Deslizamentos de terra, queda e rolamento de blocos, desplacamentos e tombamentos de rochas são movimentos de massa naturais ao longo do tempo em áreas como os cânions do rio São Francisco, na divisa entre os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia. Se não forem monitorados regularmente, ao menos uma vez por ano, os 60 quilômetros de paredões de até 100 metros de altura podem esconder o risco de acidentes.

Pesquisadores do Laboratório de Geologia e Geo Engenharia de Petróleo da Universidade Federal de Sergipe (Progeologia-UFS) estão mobilizados para auxiliar o monitoramento da região, após a avaliação geotécnica do Serviço Geológico do Brasil (SGB) apontar 13 áreas de perigo alto em atrativos turísticos nos cânions do Velho Chico.

“Nessa região podemos encontrar rochas formadas em três ambientes geológicos. Ambiente de maior profundidade, de menor profundidade e próximo à superfície. Essa heterogeneidade pode se diferenciar no comportamento da rocha diante de fenômenos climáticos, a exemplo da chuva,” ressalta o professor Antônio Jorge Garcia.

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“Além desses aspectos formadores de rocha, temos os fenômenos que ocorrem posteriormente, como fraturamentos e deslocações provocadas por terremotos e movimentos da crosta. É a intensidade desse quebramento da rocha que tem de ser mapeada, setorizada e monitorada,” complementa o professor.

Com mais de 30 anos de experiência no desenvolvimento de pesquisas voltadas à análise e mapeamento de geodiversidade, vulnerabilidade ambiental, riscos geológicos e gestão do território para uso e ocupação sustentável, Garcia lidera o grupo de 25 pesquisadores vinculados ao Progeologia, entre professores, alunos e profissionais da área.

Características dos cânions

Localizado no Monumento Natural do rio São Francisco, o vale de águas profundas surgiu nos anos 1990 com o represamento de água para a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó. No entanto, nunca havia passado por uma avaliação geotécnica até o alerta da tragédia no Lago de Furnas, em Capitólio-MG, no início de 2022.


Paredões dos cânions do Rio São Francisco chegam a 100 m de altura. Fotos: Reprodução / Progeologia

“Temos dois pacotes de rochas muito específicos dentro do perímetro dos cânions. Um é um pacote sedimentar, que é a formação tacaratu. São aqueles arenitos em torno de 300 de anos. Outro pacote é de rochas metamórficas que se aproximam de mais de 800 milhões de anos. São rochas muito mais duras,” conta o geólogo Júlio César Soares.

Grau de perigo elevado

Dentre as 13 áreas classificadas no relatório técnico como de alto perigo ao longo dos cânions, cinco delas estão em pontos turísticos do município sergipano de Canindé do São Francisco. São elas: Vale dos Mestres, Toca do Sal, Fazenda Mundo Novo, Pedra do Japonês e Trilha das Pinturas Rupestres.

O geólogo do SGB, Rubens Dias, pontua que a classificação de risco também considera a ocupação humana. “É necessário relembrar que o risco existe quando pessoas ocupam aquela determinada área; isso nos cânions do Xingó ou de qualquer outro lugar do planeta. São locais sujeitos a movimentos de massa que ocorrem por diversos motivos,” diz.

Mapeamento de risco

Dois equipamentos são considerados essenciais para realizar o mapeamento de risco geológico com alto nível de detalhamento: laser scanner e radar de solo, conhecido como GPR. Eles têm funções complementares ao possibilitar o reconhecimento do que está sobre e sob a terra, respectivamente.

“O primeiro equipamento faz um giro em 360 graus para fazer o mapeamento de afloramentos em nível de detalhes e com precisão milimétrica da estrutura das rochas. Já o GPR usa frequências eletromagnéticas emitidas por meio de uma antena para termos um desenho muito preciso daquilo que está abaixo do solo,” afirma Júlio César.

Júlio César Soares é pesquisador do Laboratório de Progeologia. Foto: Adilson Andrade/Ascom UFS

Com o êxito do projeto-piloto desenvolvido nos cânions de Xingó, o coordenador do Progeologia afirma que a proposta é ampliar a ação para outros atrativos turísticos do estado, a exemplo de áreas de serras, grutas e cachoeiras.

“A UFS tem condições, além das questões de Xingó, que tem a ver com uma preocupação mais imediata por conta de um acidente, de ampliar as medidas de orientação e de mapeamento de outros pontos turísticos também,” destaca o professor Garcia.

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A força-tarefa que percorreu os paredões do Velho Chico entre os dias 14 e 22 de fevereiro deste ano também mobilizou técnicos da Superintendência Especial de Recursos Hídricos e Meio Ambiente (Serhma) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), além das defesas civis de Sergipe, de Alagoas e de Canindé do São Francisco.

“Esse tipo de trabalho não pode ser pontual, tem de ter uma continuidade, porque os processos geológicos são previsíveis, mas os agentes que causam mudanças não são tão previsíveis assim. Esse monitoramento permanente é necessário,” acrescenta o geólogo Júlio César.

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Fonte: UFS