Cid Seixas (*)
Apesar da sua constante relação com a vida acadêmica, sempre vi o pesquisador e professor GILFRANCISCO como um offsider, caracterizado por traços bem particulares e típicos de uma personalidade multifacetada. O jornalismo investigativo foi um dos caminhos que ele seguiu, no início da sua trajetória, passando em seguida a se dedicar às atividades acadêmicas, quando abandonou a vida boêmia da Bahia de Todos os Santos e Orixás para assumir responsabilidades docentes e administrativas no vizinho estado de Sergipe.
Depois de árduas e frutíferas atividades universitárias e de natureza diversa, assessorando destacadas figuras da vida cultural de Aracaju e publicando centenas de textos e dezenas de livros, o seu labor foi amplamente reconhecido pela Universidade Federal de Sergipe com a outorga do título de Doutor Honoris Causa.
Ao examinar o trabalho de GILFRANCISCO e os resultados obtidos, o leitor poderá estranhar porque o classifico como um offsider. Como alguém que não segue rígida e cegamente os métodos adotados no labor acadêmico.
Ao contrário daqueles que fizeram seguidamente variados cursos de especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado, este singular pesquisador herdou muito dos seus mestres. Destaco aqui dois sergipanos ilustres, posteriormente radicados na Bahia, que foram – talvez, implicitamente, sem que o próprio estudioso se desse conta – responsáveis pelo futuro percurso intelectual do autor deste livro.
O primeiro foi o historiador José Calasans, que após lecionar nos primeiros cursos de destaque em Aracaju, se transferiu para o estado vizinho, onde surgiam maiores oportunidades de crescimento profissional, se tornando catedrático da Universidade Federal da Bahia, onde empreendeu estudos nacionalmente reconhecidos para a compreensão de fatos da cultura popular, que nortearam a pesquisa acadêmica de destacados intelectuais brasileiros.
O outro foi Nelson de Araujo, tradutor, escritor, pesquisador e professor universitário de notório saber. Mesmo sem ter curso superior, o sergipano Nelson de Araújo foi convidado a dirigir importantes unidades acadêmicas da primeira universidade baiana, como o Centro de Estudos Afro Orientais e a Escola de Teatro da UFBA, onde ministrou aulas de disciplinas nas quais foi estudioso pioneiro e nacionalmente reconhecido, através de publicações de artigos, ensaios e livros. Tempos depois, o seu nome serviu para dar título à Biblioteca Nelson de Araújo da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia.
A partir destes dois exemplos – que, de modo redundante, devem ser chamados de exemplares –, entendemos a formação e os métodos de trabalho nada ortodoxos de GILFRANCISCO. O vislumbre, o pioneirismo e a antecipação perceptiva constituem os traços de um offsider.
Antes de se tornar um legítimo sergipano, por escolha afetiva, o cidadão baiano Gilberto Francisco dos Santos somou experiências diversas, como, em 1995, quando atuou como assistente de produção de Olney São Paulo no documentário “Festa de São João no Interior da Bahia”, dirigido por Guido Araújo. Sob a égide do mesmo diretor, no mesmo ano atuou como assistente de fotografia do filme “Morte das Velas do Recôncavo”.
Foi no início do ano de 1996 que GILFRANCISCO resolveu arribar com destino aos caminhos de Sergype Del Rey. Não apenas de mala e cuia, como a maioria dos retirantes, mas com sua bagagem e sua experiência logo reconhecidas. Desfeitas as malas de couro curtido, GILFRANCISCO assumiu a coordenação do Curso de Letras da UNIT, a Universidade Tiradentes, então em franco processo de expansão, para o qual muito contribuiu.
Em 2008, no Rio de Janeiro, venceu o Prêmio Veríssimo de Melo, na categoria de Pesquisas e Bibliografia, da União Brasileira de Escritores, pelo seu livro Musa Capenga: Poemas de Edson Carneiro. Este foi seu primeiro grande sinal de afirmação do labor investigativo.
A partir daí os caminhos se abriram e este offsider passou a ser reconhecido pelo Estado de Sergipe, que o acolheu definitivamente. No mês de maio de 2008 recebeu a Medalha do Mérito Cultural “Inácio Barbosa”, outorgado pela Prefeitura Municipal de Aracaju. Em 2021, a Câmara Municipal de Simão Dias aprovou uma Moção de Aplauso e em 2022 a hoje prefeita de Aracaju, Emília Corrêa, na ocasião exercendo o cargo de vereadora da Câmara Municipal, lhe entregou o título de Cidadão Aracajuano.
Convém destacar um fato importante no método de pesquisa do autor: com o mesmo empenho e entusiasmo com os quais se debruça sobre as realizações de autores já consagrados e admirados, GILFRANCISCO procura trazer à luz dos estudos contemporâneos vidas e obras, às vezes desconhecidas do grande público ou dos leitores mais cultos.
Convém observar, reiteradamente, que esse pesquisador sergibaiano – permitam os leitores o uso do neologismo formado para definir a natureza poli-localista do autor – trata com o mesmo empenho os autores consagrados e aqueles que a sua pesquisa pretende trazer à luz do sol. Vários nomes esquecidos da vida sergipana e de outros lugares são retomados para construir caminhos que levem seus feitos à condição de contributos sociais que possam figurar na história intelectual de um povo.
Isto tem uma importância fundamental, pois sua investigação não parte de preceitos ou de preconceitos bem ou mal-fundados, mas do ímpeto de investigar e trazer a tona fatos capazes de levantar os pilares de uma pesquisa pertinente e bem construída.
Os grandes beneficiários atuais desta metodologia são o Estado de Sergipe e a cultura sergipana, já que a maior parte das pesquisas e publicações empreendidas pelo frutífero autor gira em torno da terra onde vive e desenvolve seu consagrado labor intelectual.
É evidente que suas primeiras investigações foram feitas na Bahia e em torno de objetos que dizem respeito a esse Estado, o que resulta em trabalhos atuais retomando, com novos elementos e descobertas, as primeiras pesquisas do seu tempo de aprendiz formado pelos sergipanos José Calasans e Nelson de Araújo.
Salve o sergibaiano Gilberto Francisco dos Santos, atual Cidadão de Aracaju.
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(*) É jornalista, escritor e professor universitário
Foto: Arquivo Pessoal/Cid Seixas
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