José Vieira da Cruz

Historiador, professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e sócio do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE)

A Proclamação da República, ocorrida em 15 de novembro de 1889, colocou um fim no período monarquista (1822-1889), ao tempo em que deu início à República Federativa do Brasil. Neste outro período, apesar de muitas mudanças e disputas, tem se buscado estabelecer o respeito à “coisa pública”, a alternância de poder, ao sufrágio universal e aos valores democráticos em nosso país.

No curso deste processo, o Brasil tornou-se um dos últimos países do continente americano a se tornar uma República. A propósito, o 15 de novembro, deveria ser o dia da República e não de sua Proclamação – quem sabe deste modo a data alcançasse um sentido político, social e histórico ainda mais significativo.

A implantação da República, enquanto processo político, tem múltiplas razões: dilemas sucessórios, disputas com as elites econômicas-regionais, ambições de setores jovens do oficialato e, principalmente, por conta dos desdobramentos provocados pelo fim da escravatura sem as devidas políticas de reparação social.

Neste contexto, a ruptura responsável pelo fim da monarquia manteve a soberania política, territorial e constitucional do país. Mas, na fase republicana, à luz das ideias liberais adaptadas aos interesses das elites econômicas, os estados foram elevados à condição de unidades federativas com autonomia administrativa e política – uma versão abrasileirada, diferente e com características próprias, em relação ao modelo de federação fundado pelos Estados Unidos da América no século XVIII.

A República no Brasil, ao menos em suas primeiras décadas, não conseguiu envolver amplamente a sociedade, sobretudo, os setores populares. Para alguns estudiosos, sua implantação foi uma forma de golpe de estado patrocinado pelas elites militares e pelos grandes proprietários de terra descontentes com o fim da escravidão.

Nas primeiras décadas da chamada República liberal-oligárquica (1889-1930) – apesar das instabilidades, disputas, golpes, assassinatos, renúncias e ao fato de nem todos os governantes terem sido eleitos –, os estados passaram a ser administrados pelas elites locais e não mais por pessoas de outros localidades indicadas pelo Império – caminho difícil, disputado e com muitos antagonismos, mas que terminou acumulando avanços tanto nas políticas públicas quanto na infraestrutura dos estados.

Os primeiros presidentes da República, Deodoro da Fonseca e, depois dele, Floriano Peixoto, chegaram ao poder pela imposição da espada e da força das armadas que depuseram o imperador Dom Pedro II. Contudo, no curso da República, não obstante fases de dificuldades democráticas, tem prevalecido a alternância de poder entre os governos civis eleitos.

A respeito do sufrágio universal – ou seja, da escolha de governantes através do voto –, durante a Primeira República (1889-1930) apenas homens, maiores de 21 anos, alfabetizados e que estavam fora do serviço militar e de ordens religiosas, podiam votar, isto é, um percentual muitíssimo pequeno, seleto e restrito. Uma realidade distante do atual cenário democrático em que grande parte da população pode votar.

A implantação da República foi um processo tardio. As motivações para tanto estão associadas as estratégias de prolongamento e/ou de não reparação de parcelas da sociedade escravizadas e não incluídas econômica, política e socialmente, sobretudo, os índios, negros, pardos, quilombolas e ribeirinhos.

Ela, a República, surgiu com muitas expectativas, desejos e esperanças relacionadas ao desenvolvimento nacional e ao acesso à educação, à justiça social e à democracia. Mas, como somos todo(a)s testemunhas, o curso desta caminhada de 133 anos, tem sido lento, gradual, com instantes de reveses e aprendizados. Entretanto, apesar das contradições e dos horizontes de expectativas em construção, a experiência republicana e democrática brasileira tem seus méritos, precisa ser reconhecida, valorizada e respeitada.

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Foto: Arquivo Pessoal