SANTO AMARO DAS BROTAS (SÉC. XIX): CRIOULOS, MENDICÂNCIA, RECRUTAMENTO, RECRUTAMENTO FORÇADO, APRENDIZES DE MARINHEIRO
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Prof. Me. Silvaney Silva Santos (*)

História de ontem, histórias de hoje! As coisas presentes explicadas pelas coisas “passadas”.

As coisas presentes explicadas pelas coisas “passadas”. As representações feitas sobre a história de Santo Amaro das Brotas, na História de Sergipe, fixam-se na lenda da grande vila, detentora de poder político e econômico dos liberais e conservadores de antanho.

Lenda, romantismo ou positivismo, o fato é que a história da sociedade santoamarense de tempos pretéritos está por se produzir. Aliás, tem muito a se produzir sobre a História de Sergipe além de Aracaju! A imensa maioria da sociedade oitocentista das terras às margens do Cotinguiba esteve presa ao sistema escravocrata implantado pelos Bragança quando da colonização do Brasil. As privações eram de toda ordem.

As atividades do trabalho escravo caracterizavam o dia a dia dos Sergipanos e portanto, dos santoamarenses. Jornais oitocentistas mostram as diversas tarefas perigosas e insalubres realizadas pela população escravizada em Sergipe: retirar lama das beiradas das marés para o aprofundamentos dos canais, o trabalho nos alambiques, como o do Porto das Redes, a labuta diária nos engenhos que circundam a região, o trabalho como remadores, dentre outras, constituíam a vida dos homens, mulheres e meninos da região da Cotinguiba e no alto da colina “sagrada”.

O Estado brasileiro como um monstro, sempre fez uso de uma maioria trabalhadora em detrimento de uma minoria abastada e sanguessuga. Aqueles que ficaram à margem deste processo, como os crioulos (escravos nascidos no Brasil) e os boçais abandonados foram reutilizados a partir da reconfiguração do poder imperial e da ideia de fortalecimento administrativo da nação brasileira.

O documento abaixo, publicado numa folha oitocentista, mostra um quadro deplorável da sociedade santoamarense no segundo império, em meados de 1859. Todavia, surgia ali uma nova oportunidade de no Rio de Janeiro, nos quadros da Marinha Brasileira, recomeçar uma nova vida, tão difícil quanto aquela na vila sergipana. Vejamos abaixo:

Ao Juiz de Paz em exercício da VILLA DE SANTO AMARO. – Trazendo v.m. ao meo conhecimento por seo officio de 22 do mês passado que PELASS RUAS DESSA VILLA EXISTEM VAGANDO CONSTANTEMENTE DIVERSOS MENINOS MENDICANTES, INTEIRAMENTE DESOBRIGADOS, ou debaixo da administração de pessoas que igualmente partilhão de grande indigência, concluindo, V.M. POR PEDIR-ME PROVIDÊNCIAS, QUE MELHOREM A POSIÇÃO DESSES INFELIZES, cabe-me dizer-lhe em resposta que pode v.m. remetter á esta presidência O NÚMERO DE MENORES, QUE APARECER-LHE, DE 10 A 17 ANNOS DE IDADE CONTANTO QUE SEJÃO ESTES DE CONSTITUIÇÃO ROBUSTA, AFIM DE QUE POSSÃO SEGUIR PARA O RIO DE JANEIRO, e ser ali admitidos na COMPANHIA DE MENORES, que voluntariamente se destinarem às COMPANHIAS DE APPRENDIZES MARINHEIROS receberão em PRÊMIO DE CEM MIL RÉIS, que será abonado aos pais, tutores, ou a quem suas vezes fizer, na conformidade do art. 19 das instruções, que baixarão com o decreto nº 1591 de 14 de abril de 1855.

Percebamos que essa nova viagem estava acessível somente aqueles “de constituição robusta” para a vida no mar com as suas intempéries. Consequências do escravismo, os racismos, a mendicância, a indigência, a pobreza e a fome ainda são graves problemas deste século. Desafios prementes para o futuro da humanidade.

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(*) É Mestre em História. Pesquisador. Professor dos Sistemas de Ensino Estadual e Municipal de Santo Amaro das Brotas. E-mail: silvaneysantos061045@gmail.com .