GILFRANCISCO [*]

Jornalista combatente é o mais famoso da época da independência, causa que abraçou e que lhe valeu longos períodos de cadeia. Cipriano Barata (1762-1838) foi impiedosamente perseguido. Amigo de Frei Caneca (1779-1825), tornou-se adversário de antigos aliados como José Bonifácio de Andrade e Silva, José da Silva Lisboa e o regente Diogo Feijó.

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Grande intelectual brasileiro, coisa rara na época do Brasil-Colônia, político, crítico e corajoso, ele foi um dos primeiros jornalistas de oposição deste país. Seu jornal Sentinela da Liberdade ia às ruas mesmo estando ele preso ou não. Cipriano Barata conhecera masmorras coloniais, imperiais e regenciais e grande parte de sua vida passou nas prisões, mas este líder carismático continua omisso das novas gerações por parte da historiografia oficial.

Barata lutou na Conjuração Baiana de 1798, na República de 1817, fundou Comitê de Anistia, participou das Cortes de Lisboa, denunciou a precária Assembleia Constituinte de 1823, organizou a Confederação do Equador, defendeu a abdicação do imperador, envolveu-se em motins na Regência.

Democrata exaltadíssimo, considerado até impenitente revolucionário entre os mais intransigentes, salientou-se sempre pela inteligência, o ardor e impetuosidade, a quem o conservador Visconde de Cairu tachava severamente de demagogo republicano. Cipriano Barata foi o civil que mais conheceu prisões militares no Brasil, foi o homem de todas as revoluções.

Cipriano Jose Barata de Almeida Desenho de Domingos a sequeira Museu Nac de Arte Antiga Lisboa Rep Aut Min. de Ed. Nac. C :Reprodu‹o Grandes Personagens da Historia pag 385

Nascido em Salvador a 26 de setembro de 1762, Cipriano José Barata de Almeida, filho de um modesto tenente e uma brasileira, após concluir os primeiros estudos no Colégio dos Jesuítas, conseguiu matricular-se na tradicional Universidade de Coimbra, onde se formava grande parte da elite luso-brasileira. Formado em Filosofia, Matemática e Medicina, teve como colega de faculdade José Bonifácio, José da Silveira Lisboa (Visconde de Cairu) e muitos outros que se tornariam condes, barões e ministros.

Cipriano Barata voltou ao Brasil em 1790, trazendo consigo muitas ideias da Revolução Francesa. Depois de tentar a vida como médico, professor e lavrador, Barata não satisfeito em participar das brilhantes e clandestinas reuniões, passam a fazer pregações nas terras de sua freguesia para os camponeses, sendo denunciado a D. Maria I, pelo clero.

Cipriano Barata foi o único dos envolvidos na conjura de 1798, que frequentava tanto as articulações secretas quanto às agitações de rua, tentando, justamente, a ligação entre estes dois setores anticolonialistas da época. Detido no dia 19 se setembro de 1798, teve sua casa revistada, seus livros apreendidos pela Coroa Real. Seus depoimentos, nos Autos da Devassa, são contraditórios – ora parece envolvido, ora se mostra descrente do sucesso da Conjuração. Mas favorecido (por falta de provas) pelos critérios, classista da Coroa Portuguesa, após um ano e meio preso na cadeia da Relação na Bahia, Cipriano Barata foi posto em liberdade um ano e meio mais tarde depois de ter tentado o suicídio na prisão.

O começo foi igual aos de muitos movimentos no Brasil: de um lado a elite branca, intelectualizada e bem-nascida, proprietária e progressista, reagindo contra o absolutismo e debatendo os “ideais franceses”. Essa gente escreve, discursa, confabula e de repente entusiasma camada da população que vive semi-marginalizada. Os intelectuais debatem ideias, o povo, antes das ideias, está revoltado com sua condição de vida precária. Quando as duas coisas se unem acontece a conspiração, insubordinação e revolta armada. Dela tomaram parte padres, médicos, advogados, mas, sobretudo pessoas do povo, com sapateiros, escravos, ex-escravos, soldados e vários alfaiates, motivo pelo qual ficou também conhecida como conjuração dos alfaiates. Às nove horas da manhã do dia 8 de novembro de 1799, os quatro principais acusados da tentativa de rebelião, Lucas Dantas de Amorim Torres, Luís Gonzaga das Virgens, João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira (todos mulatos), saem da cadeia da cidade, desfilam com pregões pelas ruas de Salvador até a Praça da Piedade, onde são enforcados, em cumprimento à sentença proferida pelo Tribunal da Relação da Bahia, o mesmo que tribunal de Justiça.

Depois de aderir à Revolução de 1817 e criar no ano seguinte o primeiro Comitê de Anistia no Brasil, o qual funcionou até 1820, participou neste mesmo ano do levante popular em Salvador, deportando o governo, o que lhe valeu prestigio suficiente para obter uma cadeira na representação brasileira às Cortes de Lisboa (1821-1822), onde se revelou nacionalista e defensor da independência. Segundo o próprio Cipriano Barata, era “uma sociedade ou clube de espiões espalhados pelas nossas províncias, com ocultas correspondências e benefícios do Ministério, a fim de restabelecer a monarquia absoluta”. Obrigado a se refugiar juntamente com outros seis deputados para Portugal, por ter negado a jurar a Constituição elaborada pelas Cortes, Cipriano Barata era um dos quatros baianos que se destacaram nas Cortes de Lisboa e autor de um manifesto que pedia a suspensão dos debates em torno da Constituição até à chegada de todos os deputados. Brasileiros e portugueses, que marca a divergência entre brasileiros e portugueses, partidários do constitucionalismo. Rompendo com a Corte, Cipriano Barata proferiu junto a outros parlamentares estabelecer nova base política na Inglaterra.

Ainda em 1822, no manifesto dirigido aos governos e nações amigas, o príncipe regente, referindo-se ao revolucionário baiano, lançava-o à conta não só da primeira junta portuguesa, senão também de “alguns outros homens deslumbrados com ideias anárquicas e republicanas”. As divergências entre brasileiros e portugueses prosseguem, enquanto que as Cortes de Lisboa propunham uma série de iniciativas que viriam a exaltar novamente o povo brasileiro.

Sentinela da Liberdade Foto: Reprodução

De regresso ao Brasil, o processo da independência estava desencadeado, mas suas inclinações eram sobretudo para a República, e a partir desse momento ele inicia a sua série de Sentinelas, 9 de abril de 1823 (Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro). De linguagem sempre veemente, em sua primeira fase teve publicados sessenta e seis números e saía às quartas-feiras e sábados, alcançando logo repercussão nacional. Em 1824, a Confederação do Equador explode no Nordeste brasileiro e ele é condenado à prisão perpétua e recolhido na Fortaleza de Santa Cruz, mais conhecida como Forte Orange, fortificação localizada na Ilha de Itamaracá no litoral de Pernambuco. Na prisão, recebe visita do Imperador, ocasião em que muito detentos se apressavam em pedir clemência ao Monarca.

Foto: reprodução

Após sete anos encarcerado foi solto em 1830 e retornou à Bahia no ano seguinte, sendo novamente preso. Libertado, volta a editar seu jornal, mas devido a um boato em Salvador, de que estaria armando uma rebelião de escravos, mesmo sem provas fora preso mais uma vez, aos setenta anos de idade. Levado ao Rio de Janeiro, cumpre pena na prisão Ilha das Cobras, localizada no interior da Baia de Guanabara, onde exerce influência sobre os soldados e oficiais da guarnição, que acabam realizando um levante militar.

Sufocada a rebelião pelas forças do governo, Cipriano Barata é transferido para o navio-prisão-fragata Niterói, longe de tudo e de todos, e mesmo assim consegue lançar alguns números do seu jornal. Descoberta a façanha é mais uma vez transferido, passando por várias prisões, e em todas lança sempre a Sentinela. Sem poder resolver o problema, o Governo da Regência decide enviá-lo de volta à Bahia, a fim de livrar-se definitivamente.

Foto Reprodução Capa Livro Cipriano Barata, de Marco Morel, Editora Brasiliense

Cansado e bastante doente, ao chegar em Salvador Barata é interrogado no Hospital Militar e mais uma vez o jornal é publicado. Graças a uma grande mobilização jurídica, conseguiu ser solto em 1834. Indo para Recife, palco de antigas lutas, lá publica em setembro do ano seguinte o número 35, o ultimo jornal escrito por ele. Quase cego e sentindo fortes dores reumáticas, em 1837 aceita o convite do governador do Rio Grande do Norte, Manoel da Silva Lisboa (1807-1838), que já havia sido Presidente de Sergipe (12 de fevereiro, 1835 a 9 de março, 1836) e do Rio Grande do Norte (26 de agosto, 1837 a 11 de abril, 1838), para estabelecer residência (mulher e seis filhos) naquela província pacata, isolada das questões políticas do Império, onde não seria molestado. Após o assassinato do governador, o ativista revolucionário Cipriano Barata fica inconsolável e não mais sai de casa, em consequência as doenças se agravam, morrendo na madrugada de 1º de julho de 1838.

Mesmo depois de morto, seu nome ainda incomodava, sua presença continuou viva, animadora e dez anos mais tarde, Recife sacudiu o país com a Revolução Praieira e logo veio à tona uma Sentinela da Liberdade, desfraldando a mesma bandeira. Na década de sessenta, em plena campanha abolicionista em Pernambuco seu nome era citado nos comícios.

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com