GILFRANCISCO: jornalista, pesquisador e escritor. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS. Membro do CPCIR/CNPq/UFS. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com

Intransigente e rebelde, que, em prol do Direito, pelejou sem tréguas, e viveu a sonhar um mundo melhor, de paz e de amor. Prado Sampaio (1865-1932)

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Seu amigo Ulysses Sampaio, em publicação na revista Heliópolis (PE) logo após sua morte registra: Celebração superior de mestre, primorosíssimo espírito de artista, alma fidalga de generoso, ele era, entretanto, irreconciliável inimigo do meio, um pessimista amargurado que só tinha travo n’alma para emanar, frases de fel para proferir contra os homens e contra as cousas, nessa eterna irritabilidade dos neurastênicos.

Gumersindo Bessa, uma glória nacional, percorreu toda a gama dos conhecimentos humanos, deixando um rastro de luz intensa. A sua brilhante personalidade, formava juntamente com Rui Barbosa, Clóvis Bevillaqua e outros, desse jaez a culminância da nossa intelectualidade.

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Gumersindo Bessa – Foto: Reprodução

Gumersindo de Araújo Bessa, filho de Urbano Joaquim da Soledade e D. Francisca Carolina de Araújo Bessa, nasceu em Estância em 2 de janeiro de 1859 e faleceu em 24 de agosto de 1913. Iniciou seus estudos na terra natal, onde em sua juventude participa da fundação do jornalzinho A Águia. Ainda nessa época, como estudante, revelou os pendores pela arte de Alcindo Guanabara e José do Patrocínio. Influenciado, decide-se seguir a carreira eclesiástica e ingressa no Seminário Arquiepiscopal da Bahia (1876-1879), mas o abandonaria já bem próximo à conclusão do curso canônico, após um atrito com o bispo D. Carlos Luiz D’Amour. Esse bispo havia estudado teologia no Seminário Episcopal de Santo Antônio, foi educado com cuidados de pai, pelo então bispo do Maranhão Manuel José da Silveira. Elevado este ao arquiepiscopado da Bahia, acompanhou-o como simples presbítero. Pouco depois, foi feito cânone, na respectiva Sé.

Curso de Direito

Buscando conciliar com as tendências naturais do seu espírito inquieto, matricula-se na Faculdade de Direito do Recife, onde, após um brilhante tirocínio acadêmico, recebeu o grau de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, a 2 de outubro de 1885. Aluno de Tobias Barreto (1839-1889) presenciou calorosos debates em torno do Direito, da filosofia, da ciência e da literatura, inclusive o que assistira em 1882, o apoteótico concurso de Tobias Barreto de Menezes, que registrou anos depois com o texto O Que é o Direito, 1885. Aluno destacado, recebe da congregação menção honrosa declarando-o apto a lecionar Direito em qualquer faculdade do mundo. Após a conclusão do curso, recebe em 1892 do conselheiro Carlos Antônio de França Carvalho, convite para ensinar a disciplina Direito Criminal na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, mas prefere retornar à Sergipe.

Cargos Públicos

O retorno de Gumersindo Bessa, o fez ser nomeado promotor público da Comarca de São Cristóvão, cargo que exerceu até 1886, após pedir exoneração por haver desentendimento com o juiz local, devido a questões relativas à interpretação da doutrina jurídica. Mais tarde, em 1891, ocupa os lugares de juiz de casamentos, desembargador e presidente do Tribunal de Apelação do Estado, criado com o advento da República, e dissolvido em consequência da revolução de 23 de novembro desse ano e na gestão de Manuel Valladão, assume a chefatura de polícia, em 1894. Nesse período, Gumersindo exerce também a advocacia em escritório particular localizado na cidade de Aracaju.

Jornalismo

A Reforma – Foto: Reprodução

O jornalismo foi sem dúvida, o início de sua carreira pública, notadamente após sua ausência da magistratura. Mas esse experimento veio com A Águia – pequeno jornal literário de preparatórios – Estância (1875), dirigido juntamente com João d’Ávila Franca e Isaias Simões de Andrade. Fundado A Reforma (órgão do Partido Liberal, 1887-1889), iniciou o gigante jornalista sergipano, sua vida pela causa da liberdade de seu povo, em cujo órgão tanto pregava como se batia pela adoção de princípios de ideias salutares. Nas colunas da A Reforma, pontificou o preceito doutrinário da Verdade e da Justiça.

Nas páginas do Diário da Manhã (1911-1919), de propriedade do redator e coronel Apulcro Motta, Gumersindo Bessa era um dos redatores e iniciou sua seção ortigas, escrita sob o pseudônimo de Marfório. Colaborou em vários jornais: Jornal do Comércio (RJ), A Reforma, Diário da Manhã, O Farol, O Republicano, Gazeta de Sergipe, Diário Oficial, Jornal de Sergipe, Correio de Aracaju, O Momento, Estado de Sergipe e outros.

Parlamentar

Tendo como aliados Fausto Cardoso, Sylvio Romero e alguns intelectuais sergipanos, em Sergipe, Gumersindo Bessa foi eleito deputado provincial do Império, e ainda deputado à primeira Constituinte republicana do Estado de Sergipe, além de deputado federal em 1909, eleito com grande votação. Em todas essas elevadas posições soube Gumersindo Bessa manter a mesma linha ideológica.

Polemista

Jornalista, jurista, político e polemista, Gumersindo foi um agitador do seu tempo, seus artigos estão dispersos e poucos livros foram publicados sobre sua obra, alguns como: Pela Imprensa e pelo Foro, (1916); Gumersindo Bessa, de J. Dantas Martins dos Reis (1958); Algumas Páginas de Gumersindo Bessa, Luís Magalhães e recentemente Gumersindo Bessa – um talento polimorfo, de Rafael Araújo de Sousa (2018).

Capa do livro Algumas Páginas de Gumersindo Bessa, de autoria de Luís Magalhães – Foto: Reprodução

Indicado por Fausto Cardoso para defender a causa dos acreanos, que lutavam pela emancipação política do território, em 1906, enfrentou Rui Barbosa na ação envolvendo a reivindicação do território do Acre pelo Estado do Amazonas, tudo isso foi relatado no livro História de uma polêmica – Rio Branco, Rui Barbosa e Gumersindo Bessa, de autoria de Luiz Carlos Fontes Alencar, publicado em 2005. O autor, jurista de sensibilidade histórica e política, descreve e analisa, com perspicácia de interpretação, os documentos por ele pesquisados sobre a polêmica trilateral, direta entre Rui e Gumersindo.

Pela Imprensa. Pelo Foro

Publicado em 1916, Pela Imprensa e Pelo Foro – publicação póstuma, dirigida por Prado Sampaio, Primeiro volume, 235 páginas, Imprensa Popular, teve boa receptividade crítica, não só na imprensa local como em outros Estados da Federação. Vejamos uma das críticas publicada na edição de 5 de dezembro de 1916, do Diário de Pernambuco (Recife), Ano 92, nº 335, Seção Livros e Folhetos foi publicada a resenha do livro de Gumersindo de Araújo Bessa, Pela Imprensa e pelo Foro:

Uma homenagem brilhante melhor que se podia render à memória de um jornalista primoroso e de um jurista acatado como foi o dr. Gumersindo Bessa, vem de prestar sua família, silenciando e dando publicidade num volume a vários de seus inúmeros e apreciáveis trabalhos esparsos que serviram de padrão e glória para o seu nome.

Coube a direção dessa tarefa ao festejado publicista Prada Sampaio, uma das mais famosas inteligências sergipanas.

Pela Imprensa e Pelo Foro, tal o livro de que nos ocupamos, é uma coletânea de artigos de jornais e de arrazoados escritos em autos, através dos quais bem se pode aquilatar da porção de conhecimentos e da cultura jurídica que possuía o dr. Gumersindo Bessa.

Pelo pacto federal dos americanos, cujo princípio basilar e ideal político é colocar os direitos individuais ao abrigo de qualquer agressão por parte do governo ou dos particulares”.

É, por sem dúvida uma oferta preciosa essa que acaba de nos chegar às mãos por intermédio do sr. Maviael do Prado.

Enfermidade

O agravamento da enfermidade de Gumersindo Bessa, foi registrada no Diário da Manhã de 20 de agosto:

Acha-se bastante incomodado da saúde o erudito jurisconsulto, sr. Dr. Gumersindo Bessa. Fazemos votos por que o provecto advogado e notável sergipano entre em franca convalescença.

O mesmo periódico publica três dias depois:

Que o Dr. Gumersindo Bessa continua com a saúde profundamente alterada o eminente jurisconsulto Dr. Gumersindo Bessa, cujo estado melindroso inspira sérios cuidados.

Renovamos os nossos votos de prontas melhoras que sinceramente formamos com referência ao ilustre enfermo.

Ao tratar do Patrimônio Intelectual de Sergipe em sua Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa, em 7 de setembro de 1925, Graccho Cardoso afirma ser provável que antes do dia 24 de outubro aparecem, reimpressos e acrescidos de inúmeros valiosos inéditos, os trabalhos de Gumersindo Bessa, dados à publicidade no livro – Pela Imprensa e pelo Foro. Até hoje, sua obra não foi publicada.

Morte

Gumersindo Bessa falece na madrugada do dia 24 de agosto de 1913, aos 54 anos, no engenho Mucuri, de propriedade de sua sogra, no município de Socorro, tendo sido sepultado no Cemitério Santa Isabel, em Aracaju. Seu amigo advogado, João Antônio Ferreira da Silva, discursou a beira do túmulo de Bessa. Vejamos um trecho:

Não senhores, ele não morreu, não morreu nele o que era da essência divina; os restos materiais aí ficam, mas o seu nobre e grande espírito, cumprida aqui sua missão, foi habitar esferas mais luminosas e mais felizes. Seus despojos materiais voltam para a terra desorganizados, mas a sua imagem não se apagará de nossa memória; aí permanecerá imorredoura a lembrança de sua grande individualidade intelectual e moral; aí permanecerão os seus ensinamentos, as suas ideias, a sua obra eficaz e a influência benéfica que exerceu sobre o meio em que viveu.

E brilha no além, grande amigo! Nós todos, os teus colegas, que te admiramos pelos teus raros talentos, e que te amamos pelo teu grande coração, vimos te dizer o último adeus pela voz flébil do mais humilde dentre eles. Não te direi – boa noite, dorme em paz – que não entraste na região das sombras; eu te direi – bom dia! Brilha, astro peregrino, nos espaços para onde te foste e manda-nos de lá as tuas inspirações, como nos deste aqui as tuas luzes.

Enterro

Logo que nesta capital circulou a notícia da morte de Gumersindo Bessa, viu-se consternação produzida em todos os corações. À chegada do cadáver do engenho Mucuri, onde às 3 horas e 30 minutos da manhã ele faleceu, intensa romaria se dirigiu à sua casa. Vejamos um trecho do que noticiou o Correio de Aracaju:

O enterramento do grande sergipano, todo feito à custa do Estado, foi imponentíssimo de concorrência, talvez depois de Fausto Cardoso o mais concorrido que temos visto. 10 bondes repletos formaram o préstito, da igreja catedral até o cemitério.

O trajeto da residência até a igreja foi feito conduzido só à mão o ataúde, em cujas alças pegaram pessoas distinguidas da nossa sociedade.

Em frente à estátua do Fausto parou o cortejo, falando por esta ocasião o professor Manoel Oliveira.

Da igreja, onde se fizeram as preces derradeiras, seguiu para o cemitério S. Izabel o préstito. A música do corpo de polícia tocava sentidíssimas peças, aumentando, assim, aquela tristeza.

No cemitério apinhava-se uma multidão. Ao baixar ao último jazigo o corpo do jurista insigne fez-lhe as despedidas por parte de seus colegas o dr. João Ferreira, e o deputado Armando Cardoso pronunciou um sentido discurso.