João Badari (*)

Durante anos, a palavra “desaposentação” mobilizou aposentados, advogados e o Judiciário em todo o país. O termo se referia à possibilidade de um segurado renunciar à aposentadoria já concedida para obter novo benefício, recalculado com base nas contribuições feitas após voltar ao trabalho.

A tese teve impulso especialmente após a reforma da Previdência de 1998, que endureceu critérios e reduziu valores de aposentadorias. Com a volta ao mercado de trabalho, muitos segurados continuaram contribuindo ao INSS, mas sem contrapartida no valor do benefício. A saída encontrada foi judicializar: buscava-se cancelar a aposentadoria anterior e abrir um novo cálculo, somando as contribuições antigas e novas.

A ideia enfrentava resistência do INSS e dividia tribunais. Defensores alegavam violação ao princípio contributivo-retributivo — segundo o qual o valor da aposentadoria deve refletir as contribuições efetivamente feitas. Críticos viam risco à sustentabilidade do sistema e insegurança jurídica.

Em outubro de 2016, veio o marco definitivo: o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 7 votos a 4, que a desaposentação era inconstitucional. Não havia, segundo a Corte, previsão legal para renúncia de benefício com o objetivo de recalcular valores. A decisão reafirmou a validade do art. 18, § 2º, da Lei 8.213/91, que veda novo benefício ao aposentado que permanece trabalhando e contribuindo.

Com isso, ações judiciais em curso perderam força, e o tema deixou os tribunais superiores praticamente pacificado. A última palavra veio em 2020, quando o STF reafirmou sua posição e ainda resolveu ponto sensível: aposentados que já haviam obtido decisão favorável à desaposentação com trânsito em julgado não precisariam devolver os valores recebidos. Foi um alívio para milhares de segurados beneficiados por decisões anteriores à virada da jurisprudência.

Apesar da negativa judicial, a demanda social por algum tipo de reavaliação das aposentadorias persistiu. E foi no Congresso que o debate ressurgiu, reformulado. Em maio de 2025, a Comissão de Previdência da Câmara dos Deputados aprovou um substitutivo ao Projeto de Lei 2.567/2011, relatado pela deputada Laura Carneiro (PSD-RJ). A proposta permite que aposentados que retornem à ativa por pelo menos cinco anos solicitem administrativamente o recálculo de sua aposentadoria, sem renúncia ao benefício em vigor.

A medida se aplica ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), com exceção das aposentadorias por incapacidade permanente ou especial. O pedido poderá ser feito até duas vezes. Segundo a relatora, o novo modelo corrige distorções de forma mais segura: “A desaposentação exigia a renúncia a um direito adquirido, criando insegurança. Já o recálculo administrativo evita litígios e valoriza o esforço contributivo do segurado.”

O projeto ainda precisa passar pelas comissões de Finanças e Tributação, e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Se aprovado, segue ao Senado. Por ora, representa um aceno do Legislativo a uma demanda antiga da sociedade.

A desaposentação, como construída judicialmente, está fora do horizonte jurídico desde 2016. Mas o princípio que a motivava — dar ao segurado que seguiu contribuindo a chance de ver esse esforço reconhecido — ainda inspira movimentos no Congresso. A eventual aprovação da proposta pode marcar uma virada: da via litigiosa para a solução administrativa, mais previsível e alinhada ao equilíbrio financeiro da Previdência.

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(*) É advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados

Foto: Arquivo Pessoal