 1860, filho de Manuel

Joaquim Fernandes e Guilhermina Rosa Ribeiro Fernandes. Órfão de pai, passa a residir na casa do avô materno, descendente de judeu holandês e homem instruído que possuía em sua residência uma boa biblioteca. Desse convívio, desde cedo, o jovem passa a se interessar por cultura geral e pintura. Aos 13 anos de idade já fazia versos, tocava flauta, piano e órgão.

Em Laranjeiras fez os primeiros estudos, concluindo o curso de humanidades (1880-1881) no Atheneu Sergipense, em Aracaju, onde foi aluno estudioso e brilhante. Vai para a Bahia e matricula-se, como ouvinte, no primeiro ano de medicina. Percebendo não ser a sua vocação, abandona o curso e muda-se para o Rio de Janeiro, com o propósito de matricular-se na Escola Politécnica.

Desistindo de ser engenheiro, dedica-se ao jornalismo, em que logo se destaca. Faz-se amigo de Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio e Alcindo Guanabara.

João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes Foto: Reprodução

Finalmente, em 1894, João Ribeiro bacharelou-se pela Faculdade Livre de Direito, do Rio de Janeiro, depois de ter estudado medicina, engenharia e pintura com Batista da Costa, tendo como companheiro de arte o conterrâneo Horácio Hora (1853-1890).

Na capital do Império classifica-se com destaque no concurso para oficial da Secretaria da Biblioteca Nacional, onde permanece apenas cinco anos, até ser nomeado professor do Colégio Pedro II, lecionando Português e História Universal, deixando, nessas disciplinas, livros didáticos de grande valor, feitos com uma inteligência aguda e compreensiva dos fenômenos sociais.

Entre 1885 e 1887, viaja para Alemanha, onde frequenta o curso de pintura do professor Wildeburg Winck, motivando a expor algumas telas em 1900, mas não teve uma boa acolhida pela crítica. Nesse período, visita a França e Itália, chegando até Milão para visitar seu filho Neco, acometido de pneumonia.

João Ribeiro faria ainda duas outras viagens à Europa, uma em 1901, para Áustria, em missão cultural, chefiada por Joaquim Nabuco, e a outra, em maio de 1914, sendo obrigado a retornar em setembro, devido ao início da Guerra. Já no Rio de Janeiro, passa a exercer intensa atividade jornalística.

Na busca de compreensão e estímulos a novos talentos, suas críticas aparecem nos rodapés de A Época (1888), de Zeferino Cândido, passando depois para O País (1891) e O Globo, ambos de Quintino Bocaiúva, A Semana de Valentim Magalhães, Correio do Povo, de Sampaio Ferraz, Gazeta da Tarde de José do Patrocínio, O Imparcial (1917), Jornal do Brasil (1925) e o Estado de São Paulo (1926), ora com benevolência, ora com severidade, cujas opiniões e juízos são pontificados pelo bom senso.

Foto: Reprodução Capa do Livro João Ribeiro

Mucio Leão (1898-1969), substituto de João Ribeiro como crítico no Jornal do Brasil, em 1934, responsável pela organização de sua obra, publicada pela Academia Brasileira de Letras, aponta as qualidades e os defeitos da crítica de João Ribeiro (militante por quase 50 anos), muitos dos quais decorrentes do temperamento e formação intelectual do escritor sergipano: espírito móbil, inconstante, cético, dubitativo, reticente, dentre outros.

Autor irreverente e de caráter inovador, assumiu através da crítica independente um tipo exemplar de humanismo moderno. Foi um dos primeiros a formular com clareza o problema da língua nacional, um dos mais notáveis filólogos, no sentido mais alto do termo, possuidor de sólida erudição clássica e moderna.

De base humanística e dotado de temperamento conciliante, moderador, esta rica personagem sempre mereceu consideração especial, principalmente por seu respeito aos cânones fundamentais do materialismo e do positivismo aplicado à pesquisa e à interpretação.

Tendo estreado como poeta parnasiano, Tenebrosa Lux (1881), Idílios Modernos (1882), mereceu ainda inédito, artigo e elogio de Sílvio Romero, que coloca o poeta “entre os realistas”. Dias de Sol (1884), Avena e Cítara (1885), Versos (1879-1889).

João Ribeiro trabalhou ao lado de Sílvio Romero (1851-1914) e Felisbello Freire (1858-1916), ambos diretores da Revista Sul-Americana, antiga Bibliografia Brasileira, do Centro Bibliográfico Brasileiro, onde publicou diversas poesias e alguns trabalhos de crítica, filologia e história.

Em 1898 foi eleito para ocupar a cadeira número 31, da Academia Brasileira de Letras, na vaga de Luís Guimarães Júnior (1845-1898), tomando posse em 30 de novembro, recebido por José Veríssimo, em sessão solene presidida por Machado de Assis (1839-1908). João Ribeiro é o primeiro escritor a ser eleito depois do quadro formado da entidade.

Já em idade avançada, tornava-se cada vez mais moderno e mais liberal. Desta última fase de vida, são as suas crônicas contra certos aspectos da Academia Brasileira de Letras, contra os gramáticos, contra os reacionários em geral.

Foto: Reprodução Capa do Livro O Folk – Lore

João Ribeiro publicou algumas páginas notáveis, não só pelo tema, como pelo estilo: O Folclore (1919), Cartas Devolvidas (1926), Floresta de Exemplo (1931). Sua extensa bibliografia – mais de 50 títulos – é um inesgotável acervo de informações filosóficas, históricas, artísticas e folclóricas.

Seus livros, alguns, vêm tendo reedições espasmódicas, mas até hoje estamos à espera que seja coligida sua produção esparsa por mais de uma dezena de periódicos durante mais de meio século de atividade jornalística.

Segundo o filólogo Antônio Houaiss (1915-1997), a obra de João Ribeiro “uma parte nasceu destinada a livro, outra parte foi aproveitada para livro em vida dele, e uma outra faz à espera de feição em livro”.

João Ribeiro faleceu a 13 de abril de 1934, na Clínica Hospitalar Estellita Lins, no Rio de Janeiro. No dia seguinte, escreve o Jornal do Comércio: “Toda a nação que lê e que pensa sabe que perde nesse homem um mestre, um puro mestre. Ele era poeta, prosador e filólogo, folclorista, esteta e crítico, romancista, humorista, polígrafo, humanista. Mais que isso, porém, era sábio. E como sábio, jornalista e professor”.

Foto: Reprodução

Logo após sua morte, o representante na Assembleia Nacional Constituinte, deputado Deodato Maia, líder da bancada sergipana, presta homenagem ao intelectual sergipano, através de um austero discurso:

“Requerimento nº. 1

Requeremos a v. excia que se digne consultar à Casa no sentido de ser consignado em ata um voto de pesar pelo passamento do grande brasileiro João Ribeiro, bem como a nomeação de uma comissão para acompanhar os restos mortais do grande brasileiro – Deodato Maia, Leandro Maciel, Rodrigues Dória, Augusto Leite, Olegário Mariano, Prado Kely, Carlos Reis, Augusto de Lima, Sampaio Corrêa, Francisco de Moura, Alberto Surek, Fernando Magalhães, Henrique Dodsworth, Lino Machado, Daniel de Carvalho, Aloysio Filho, Vitor Russomano, Pereira Lira, Xavier de Oliveira, Lauro Passos, Fernandes Távora, Alcântara Machado, J. J. Seabra, Augusto Simões Lopes, Demétrio Mercio Xavier, Homero Pires.

O Sr. Deodato Maia – Peço a palavra.

O Sr. presidente – Tem a palavra para encaminhar a votação, o nobre deputado.

O Sr. Deodato Maia: (para encaminhar a votação): – Sr. Presidente, srs. Constituintes, o Estado de Sergipe, que tenho a honra de representar, vem, profundamente penalizado, trazer ao conhecimento desta augusto Assembleia a dolorosa notícia do falecimento do grande brasileiro que foi João Ribeiro Fernandes, nome que pronuncio com a mais funda saudade, com a maior admiração e o mais profundo respeito.

Não cabe, Sr. presidente, na estreiteza deste necrológio, um estudo pormenorizado, detalhado, sobre a individualidade completa deste eminente conterrâneo, cuja vida, por todos os seus títulos, muito honra a plêiade de homens ilustres, que elevavam o nome do Brasil no conceito das nações cultas.

Filólogo notável, orador, poeta, historiador, conteur, crítico – João Ribeiro era um homem admirável, era um grande semeador de ideias, haja vista a volumosa obra literária e científica que nos legou.

Sr. presidente, os povos dignos honram a memória de seus grandes homens e cultuam as suas nobres ações. João Ribeiro é um destes exemplos de fortaleza moral e intelectual, uma dessas organizações como que tocadas pelo gênio, bafejadas pelo talento, enriquecidas por uma cultura invulgar.

O Estado que aqui represento, e teve a fortuna de servir de berço a tão egrégio cidadão, acreditando interpretar os sentimentos da Assembleia (muito bem), vem solicitar de v. excia., sr. presidente, a inserção, na ata de nossos trabalhos de hoje, de um voto de profundo pesar, bem como a nomeação de uma comissão para acompanhar os restos mortais do grande brasileiro, por que ele também prestou serviço intelectual à Constituição, como revisor acurado que foi do anteprojeto da Constituição.

João Ribeiro, cuja morte nós todos sentimos, e assim todo o Brasil conosco, bem merece essa justíssima manifestação da Assembleia Nacional Constituinte, esta sincera homenagem à sua venerada memória. (Muito bem; muito bem. O orador é abraçado).

Em seguida, é aprovado o requerimento.

O Sr. presidente: – Em obediência ao voto da Assembleia, nomeio para constituir a comissão os Srs. Deodato Maia, Olegário Mariano e Prado Kely.”

(Diário Oficial do Estado de Sergipe, 19 de abril, 1934. Republicado do Diário da Assembleia Nacional de 15 de abril, 1934)

Um ano após falecimento do escritor João Ribeiro, a edição de 16 de abril de 1935 do Diário Oficial, trazia a seguinte nota:

“Por iniciativa da Associação Sergipana de Imprensa e em homenagem à memória do grande luzeiro das letras nacionais dr. João Ribeiro, realizou-se domingo, às 10 horas, no salão nobre da Associação Comercial, a anunciada palestra do dr. João Passos Cabral, que traçou bela página em torno da vida e da atividade mental do grande sergipano.

S. excia. O dr. Governador do Estado atendendo convite da comissão da ASI, fez-se representar pelo seu auxiliar de gabinete sr. Exupero Monteiro”.

(Do livro, Sergipe nas Páginas do Diário Oficial. GILFRANCISCO. – Inédito)

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com