Antônio Fernando de Araújo Sá [*]

Escrita à margem da universidade, o jornalista Gilfrancisco tem contribuído, significativamente, para o avanço da pesquisa da história cultural em Sergipe, recuperando práticas e representações forjadas por escritores, movimentos intelectuais e instituições culturais.

Ao ser convidado a prefaciar um dos seus últimos livros, uma compilação de notícias do bando de Lampião, durante os anos 1930, no Diário Oficial de Sergipe, travei contato com um pesquisador que vai às fontes históricas nos arquivos públicos e privados, publicando textos de outros autores ao lado de uma documentação, que, no mais das vezes, ficaria restrita à “crítica roedora dos ratos de bibliotecas”.

Incansável pesquisador, Gilfrancisco pode ser considerado como um arquivo vivo, como certa vez disse o professor Gildeci de Oliveira Leite, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Sua trajetória intelectual aproxima-se dos pesquisadores José Calasans e Nelson Araújo, sergipanos que se destacaram no cenário intelectual baiano, só que ele fez o caminho inverso, tornando-se uma referência para a história cultural de Sergipe mesmo baiano.

O jornalista e escritor GILFRANCISCO Fotos: Arquivo Pessoal

Com um extenso acervo de documentos históricos e bibliográficos, o pesquisador recebe, com presteza, a todos os que precisam compulsar a extensa documentação depositada em seu apartamento. São inúmeras as menções de agradecimento nos programas de pós-graduação de Sergipe e Bahia a esse pesquisador infatigável. Sua generosidade em atender telefonemas para dirimir dúvidas já foram registradas por professores e estudantes.

Dentre os inúmeros temas a que se debruçou, posso destacar seu profundo conhecimento sobre a obra de Alina Paim, romancista sergipana que militou no Partido Comunista Brasileiro (PCB) e conviveu com escritores de renome como Jorge Amado e Graciliano Ramos. O saber construído nos arquivos e bibliotecas, além de entrevistas com os personagens próximos da escritora, foi fundamental para a confecção da dissertação de mestrado, no Programa de Pós-Graduação em Letras, de Ninacilra de Lemos Sampaio, e de monografia no Departamento de História, realizada por Samah de Oliveira Santos, da Universidade Federal de Sergipe, sob minha orientação.

Chegando próximo aos setenta anos, a intensa produção de livros nos últimos anos indica maturidade intelectual, marcada pela diversidade temática, como podemos observar, entre outros, nos trabalhos sobre o historiador e geógrafo Bernardino José de Souza (2019), a imprensa estudantil (2019) e Lampião no Diário Oficial (2021).

Os dois primeiros livros indiciam sua preocupação com os movimentos intelectuais, recuperando a trajetória do historiador e geógrafo tão lembrado em terras baianas e esquecido aqui nos meios universitários da província. Autor de obras clássicas, como O Pau Brasil na História Nacional (1939), Dicionário da Terra e da Gente do Brasil (1939) e Ciclo de Carros de Boi no Brasil (1958), sua obra foi pautada por minuciosa pesquisa histórica de caráter interdisciplinar, em que convergem as qualidades de geógrafo, historiador, etnógrafo e folclorista. Ao lado da produção intelectual, Bernardino de Souza militou na docência nos principais colégios de Salvador no início do século XX, bem como tornou-se secretário geral do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. A obra de Gilfrancisco também revelou sua trajetória como político e magistrado.

O livro sobre a imprensa estudantil em Sergipe traz os escritos iniciais de escritores e intelectuais que começaram nos jornais do Atheneu Sergipense, como Joel Silveira, Mário Cabral, José Calasans Brandão da Silva, Aluysio Mendonça Sampaio, Walter Mendonça Sampaio e Armindo Pereira, entre outros. Sua contribuição é mostrar a efervescência literária juvenil entre os anos 1930 e 1950, com a publicação de mais de quarenta periódicos. Nesse sentido, ele indica caminhos ainda não trilhados na pesquisa sobre a história da imprensa em Sergipe.

O último livro trata de temas marcantes para compreender os sertões nordestinos: religiosidade popular e cangaço. Lampião no Diário Oficial colabora para vermos a construção discursiva da imprensa sobre os cangaceiros como bandidos abjetos, sistematicamente violentos, inimigos da civilização e da sociedade. Essa leitura apresenta o cangaço como um dos elementos desestabilizadores da sociedade por conta da ausência da monopolização da violência pelo Estado e da necessidade de se civilizar o sertão.

Por outro lado, a imprensa oficial de Sergipe registra ao longo do período de 1930-1938 as disputas entre as frações dominantes pela hegemonia política do Estado, especialmente a chamada Reação Conservadora (1935-1937). Aliás, existe a preocupação recorrente do governador Eronides de Carvalho em se desvincular da imagem de coiteiro de cangaceiros, atribuída ao seu pai, o coronel Antônio Carvalho.

Em tempos bicudos de globalização e desterritorialização, a defesa e divulgação da cultura regional para a formação da consciência histórica e identitária das novas gerações são fundamentais para a visão crítica do contexto social em que estamos imersos. Sem o menor favor, afirmo que as obras de Gilfrancisco sobre a história cultural sergipana têm, efetivamente, colaborado e muito para essa empreitada.

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[*] É Prof. Dr. do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe – UFS