Há exatos cinquenta e um anos, o escritor James Amado publicou no baiano Jornal A Tarde o texto “Vozes fora do tom”. O artigo ao qual me refiro, levado ao público em 22 de maio de 1971, consta nesta homenagem do pesquisador Gilfrancisco ao também baiano Pedro Militão Kilkerry. Meu acesso à tessitura de 1971 foi por aqui. Entre outras breves apreciações, o escrito traz à luz do grande público a contribuição de Augusto de Campos através da publicação do livro “Revisão de Kilkerry”. Como o próprio título do livro já sugere, trata-se do resgate da obra de Kilkerry e também da tentativa do reconhecimento de seu valor diante da literatura brasileira. Portanto, com a obra crítica de autoria do concretista, cabe também falar em revisão da literatura brasileira e/ou uma nova visão ao simbolismo brasileiro, uma revisão dos manuais e livros didáticos de nossas letras.

Entre os escritos que compõem este livro, há uma unanimidade, que é reconhecer a importância do livro Augusto de Campos para o reavivamento de Kilkerry, sem, contudo, outras vozes deixarem de registar os importantes papéis desempenhados por Jackson Figueiredo, Carlos Chiacchio e Andrade Muricy. Todos homens que preferiram apostar em suas próprias avaliações e em certa medida questionar a ausência do poeta e prosador nas listas do simbolismo brasileiro, repetidas em manuais e compêndios destinados a estudantes, especialista e a amantes da cultura. Tendo partido sem a merecida fama e precocemente aos 32 anos de idade, vítima do insucesso de uma traqueotomia, a retomada do nome de Kilkerry por importante crítico literário do Sudeste do país parece eleva-lo do quase anonimato baiano às reivindicações para o pertencimento ao conjunto dos nomes nacionais. Contudo, se há um clamor vindo do centro econômico do país, os clamores nordestinos pelo reconhecimento de Kilkerry não ressonaram a ponto de uma efetiva participação dos poderes púbicos do estado natal do rapaz “alto, magro, feio, feiíssimo”, nem na primeira e nem na segunda edições de “Revisão de Kilkerry”. O mesmo descuido ocorre com esta publicação, patrocinada com os parcos recursos pessoais do septuagenário pesquisador, doutor honoris causa pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Conta-nos Gilfrancisco, que há um desejo já um pouco antigo de uma terceira edição do citado livro de Campos e que o material aqui publicado também foi enviado ao crítico nonagenário para compor a impressão ampliada. Composto por poesias esquecidas em hemerotecas de nosso país, por uma fortuna crítica atualizada e artigos de opinião, esta brochura propõe-se a divulgar aspectos importantes da obra do também tradutor do grego, latim, inglês, francês, italiano, alemão e que já começava a aprender o árabe. Ao nos mostrar o veio de articulista de opinião e assessor político comprometido com o grupo do governador baiano José Joaquim Seabra, Gilfrancisco aponta, como de costume, mais algumas pistas e informações prontas para novas escritas sobre Kilkerry. Pós-graduandos de todos os níveis e outros pesquisadores certamente não perderam a oportunidade.

Sendo assim, além de reconhecer os valores daqueles que antes dele escreveram sobre Kilkerry, Gilfrancisco, novamente, contribui para a história e crítica da literatura brasileira, retirando da invisibilidade e do esquecimento importantes páginas de nossa vida literária, desconhecidas também por Augusto de Campos, Jackson Figueiredo, Carlos Chiacchio e Andrade Muricy. Evidente que esse livro pode interessar não apenas às pesquisadoras e pesquisadores, pois encontrarão aqui professoras, professores, leitores e leitoras em geral curiosidades satisfeitas e aguçadas com os paradigmas indiciários devidamente registrados e honestamente referenciados. Espero mesmo que a leitura desta importante obra sobre Kilkerry leve a ousadia da complementação de nossos livros didáticos a nossos regentes e a nossas regentes de classe, atarefados e atarefadas na extenuante dedicação à docência. Afinal, o que se espera de todo resgate é o devido prolongamento da vida, a continuidade e a melhoria do ser e do estar no mundo. Pois que a obra “Pedro Kilkerry: maldito entre malditos” seja bendita nos cursos de literatura, nas diversas possibilidade de formação leitora e de encantamento.

Bahia, 22 e 23 de maio de 2022.

Prof. Dr. Gildeci de Oliveira Leite (PPGEL1/MPEJA2 – UNEB3)

——————————

¹ Programa de Pós-graduação em Estudo de Linguagem – UNEB.

² Programa de Pós-graduação em Educação de Jovens e Adultos – UNEB.

³ Universidade do Estado da Bahia.