GILFRANCISCO [*]

Em artigo publicado na Gazeta de Sergipe de 25 de outubro de 1968, sobre a morte do escritor Austrogésilo Santana Porto (1921-1968), o jornalista capelense Zózimo Lima (1889-1974), autor do livro “Variações em fá sustenido”, de 2002, traça algumas linhas sobre seu parentesco com o autor do “Realismo Social da Poesia em Sergipe”:

Morreu Austrogésilo Porto, filho da Capela, meu conterrâneo, possivelmente meu parente, por consanguinidade, de vez que todos os Portos de Capela, Nossa Senhora das Dores e Propriá constituem uma só família. Todos descendemos daqueles terríveis sacerdotes, de sangue nas guerras, que foram Gratuliano, primeiro vigário de Capela, seu coadjutor padre-doutor Manuel da Silva Porto, catedrático da Faculdade de Olinda e depois juiz de direito da Comarca de Vila Nova do Rio São Francisco e o civil Francisco da Silva Porto, o popular e humanista Capitão Nou, como era conhecido, além de mais quatro irmãs, todos filhos do galego portuense José Francisco da Silva, o qual adotara o sobrenome Porto, por ter nascido naquela cidade lusitana, casado com Maria Perpetua de Sá, descendente do Capitão Luiz de Andrade Pacheco, fundador da Capela.

Austrogésilo Porto Foto: Reprodução

Nascido em Capela em 9 de março de 1921, filho de Capitulina de Santana Porto e João Guilherme de Santana, Austrogésilo Porto era casado e pai de cinco filhos. Pertencente à classe média, viveu em Capela parte de sua juventude e fez os seus primeiros anos escolares na sua cidade natal. Autodidata, revelara aos filhos que sua professora do curso primário falava “que já não havia coisas novas a lhe ensinar”, tal fora sua curiosidade. Em 1944, Austrogésilo Santana Porto transferiu-se para Aracaju onde iniciou sua carreira literária, passando a ter contato com os poetas José Sampaio, Enoch Santiago Filho, Carlos Garcia, Walter e Aluysio Sampaio, Nélson de Araújo e outros. Na província, publicou poemas e artigos, além de ter sido um dos fundadores da revista modernista sergipana Época (1949).

Os Comitês Populares

Em Aracaju, durante todo o ano de 1945, o Partido Comunista realizou uma série de comícios, através da criação de inúmeros Comitês Populares Democráticos fundados não somente em bairros de Aracaju, como em outras cidades do interior do estado. No bairro Joaquim Távora, os moradores do bairro armaram um palanque, embandeiraram a rua e prepararam festivamente a instalação de seu Comitê que decorreu sob um ambiente de grande entusiasmo e grande compreensão patriótica. Fizeram ouvir vários operários e militantes como Austrogésilo Porto, Carlos Garcia e Antônio Clodomir. Foi lido o Manifesto-Programa contendo as reivindicações mais sentidas do bairro e levantados seus problemas mais imediatos, para cuja solução, o Comitê deveria trabalhar.

No Siqueira Campos, realizou-se o terceiro comício reparatório, discursando na inauguração os militantes Carlos Garcia, Antônio Clodomir e Joel Dias. Outro Comitê Popular Democrático instalado foi o da Rua Nobre de Lacerda com Lagarto. De um palanque improvisado armado naquele local, falaram os seguintes oradores: João Almeida, Lourival Pinheiro, Carlos Torres, Austrogésilo Porto, Maria Irene, Reginaldo Oliveira, José Menezes e Carlos Garcia. O programa do Comitê abrange, além das reivindicações da Rua Nobre de Lacerda e adjacência, a luta pacífica pela democratização do país, “campanha pelo voto consciente esclarecimento, por meio de comícios, conferências e palestras, dos nossos problemas econômicos e políticos. Durante o evento foi escolhida a diretoria do Comitê: presidente João Almeida; vice-presidente Lourival Pinheiro; 1º. Secretário Clovis Meira; 2º secretário Wilson Coronha dos Santos; tesoureiro Gilberto Teles de Menezes, secretário de reivindicações Benedito Justino e Antônio Torres de Jesus, de propaganda”. 1

Ideais da juventude

Segundo o depoimento de uma das filhas (sem autorização para mencioná-la) atualmente residindo fora do estado, ela afirma: “Meu pai teve sim tendência e admiração às ideias marxistas em sua juventude, mas apenas isto! O que ele admirava mesmo era o modelo socialista dos filósofos franceses como Saint Simon, dentre outros. Quando foi preso em 1964, não havia nenhuma acusação deste porte contra ele. Mas, na época, ele ocupava um cargo alto no funcionalismo federal. E foi aconselhado por um famoso advogado sergipano que estava preso na mesma cela a renunciar ao cargo. Soltaram-lhe com um documento oficial que dizia nada terem contra ele. Aí ele começou a se apagar diante da vida”.

Na verdade, vamos encontrá-lo no início de 1946, desempenhando suas atividades de jornalista, na Redação do Jornal do Povo, convivendo diariamente com outros militantes comunistas: Carlos Garcia, Aluysio e Walter Sampaio, Márcio Rollemberg, João Batista Lima e Silva, Nélson de Araújo, Fragmon Carlos Borges, Hernane Prata e outros. Nesse periódico, Austrogésilo Santana Porto publicou os seguintes artigos localizados por este pesquisador: Os Candidatos do Povo; Operárias do Tecido e Boa exibição do teatro universal.

Jornal do Povo (1945-1948)

Tendo iniciado a sua publicação no final do mês de novembro, o semanário sergipano foi dirigido por vários jornalistas, começando pelo advogado Márcio Rollemberg Leite seguido pelo filósofo João Batista Lima e Silva e finalizando com o advogado Carlos Garcia. O periódico alcançou, em edição de abril de 1946, uma tiragem de dois mil exemplares, caso raro para um semanário. Foram muitos os seus colaboradores durante os três anos de existência, vejamos alguns: Austrogésilo Porto, Aluysio Sampaio, Armando Domingues, Astrojildo Pereira, Antônio Clodomir, Bonifácio Fortes, Camilo de Jesus Lima, Carlos Garcia, Franco Freire, Florival Ramo, Hugo Tavares, Hernane Prata, J. Santiago, José Waldson Campos, João Batista Lima e Silva, Luiz Carlos Prestes, Mauricio Grabois, Márcio Rollemberg Leite, Monteiro Lobato, Nélson de Araújo, Pedro Pomar, Robério Garcia, Santos Morais, Walter Sampaio e outros.

Revista Época (1948/1949)

Revista Época Foto: Reprodução

Época (Mensário a Serviço da Cultura e da Democracia) tem rápida duração. Aparece o primeiro número em agosto de 1948, 32 páginas e o terceiro em janeiro de 1949. O periódico apresenta o formato de 27,5×18,5, sendo a mancha de 23,5×15, com indicação de páginas, no número um, na parte inferior, lado esquerdo. Nos três números da revista, a capa não se apresenta uniforme e trazia impresso o preço de cada exemplar, de Cr$2.00 (dois cruzeiros). A maioria dos colaboradores que assinam produções em Época são membros do Partido Comunista ou simpatizantes. Muitos deles haviam atuado no Jornal do Povo (1946-1948), dirigido por Walter Sampaio. Para os artigos, na maioria constituída por textos em prosa (contos, entrevistas, capítulos de livros), são utilizados corpos diversos, porém a maior parte dos textos está em corpo 10 e o nome dos autores aparece em caixa alta ou caixa baixa. A capa, de cor amarelada, desenho de Álvaro Santos sobre Monteiro Lobato, é uma homenagem do pintor sergipano ao intelectual criador de Jeca Tatu e Zé Brasil, por sua luta em defesa do nosso petróleo e da independência econômica e política do Brasil. Austrogésilo Porto, além de secretariar a revista, publica: Angústia nos Rostos e Lembrança da moça de Varsóvia.

Folha Popular (1954-1964)

A única coleção disponível no Estado de Sergipe do periódico comunista estudado encontra-se no acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, cuja coleção inicia com o número 31, Ano II, 28 de maio de 1955, e encerra-se no nº448, Ano XI, 21 de março de 1964. Devido a sua longa existência, foram muitos os seus colaboradores: Alberto Santos, Artur Silva, Antônio Silva, Antônio Bittencourt, Antônio Correia dos Santos, Bonifácio Fortes, Célio Nunes, Clarêncio Fontes, Gondin da Fonseca, Iran Oliveira, Izaque Souza, J. Oliveira, João Batista Lima e Silva, José Almeida, Luiz Carlos Prestes, Nelito Nunes Carvalho, Nilo Carvalho, Nery Reis, Osmar Azevedo, Paulo Mendes, Raul Lima, Reginaldo Sales, Renato Mazze Lucas, Robério Garcia, Solon Cardoso, Austregésilo Porto e outros. A Folha Popular teve, como seus diretores, os jornalistas Fragmon Carlos Borges e Robério Garcia, militantes com grande experiência com a política partidária, pois haviam trabalhado no jornal A Verdade. Era comum os jornais da Imprensa Popular noticiarem, em edição seguinte, os motivos da não circulação do dia anterior.

O periódico comunista Folha Popular surgiu em dezembro de 1954 e circulou até o número 448, datado de 21 de março de 1964. Era um jornal dedicado para a mobilização da classe trabalhadora, transmitindo informações políticas e econômicas no âmbito estadual e principalmente federal. Porta-voz do PCB, tinha sua redação e oficinas por volta de 1964 na Rua Professor Florentino Menezes, antiga São Vicente. Dentre os seus colaboradores, estava o contista Renato Mazze Lucas, único a publicar livro pela Editora Vitória, sediada no Rio de Janeiro, órgão divulgador das ideias comunistas no Brasil, responsável pela publicação de livros de autores comunistas, que edita em 1961 a obra do autor sergipano, intitulada Anum Branco e outros contos, ilustrada por Leonardo Alencar.

Austrogésilo Santana Porto publica alguns artigos: Os roceiros aterrorizados com o preço do algodão e O Realismo Social.

Prêmio João Ribeiro

Austrogésilo Porto Foto: Reprodução

O centenário de nascimento do grande intelectual sergipano João Ribeiro ocorreu em 24 de junho de 1960. Num justo realce às comemorações, a Secretaria de Educação, Cultura e Saúde do Estado instituiu um concurso de monografias sobre vida e obra de João Ribeiro, cuja comissão era constituída de intelectuais e professores notáveis: Dr. Luciano Duarte, o jornalista Zózimo Lima, professor João Costa, jornalista Alberto Carvalho e o professor João Cajueiro. Nove concorrentes ao certame foi o índice do interesse pela obra do ilustre sergipano de Laranjeiras. E como ponto culminante das festividades, foi convidado o grande folclorista Luiz da Câmara Cascudo para pronunciar uma conferência na data festiva. A oratória barroca de Câmara Cascudo acendeu velas ao João Ribeiro. Uma palestra brilhante, feita com inteligência, um descortino da aurora de João Ribeiro.

Na mesma noite, foram entregues os prêmios e a menção honrosa aos vencedores do concurso João Ribeiro. O primeiro lugar coube ao jornalista e ensaísta Austrogésilo Santana Porto com o trabalho “João Ribeiro e a primeira interpretação sociológica na história do Brasil”. Em segundo lugar, a poeta Núbia Marques de Azevedo com a monografia “João Ribeiro, o poeta”. Em terceiro, outra poeta, Giselda Meneses Santana, com o estudo “João Ribeiro e a História do Brasil”.

A monografia de Austrogésilo Porto trata-se de um esforço judicioso e bem orientado no sentido de situar a obra de João Ribeiro como historiador dentre dos aspectos novos que lhe são peculiares, isto, é, da primeira tentativa, no Brasil, de uma história de caráter científico, e não de uma história como simples enumeração de fatos desligados da realidade externa e interna do país, decorrentes da vontade de figuras iluminadas.

O trabalho foi publicado no Caderno de Cultura, 12 de novembro de 1961.

O livro Vermelho

Foto: Reprodução da capa do livro Realismo Social na Poesia em Sergipe

Austrogésilo Santana Porto tem um único livro publicado: O Realismo Social na Poesia em Sergipe. Aracaju, Livraria Regina, 1960, trazendo abas assinadas por Antônio Garcia Filho, então presidente do Clube Sergipano de Poesia. São 141 páginas enfeixadas numa bonita capa de cor vermelha. O exemplar que possuo, adquirido num sebo da capital aracajuana foi autografado a Luiz Bispo em 1º de setembro de 1960. O livro recebeu, antes do lançamento, um comentário de Alberto Carvalho e Bonifácio Fortes, responsáveis pela direção da página Literatura – livros e autores, da Gazeta de Sergipe, em 28 agosto de 1960, o seguinte comentário:

Inegavelmente a sua nova obra é a primeira sistematização de uma atividade literária entre nós vista sob aspecto tão atual. Não se trata de um trabalho impressionista ou sentimental. O Realismo Social é analisado em suas causas e em seus aspectos mais importantes, ensejando oportunidades a conclusões felizes.

Neste registro ligeiro queremos chamar a atenção dos leitores para a seriedade dos temas que têm sido atualmente abordados entre nós. Nas artes plásticas, na literatura, na literatura propriamente dita e no ensaio, observa-se significativo empenho de presença, de participação nos problemas mais importantes de nossa época. Austrogésilo Porto em sua obra demonstra compreender o vulto da empresa dos intelectuais da atualidade. Não há lugar para indiferentes ou distraídos no mundo tormentoso que vive o drama de Cuba, participa das angústias da era atômica…

Talvez o único registro do livro na capital federal tenha ocorrido graças ao amigo e romancista baiano Santos Moraes, antigo colaborador da revista sergipana Época que, através da coluna Gazetilha Literária, do prestigioso Jornal do Comércio, edição de 28 de outubro de 1960, comentou a publicação de O Realismo Social na Poesia em Sergipe:

Editado pela Livraria Regina, de Aracaju, recebemos o livro de Austrogésilo Santana Porto, O Realismo Social na Poesia em Sergipe, reunindo vários estudos do jovem intelectual sergipano sobre poetas de sua terra, aparecidos partir da década de 30, e que deram à sua produção um sentido social, refletindo a inquietação do mundo no ante e no pós-guerra. Acompanha cada estudo uma pequena seleção de versos do poeta analisado, demodo a nos dar um completo panorama da poesia nos últimos 30 anos no pequeno estado nordestino.

Dos autores estudados os mais conhecidos são José Sampaio e Enoch Santiago Filho, ambos autênticos poetas, destinados a realizar obra de repercussão nacional, não foram contingências intervenientes que lhe cortaram a carreira. O primeiro, de origem muito humilde, obrigado a ganhar a vida como caixeiro viajante no interior, morto aos 42 anos, e o segundo Enoch Santiago Filho, um dos maiores talentos poéticos que eu já conheci, morto aos 26 anos por uma crise cardíaca. Além destes dois, Austrogésilo Santana Porto estuda ainda os seguintes: José Amado Nascimento, José Santo Sousa, José Maria Fontes, João Freire Ribeiro, e os mais novos Eunaldo Costa, Dermeval Mangueira, Alberto Carvalho, Alencar Filho, Clarêncio Fontes, Giselda Morais, Núbia Marques Azevedo.

O Realismo Social na Poesia em Sergipe é bem um testemunho relevante da atividade intelectual naquele estado. É um livro bem apresentado graficamente, escrito com seriedade e inteligência, que bem pode servir de exemplo e modelo aos que moram nas províncias distantes, no ingrato mister das letras.

O jornalista e militante sindical Nery Reis, publica, na Folha Popular de 12 de novembro de 1960, uma análise longa e brilhante do livro em questão diz:

A que tarefa se propôs Austrogésilo? Escrever poesia? Evidentemente, não. Limitou-se a realizar uma apreciação crítica da obra de poetas de nossa terra, os quais ele julga figuras notáveis de nossa poesia.

Pode ter cometido erros, limitações de toda ordem, mas não devemos negar seu esforço ao tentar realizar uma crítica serena e imparcial dos valores positivos da poesia sergipana.

A meu ver, seu grande mérito consistiu em divulgar um método novo de análise, um critério ideológico. Procurou estudar a poesia sergipana utilizando elementos do método crítico dialético, aplicando-o ao estudo de uma forma específica de arte: a poesia.

Passados mais de cinquenta anos, O Realismo Social na Poesia em Sergipe, de Austrogésilo Santana Porto, continua a despertar novos interesses aos jovens pesquisadores acadêmicos, em busca de novos estudos sobre a evolução da poesia em Sergipe. Esse é o caso do professor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Thiago Martins Prado, que há anos estuda a influência do Realismo Social na Literatura Sergipana:

Com o livro O realismo social na poesia em Sergipe, publicado no ano de 1960, Santana Porto descarta o discurso de autonomia do objeto estético, ele denuncia a pretensão de certos movimentos da tradição literária em objetivarem um sistema estético à parte dos conflitos sociais. No livro, em verdade, Santana Porto apresenta o fenômeno literário compreendido como resultado desses conflitos e repleto de lutas simbólico-sociais ocorrendo dentro da própria literatura.

Vingador

Chama-se Dermeval Mangueira sergipano de Aracaju, funcionário da Câmara dos Vereadores e secretário do Diretório Municipal do Partido Trabalhista Brasileiro, em Aracaju. Quando Mangueira publicou, em 21 de julho de 1956 na Gazeta Socialista o poema Sina de Operário, veio acompanhado da seguinte nota de Santana Porto:

Dermeval Mangueira é um poeta sergipano de marcada vocação para a poesia de caráter social. De sua autoria vimos na edição deste jornal, de 9 de junho último, o poema Gritos, e agora temos Sina de Operário. Ambos estes traduzem certa profundeza de sentimentos, na expressão da piedade do poeta para com os que sofrem. Chamamos a atenção do leitor para o sentido destes poemas, damos o nosso estímulo ao autor.

O então diretor-comercial do Diário de Sergipe ficou enfurecido com a crítica literária abordada pelo autor do livro O Realismo Social na Poesia em Sergipe e passou a atacá-lo em cinco artigos furiosos à pessoa do Sr. Austrogésilo Santana Porto, alguns assinados outros não. A primeira publicação, de 13 de setembro de 1960 (não assinada), apresenta um crítico traidor – um livro falso, contrapõe-se à afirmação de Austrogésilo Porto, discordando sobre o poeta José Sampaio:

“Os poemas mais revolucionários de Sampaio foram divulgados justamente em pleno Estado Novo. Jornais e revistas os publicaram, com o assentimento da censura. Seiva, revista baiana, estampou, livremente, “Rua das Vítimas” um dos poemas mais fortes de Sampaio. Símbolo, órgão de cultura dos estudantes sergipanos, em 1939, publicou, sem qualquer embaraço, poemas de Sampaio.

O restante do texto são ataques pessoais que não merecem ser aqui reproduzidos.

O segundo artigo, Esperneia-se o Totó, de 20 de setembro, também anônimo, mas todos já sabiam a sua autoria, questionava uma entrevista de Austrogésilo Santana Porto concedida ao programa Atividades Culturais, da Rádio Cultura, apresentado pelo artista plástico Leonardo Alencar, segundo ele:

A Rádio Cultura o acolheu à revelia da autoridade eclesiástica, pois não acreditamos que Dom Távora e Monsenhor Luciano Duarte dê guarida a um comunista ateu, a um homem sem Deus que, no seu livro, quis transformar um poeta lírico, que foi cristão e morreu católico (José Sampaio) num reles agitador vermelho, num poeta de vanguarda.

A repercussão da entrevista deixou Dermeval Mangueira ainda mais irritado. O terceiro artigo contra o autor do livro em questão, publicada em 23 de setembro, assinada por Dermerval Mangueira, intitula-se O ingrato Totó e a minha incultura, afirma:

Não tem valor porque está ceivado de falsidades, de mentiras. Não tem valor porque está mal escrito.

E tenta demonstrar piedade por Austrogésilo, que ele chama de Totó e que, anteriormente, em 1940, haviam se tornado amigos:

Reanimou despertando-lhe ideias otimistas e mostrando-lhe que poderia vencer na vida, se estudasse e tivesse coragem de enfrentar o futuro.

E fecha o artigo afirmando que:

Encerrarei a campanha que desencadeei contra os erros e as injustiças do seu livro.

Em seu livro O Realismo Social na Poesia em Sergipe, II Parte – Os Novos, Austrogésilo Porto contempla o poeta Dermeval Mangueira com três poemas: Jabotiana, O Guarda Noturno, Canto de Dor e Esperança, além de um comentário:

Nasceu em Aracaju. Apesar de sua idade, surgiu como poeta há poucos anos. Estudou muito pouco. Tem uma amarga experiência da vida. Sua tristeza maior, entretanto, é não ter podido estudar, em vista da sua origem muito humilde, acarretado ainda por severos problemas financeiros. Quase sem cultura, no início, temia até publicar suas produções. Mas, num esforço admirável, conseguiu o necessário para dar forma ao sentimento poético, conduzido por real vocação artística.

Mangueira não cumpriu a promessa e escreve mais um artigo, Desmoralizado Totó xinga o deputado Durval Militão, de 30 de setembro (não assinado), no qual trata mais uma vez de ofensas pessoais. E finalmente publica o quinto artigo em 11 de novembro, Palhaçadas do Totó – advertência oportuna, assinado por Dermeval Mangueira. O autor do artigo se diz vítima de perseguição por parte do escritor Austrogésilo Porto e seus capangas, que o seguem por toda Aracaju:

Devo declarar, antes de mais nada, que não temo os arreganhos do Totó e as suas palhaçadas não me assustam. Se ele quiser se encontrar comigo, homem pra homem é só marcar dia, hora e local. Mas se vier traiçoeiramente, homens (capangas) contra homem, previno honestamente que não ficará um só para contar a história, a menos que me consigam abater do primeiro golpe.

Mais adiante, Dermeval reafirma tudo que escreveu e publicou sobre o escritor Austrogésilo Santana Porto e seu livro “ridículo”, segundo ele:

Aos Sábados

Esta coluna de teor cultural destinava-se a divulgar nossas letras e artes, e era publicada no Diário de Aracaju, órgão dos Diários Associados, criado pelo paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968), a maior rede de comunicação do país. Mais conhecido como Assis Chateaubriand ou Chatô, atuou como jornalista, escritor, advogado, professor de direito, empresário, mecenas e político brasileiro.

Aos Sábados foi iniciada na edição de nº733 (14 setembro de 1968) seguida de mais três edições: de 21 de setembro, de 28 setembro e de 5 de outubro de 1968, interrompida em decorrência do agravamento da saúde do jornalista Austrogésilo Porto, que falecera dias depois, a 22 do mês de outubro do ano.

Sobre sua morte, o Diário de Aracaju registra:

Austrogésilo Porto

(Departamento de Pesquisa do DA)

Austrogésilo Santana Porto, que faleceu ontem, quando ainda muito se poderia esperar de sua inteligência, do seu espírito de observação e crítica, deixa um excelente livro O Realismo Social na Poesia em Sergipe, uma obra de originalidade inconfundível e de extrema importância no sentido de contribuição para um futuro estudo da literatura sergipana, principalmente no que se relaciona especificamente com nossa produção poética.

Lançado em 60, O Realismo Social na Poesia em Sergipe defende teses polêmicas, lança argumentos discutíveis, mas contribui decisivamente para uma visão diferente da nossa poesia. Trazendo para a discussão, por exemplo, a obra de José Sampaio, revendo a obra de Enoch Santiago Filho e analisando alguns contemporâneos, Austrogésilo Porto realizou algo que se tornou rapidamente útil à pesquisa e à consulta.

Há muitos meses anunciava a conclusão de uma Antologia do Conto Sergipano, desde os seus primórdios aos seus atuais representantes. E os leitores esperavam o livro ansiosamente, pela sua importância pioneira, pelos conceitos que pessoais e contundentes, viriam certamente. Austrogésilo não conseguiu ver, em vida, seu livro publicado.

Jornalista há muitos anos, colaborador de jornais, revistas e publicações que já desapareceram, desportista atuante, boêmio aposentado e sobretudo um grande amigo, um grande “papo”. Austrogésilo desaparece numa época onde, dolorosamente, os bons estão partindo… E no caso de Austrogésilo Porto – ultimamente também um colaborador do DA – o caso se reveste de uma crueldade patética, porque tratava-se sobretudo de um homem que acreditava no poder da vida e numa sociedade mais perfeita, que necessitasse menos das vozes dos poetas que apreciava e difundia.

Falecimento

Falecido em 22 de outubro de 1968, em Aracaju, aos 47 anos de aneurisma cerebral, Austrogésilo Santana Porto teve vida intensa em todas as suas atividades, quer como jornalista, radialista esportivo e funcionário. Austrogésilo Porto colaborou em vários jornais: Correio de Aracaju, Jornal do Povo, Sergipe-Jornal, Gazeta de Sergipe, Revista Época, Folha Popular, Diário de Aracaju e outros. Mesmo assim, nessas duas últimas décadas, esteve excluído, pelo menos em quatro publicações de prosa e verso da literatura sergipana:

– Poesia Sergipana (uma antologia), José Olyntho e Márcia Maria (pesquisa, seleção e notas. Gráfica Brasília, 1988. Prosa Sergipana (uma antologia), José Olyntho e Márcia Maria (pesquisa, seleção e notas). Thesaurus, Brasília, 1992. Literatura Sergipana Prosa – Antologia, Jorge Carvalho Nascimento. Aracaju, SEER, 1998. A Poesia sergipana no século XX (antologia), Assis Brasil (org. introdução e notas). Rio de Janeiro, Imago/Governo de Sergipe – SEED, 1998.

A quem interessar possa

Parece-me que, após o falecimento de Luiz Antônio Barreto (1944-2012), jornalista e estudioso da memória cultural de Sergipe, só restou Gilfrancisco para dar informações sobre as coisas da terra de Tobias Barreto. Verdade é que existem outros intelectuais pesquisadores capacitados a contribuir com as informações solicitadas. Alguns deles possuem bibliotecas melhores em título que a minha, mas ainda não descobriram a razão de ser tão procurado. Agradeço as indicações de professores para orientar em monografias, dissertações de mestrados e teses de doutoramento os seus acadêmicos, de vários institutos, faculdades e universidades do país.

Quero registrar um fato curioso, ocorrido quando foram criar, em 2017, a Academia Capelense de Letras e Artes – ACLA, cujo patrono de uma das cadeiras é o escritor Austrogésilo Santana Porto. Fui procurado por um acadêmico da Agremiação Cultural para repassar alguns dados biográficos do homenageado sob alegação de nada existir em Capela.

Muitas vezes, o interessado não se identifica, nem diz qual a finalidade da busca daquele material. Vão logo dizendo não achei nada, o que o senhor tem sobre ele. O mais desagradável é que recebem as informações desejadas e, na maioria das vezes, quando o trabalho é realizado, esquecem de mencionar os créditos das fontes. Para essas pessoas e a quem possa interessar, é só pesquisar ir aos arquivos que são vários disponíveis no estado. Aqui estou apresentando o jornalista contista, poeta e ensaísta Austrogésilo Santana Porto, autor do livro, que cujo livro há muito merece uma reedição, O Realismo Social na Poesia em Sergipe.

Alguns trabalhos publicados na Imprensa

– 1. Eu seguirei minha jornada (poema). Correio de Aracaju, nº 3.836, 3 de fevereiro de 1945.

– 2. Abaixo os semeadores da infâmia. Correio de Aracaju, nº 3.915, 28 de maio de 1945.

– 3. Operárias do tecido. (artigo). Jornal do Povo. Aracaju, nº 21, 8 de abril de 1946.

– 4. Os roceiros aterrorizados com o preço do algodão. Folha Popular. Aracaju, 18 de fevereiro de 1946.

– 5. Os candidatos do Povo. Jornal do Povo. Aracaju, 13 de dezembro de 1946.

– 6. Boa Exibição do Teatro Universal. Jornal do Povo. Aracaju, nº 252, 20 de novembro de 1947.

7. Angústia nos Rostos (conto). Época. Aracaju, Ano I, nº 2, outubro/novembro, 1948.

– 8. Lembrança da moça de Varsóvia (poema). Época. Aracaju, Ano I, nº 3, janeiro, 1949.

– 9. Humanismo na Poesia de José Sampaio. Correio de Aracaju, nº 4.925, 3 de agosto de 1954.

-10. O Romantismo Revolucionário de José Sampaio. Gazeta de Sergipe. Aracaju, nº 116, 3 de abril de 1960.

-11. O Realismo Social. Folha Popular. Aracaju, 12 de novembro de 1960.

– 12. As Dez que mais brilharam. Sergipe-Jornal, nº 14.212, 5 de janeiro de 1961.

-13. Obrigado a vocês Aeromoças da Vasp. Correio de Aracaju, nº 6.505, 28 de fevereiro de 1961.

– 14. João Ribeiro e a primeira interpretação sociológica do Brasil. Caderno de Cultura. Aracaju, 12 de novembro de 1961.

– 15. Aos Sábados (coluna literária). Diário de Aracaju, nº 733, 14 de setembro de 1968.

– 16. Aos Sábados (coluna literária). Diário de Aracaju, nº739, 21 de setembro de 1968.

– 17. Aos Sábados (coluna literária). Diário de Aracaju, nº 745, 28 de setembro de 1968.

– 18. Aos Sábados (coluna literária). Diário de Aracaju, nº 751, 05 de outubro de 1968.

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Alguns trabalhos publicados sobre sua obra

1. Austregésilo Porto e Realismo Social, Alberto Carvalho e Bonifácio Fortes.

Gazeta de Sergipe. Aracaju, nº 619, 28 de agosto de 1960.

2. Um crítico traidor – um livro falso.

Diário de Sergipe. Aracaju, nº 3.088 13 de setembro de 1960.

3. A Margem da crítica, Gregório Grave.

Diário de Sergipe. Aracaju, nº 3.089, 16 de setembro de 1960.

4. Esperneia-se o Totó.

Diário de Sergipe. Aracaju, nº 3.090, 20 de setembro de 1960.

5. O Ingrato Totó e minha incultura, Dermerval Mangueira.

Diário de Sergipe. Aracaju, nº 3.091, 23 de setembro de 1960.

6. Desmoralizado Totó.

Diário de Sergipe. Aracaju, 30 de setembro de 1960.

7. Morre um escritor Capelense, Zózimo Lima.

Gazeta de Sergipe. Aracaju, nº 3.693, 25 de outubro de 1960.

8. Um livro da Província: Sergipe, Santos Moraes. Jornal do Comércio – Gazetilha Literária. Rio de Janeiro, 28 de outubro de 1960.

9. Palhaçadas do Totó – advertência Oportuna, Dermeval Mangue

Diário de Sergipe. Aracaju, nº 3.103, 11 de novembro de 1960.

10. O Realismo Social na Poesia em Sergipe, Nery Reis

Folha Popular. Aracaju, nº 298, 12 de novembro de 1960.

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com