Silvaney Silva Santos [*]

“[…] ruía sob os golpes dos martelos, das picaretas e das alavancas a lúgubre masmorra […]” (RIBEIRO, 1945, p. 98-99).

A citação acima se refere à derrubada de uma das oito prisões existentes em Sergipe desde o século XIX. A mesma ficava na antiga vila de Santo Amaro das Brotas. Os ofícios, os jornais, entre outros documentos do século XIX e XX, se referem a este prédio púbico como um local “horrendo”, fétido e abandonado. Era algo comum esse estado desumano nos presídios sergipanos. Seria redundante um comparativo com a situação atual. Porém, foge do objetivo deste texto. Podemos afirmar que a derrubada da nossa bastilha tupiniquim foi a libertação do nosso povo? Acredito que estamos longe disso. Mas, que trouxe uma perspectiva de esperança para voos libertos, isso, sem dúvida. Anterior às “Escolas Reunidas”, as cadeiras se localizavam em lugares ermos. Em muitos casos, apenas para satisfazer os “homens bons” das fazendas, sítios e engenhos. Com a inauguração da nova instituição estatal estas cadeiras foram “reunidas” num único espaço.

O presente texto tem como objetivo perceber como se deu o processo de transformação da cadeia pública da vila de Santo Amaro das Brotas à “Escolas Reunidas Dr. Esperidião Monteiro”. Para alcançarmos este intento, analisamos livros que citaram o feito, jornais sergipanos, jornal do Rio de Janeiro, Diário e os anais da Câmara dos Deputados, publicados pela Imprensa Nacional no Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil.

A nova fase da história da antiga prisão iniciou em 1924 com a sua inauguração como veremos. Todavia, ela foi pensada, precisamente, a partir do Decreto estadual de número 33 de 24 de fevereiro de 1923, quando o presidente do estado, Maurício Graccho Cardoso (1922-1926), “convertia em escolas 8 prisões públicas do interior do Estado, entre as quais figurava a de Santo Amaro” (RIBEIRO, 1945, p. 97).

No “jogo das construções” e das legitimações dos discursos e das práticas deste período, considerado promissor, principalmente na área educacional e da cultura estadual, a figura do coronel Jacinto Dias Ribeiro, em Santo Amaro das Brotas, será singularizada. Um “intelectual militar”, amigo, desde tempos de escola na Praia Vermelha, do presidente de antanho. Era a voz representativa do poder local. Ele tinha os “vínculos” para fazer e acontecer na pequena vila dos “jacintos”, quis dizer, dos santoamarenses.

Jacinto Dias Ribeiro convidou o presidente Graccho Cardoso para visitar e ver o estado que se encontrava a antiga prisão:

Guiando-o para ali era meu propósito fazê-lo sentir bem de perto o horror da lôbrega e infecta masmorra sem ar e sem luz que a mais de 2 séculos se erguia naquele local de arquitetura inquisitorial […] (RIBEIRO, 1945, p. 98).

Diante daquele abandono, da assinatura do decreto em fevereiro de 1923 á tão aguardada inauguração, não durou “9 meses depois, a 15 de junho de 1924, inaugurava-se, com imponentes festas, as Escolas Reunidas Esperidião Monteiro” (RIBEIRO, 1945, p. 99). O seu prédio, como vemos abaixo, possuía traços da arquitetura neoclássica e era encimado pela águia, marca do governo do estado à época.

Imagem 1: “Escolas Reunidas Dr. Esperidião Monteiro”

Foto Reprodução, fonte RIBEIRO, (1945)

Inauguração sem povo, sem festa, sem girândolas, sem descerramento de faixas nos retratos, sem declamações… Nem pensar! Claro que não faltaram os opositores de plantão. Estes são necessários como forças instigadoras. A ata da festividade nos mostra a concorrência e adesão das autoridades e público presentes àquela efeméride:

[…] bastante concorrida, contando com as presenças do Exmo. Presidente do Estado o dr. Mauricio Graccho Cardoso, e de Dom José Thomaz Gomes da Silva, Bispo da Diocese de Aracaju e outras autoridades do alto staff da educação estadual tais como professores do Atheneu Sergipense e Escola Normal. Naquela ocasião representando os jubilosos santoamarenses fez uso da palavra o sr. Major Jacintho Dias Ribeiro, filho ilustre desta terra, que com emoção e eloquência disse do agradecimento da população santoamarense. E assim, logo após decerrada a cortina, avistou-se fixados na parede os retratos do Sr. Graccho Cradoso, Dr. Esperidião Monteiro, patrono das Escolas Reunidas e do Senador Diniz. […] (ESCOLAS REUNIDAS DR. ESPERIDIÃO MONTEIRO, 1924).

Estes detalhes da inauguração das Escolas Reunidas Dr. Esperidião Monteiro, constam da ata exarada pelo Sr. Roque Dias Ribeiro. Seguindo os rituais das nomeações, este foi escolhido para ser patrono de uma das salas e o Senador do Império, Antônio Diniz de Siqueira e Melo (falecido em 1884), foi escolhido como patrono da segunda sala. Estavam formadas “as almas” da nossa República santoamarense.

Roque Ribeiro citou as seguintes presenças na histórica ata: José Thomaz Gomes da Silva; José de Alencar Cardoso; Anna Araújo de Souza e Silva; Antonio Alfredo; Augusto Pereira; Jacintho Dias Ribeiro; José dos Santos; João Francisco da Silveira; Arnaldo da Silveira Faro; Carlos M. Silveira; Luiz Mello da Silveira; Antidio Menezes da Silveira; Rogaciano Magno Leão Brasil; Julio José de Azevedo; João marques Sobral; Antônio Guimarães Oliveira; Francisco Ma. Silveira; Nelma B. Oliveira; Alessandra de Faro Sobral; Maria Gonçalves Luduvice; Noemi Madureiras; Edla Luz Bispo; Antonina Dantas; Maria Diva de Sousa Ribeiro; Olga Gomes de Mattos; Fábio Rollemberg Madureira; José Rollemberg Maraz; José Freire Luduvice dentre outros.

A relação estreita de Jacinto Ribeiro com o presidente do estado, Graccho Cardoso, não surgiu de uma simples amizade, como o discurso do coronel nos faz crer. O mesmo não tinha nada de “apolítico”. Se esta categoria existe, as posições tomadas pelo Coronel Jacinto não o caracterizam como tal. Fez parte das estratégias de manutenção do governo estadual, o qual representou a continuidade do grupo político do general Manoel Prisciliano de Oliveira Valadão, líder do Partido Republicano Conservador, do qual Esperidião Ferreira Monteiro representou na Câmara dos Deputados Federais. Por mais que se queira acreditar, não nos parece ingênua, muito menos apolítica, a atribuição de patrono da nova instituição ao Dr. Esperidião Ferreira Monteiro. Aquela festa, seguida da inauguração da escola pública, no campo simbólico, representou a imortalidade do homenageado e de novos horizontes para o povo carente da vila de Santo Amaro das Brotas. Além da aceitação do governo estadual pelo feito enaltecido. Mas tarde, quase um mês depois (13 de jul. 1924), vai ficar muito claro o irrestrito apoio do Coronel Jacinto Dias Ribeiro ao governo, não aderindo à Revolta dos Tenentes. Sendo ele o comandante do 28 BC naquela oportunidade, foi preso pelos revoltosos por 21 dias.

Foi a partir deste processo que as “Escolas Reunidas”, “Grupo Escolar” e hoje “Escola Estadual Esperidião Monteiro”, tornou-se, com o passar das décadas, a grande referência na formação educacional das sucessivas gerações.

Esperidião Ferreira Monteiro, o patrono

Imagem 2: Dep. Federal Esperidião Monteiro

Foto Reprodução, acervo do pesquisador

Escrever sobre figuras ditas singulares é incorrer em riscos como, por exemplo, de linearidade (início, meio e fim), a exaltação pura e simples e a descontextualizações. No caso em tela, há limites de ordem documental que possibilite o entrecruzar das vidas. Todavia, como se trata de uma pesquisa nascente, preambular, nos arriscaremos a descobrir as pegadas deixadas pelo personagem mesmo sabendo das dificuldades de confrontar diversas possibilidades que acenariam subjetividades importantes para se compreender os sujeitos na sua estrutura de pensamento.

Filho de Francisco de Paula Monteiro e D. Rosa Amélia Monteiro, os quais não sabemos o que faziam, do que viviam, com quem andavam, entre outros. Nasceu a 16 de julho de 1868 na vila de Santo Amaro das Brotas. Segundo Epifânio Dórea, Esperidião Monteiro era “um menino pobre de bens materiais” e com os bolsos quase vazios, com apenas 120 mil reis, seguiu para os bancos escolares da Faculdade de Direito do Recife em 1886, aos 18 anos de idade, depois de ter se habilitado em Humanidades no colégio Ateneu Sergipense. “Levando menos dinheiro do que confiança em si próprio e força de vontade”, lá o santoamarense recebeu o grau de bacharel em Direito no ano da Proclamação da República em 1889 (DÓRIA, 2009. p. 65).

De acordo com Dória (2009), para se sustentar e manter os seus estudos, Esperidião deu aulas em alguns estabelecimentos particulares de Recife, ensinando a língua francesa e inglesa. Após ter-se formado, fundou um colégio de instrução secundária na cidade de Limoeiro, onde ocupou os cargos de Intendente municipal e promotor público da comarca, e sucessivamente das de Bezerros e Gravatá.

Acrescentando a linguagem biográfica clássica, Guaraná (1925, p. 140), diz que ao constituir a magistratura de Pernambuco, Esperidião foi nomeado juiz de direito da comarca de Glória e Goitá, da qual foi destituído por um ato arbitrário do Governador do Estado, anulando toda a organização judiciária. Ainda não sabemos o que de fato ocorreu de “arbitrário”. A partir de informações ainda desencontradas, Guaraná (1925) informa que:

A esse tempo Esperidião Monteiro era advogado defensor do coronel Delmiro Gouveia. Em 1899 foi para os Estados Unidos, seguindo daí à Europa. Em Paris, não podendo, na qualidade de estrangeiro, exercer a advocacia, encarregava-se de encaminhar os negócios que tivessem de ser resolvidos em Portugal e no Brasil. De volta ao seu país em 1907 conseguiu que um sindicato americano se dispusesse a explorar as nossas riquezas minerais, começando por Minas, Sergipe e Bahia, onde foram descobertas grandes jazidas de manganês e uma abundantíssima de cobre no último desses Estados. Já era desde então advogado no foro da Capital Federal, quando deixou as suas ocupações profissionais para ocupar, na Câmara dos Deputados, a cadeira vaga pelo falecimento, em 7 de maio de 1916, no Rio de Janeiro, do sergipano Felisbelo Freire (GUARANÁ, 1925, p. 140).

Na função de Deputado Federal Esperidião continuou sendo um grande defensor da exploração das riquezas minerais no país. Todavia, a sua morte prematura interrompeu uma carreira que se mostrava promissora. Conforme Epifânio Dórea, a causa do falecimento do santoamarense foi proveniente de uma terrível bactéria que atinge a laringe, conhecida cientificamente como “angina pectoris” (DÓRIA, 2009, p. 66).

A notícia do falecimento de Esperidião Ferreira Monteiro foi registrada nos anais do Congresso Nacional na Câmara dos Deputados. O Deputado Federal por Sergipe, Manoel Nobre, na sessão de 15 de julho de 1918 deixou o seguinte discurso:

Tendo falecido nesta Capital, victimado por cruel enfermidade, o ex-Deputado Federal por Sergipe Dr. Esperidião Ferreira Monteiro, sinto-me na obrigação, Sr. Presidente, de pedir seja inserido na acta um voto de profundo pezar por esse nefasto acontecimento. O Dr. Esperidião Monteiro era distincto advogado e juiz de direito em disponibilidade no Estado de Pernambuco, onde, durante muito tempo, com brilhantismo e sabedoria, exerceu a advocacia e a magistratura. Occupou vários cargos públicos e sempre mereceu o louvor de seus superiores hierarchicos, que nelle encontravam um excellente e intelligente auxiliar. Era um homem trabalhador e digno, cuja morte é sinceramente deplorada por todos os seus amigos e patrícios. Ditas Sr.

Presidente, estas palavras, e repassadas de dor, no momento em que a morte arrebata um prestimoso e útil co-estaduano, creio ter devidamente justificado a homenagem que, na minha qualidade de representante de Sergipe e em nome do Estado, de cuja bancada o Dr. Esperidião Monteiro foi leader, requeiro seja prestada ao nosso pranteado ex-colega, cuja operosidade e caráter esta Câmara teve ensejo de apreciar. (Muito bem; muito bem. O orador é abraçado) (BRASIL, 1919, p. 707).

No campo da política, Esperidião Ferreira Monteiro era das fileiras do Partido Republicano Conservador. Ele foi líder deste partido na Câmara dos Deputados Federais no Rio de Janeiro, antiga capital. O político Esperidião tinha o apoio incondicional do general Oliveira Valadão, presidente do estado de Sergipe entre os anos de 1914 e 1918 (DANTAS, 2004, p. 46). O jornal “A Política”, folha do Rio de Janeiro, no dia 19 de julho de 1918, noticiava o passamento de Esperidião Monteiro e acrescentava trechos da sua trajetória política. A mesma matéria se refere ao funeral do jurista e político santoamarense: “Os funerais do Dr. Esperidião foram feitos por conta do Estado de Sergipe, segundo determinação do general Oliveira Valladão, presidente daquele Estado”. E conclui: “sobre o féretro foram depositadas várias coroas, entre as quais se via uma offerecida pelo Estado de Sergipe” (DR. Esperidião Monteiro, 1918, p. 8-9).

Imagem 3: O político

Dr. Esperidião Monteiro, (1918) – Foto Reprodução

Esperidião Ferreira Monteiro, a imortalidade

Por indicação do coronel Jacinto Dias Ribeiro o prédio das “Escolas Reunidas”, inaugurado em 15 de junho de 1924, recebeu o nome do “seu primo carnal”, Esperidião Ferreira Monteiro. Possivelmente o falecimento recente do advogado e político tenha sido determinante para tal gesto de imortalidade; afinal, se tratava de um dos poucos letrados da pobre vila.

Conforme missiva de Jacinto Ribeiro em seu “Diário de um santoamarense”, o presidente do Estado, Graccho Cardoso, para lhe presentear pela “dedicação à terra natal”, declarou que o patrono da escola seria o seu irmão “Roque Ribeiro”. Porém, Jacinto não teria aceitado, indicando o Dr. Esperidião Monteiro, bacharel em Direito, Deputado Federal, falecido seis anos atrás, no fatídico 15 julho de 1918.

E o seu nome nunca mais foi esquecido na terra que o viu nascer. O mesmo foi imortalizado, sacralizado e “institucionalizado” a partir do edifício com “linhas arquitetônicas, lembrando o neoclássico, e encimados por uma águia” (NUNES, 1984, p. 244). Águia que simboliza o progresso e a liberdade através da educação.

Por fim, os documentos analisados (livros, revista, anais, jornais, diário) não divergiram em suas notas sobre o personagem biografado. Pouquíssimo se tem sobre o político e jurista Esperidião Ferreira Monteiro nas “instituições de consagração”, a exemplo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Este aspecto limitou a possibilidade de análises mais abrangentes das “tramas históricas” do indivíduo. Mas Jacinto Ribeiro, através do poder da instituição da sua linguagem, imortalizou Esperidião Monteiro colocando o seu nome no frontispício daquela antiga prisão. Agora ele estava preso também, na memória dos seus conterrâneos.

[*] Mestre em História, pesquisador/professor dos sistemas de ensino estadual e municipal de Santo Amaro das Brotas.

REFERÊNCIAS

ALVES, Francisco José. A rede dos conceitos: uma leitura da historiografia de Felisbelo Freire. São Cristóvão, SE: EdUFS; Aracaju: Fundação Oviedo Teixeira, 2010.

AZEVEDO, Crislane Barbosa de. Grupos escolares em Sergipe (1911-1930): cultura escolar, civilização e escolarização da infância. Natal, RN: EdUFRN, 2009.

BOMFIM, Clóvis. Retratos da história de Santo Amaro das Brotas. Santo Amaro das Brotas, SE: [S. n.], 2007.

BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Annaes da Câmara dos Deputados. Sessões de 1 a 16 de julho de 1918, v. IV. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1919.

DANTAS, Ibarê. História de Sergipe República (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

DINIZ, Diana Maria de Faro et al. Textos para a história de Sergipe. Aracaju: UFS/BANESE, 1991.

DÓRIA, Epifânio. Efemérides sergipanas. Ana Maria Fonseca Medina (org.). Aracaju: J. Andrade, 2009. 2 v.

DR. Esperidião Monteiro. A Política, Revista. Combativa Ilustrada. Rio de Janeiro, 19 de julho de 1918.

ESCOLAS REUNIDAS DR. ESPERIDIÃO MONTEIRO. Ata da inauguração. Santo Amaro das Brotas, SE, 15 jun. 1924.

GUARANÁ, Armindo. Dicionário Bio-Bibliográfico Sergipano. Edição do Estado de Sergipe, 1925.

NUNES, Maria Thetis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

RIBEIRO, Jacinto Dias. Santo Amaro das Brotas: diário de um santoamarense. Rio de Janeiro: [S. l.], 1945.

SANTOS, Gilvan de Jesus; SANTOS, Silvaney Silva. Santo Amaro das Brotas, do histórico ao lúdico (Séc. XX). Aracaju: J. Andrade, 2017