GILFRANCISCO é jornalista, pesquisador, escritor e Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS. E-mail: gilfrancico.santos@gmail.com
—-
“Eu vivo numa sociedade em que o saber é uma mercadoria. Tenho que resgatar a prazo, numa faculdade, o diploma, e depois revende-lo no mercado”.
Antonio Risério
——
Nascido em Salvador em 21 de novembro de 1953, é poeta, escritor, jornalista e antropólogo. Fez política estudantil, membro da Política Operária (Polop) foi preso pela ditadura militar em 1968, mergulhou na viagem da contracultura, editou revistas de poesia experimental na década de 70 e escreveu para a imprensa brasileira: Código, Muda, Bahia Invenção. Em dezembro de 1989, Risério criou o suplemento quinzenal do Jornal da Bahia, Fetiche, editando nove números.
Em 1995 defende dissertação de Mestrado em Sociologia com especialização na Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Participou das campanhas políticas dos políticos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Teve suas parcerias poético-musicais gravadas por diversas estrelas da Música Popular Brasileira, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Alfredo, Diana Pequeno, Morais Moreira, J. Veloso, MPB 4, Arnaldo Antunes, Gereba, Lazzo Matumbi, Paulinho Boca de Cantor, Chico Evangelista, Armandinho.
Antonio Risério integrou a equipe que coordenou a implantação da televisão educativa na Bahia, foi um dos criadores da Fundação Gregório de Mattos, concebeu e dirigiu o Centro de Referência Negromestiça (Cerne), onde foi editor da revista Padê. Risério fez parte do grupo de idealizadores da Fundaçãondazul e integrante da equipe que implantou o hospital Sarah-Salvador. São de sua autoria os argumentos e roteiros para a série ‘O Povo Brasileiro’, adaptação para a televisão da obra de Darcy Ribeiro.
Risério tem aproximadamente, trinta títulos publicados, dentre os seus livros, destacam-se: ‘Carnaval Ijexá’ – notas sobre os blocos e afoxés do novo carnaval afro-baiano, 1981; ‘O poético e o político’ (em parceria com Gilberto Gil), 1988; ‘Caymmi um utopia de lugar’, 1993; ‘Cores Vivas’; ‘Textos e Tribos – poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros’, 1993; ‘Avant-garde na Bahia’, 1996; ‘Fetiche’, 1996; ‘Oriki Orixá’, 1996; ‘Ensaio sobre o texto poético em contexto digital’, 1998; ‘A via Vico e outros Escritos’, 2000; ‘Adorável Comunista’, 2002; ‘Uma história da cidade da Bahia’, 2004; ‘A Banda do Companheiro Mágico’, 2007; ‘Uma História do Povo de Sergipe’, 2010; ‘A Cidade no Brasil’, 2012; ‘Edgard Santos Reinvenção da Bahia’, 2013; ‘Mulher, Casa e Cidade’, 2015; ‘A Casa no Brasil’, 2019; ‘Bahia de Todos os Cantos’, 2020; ‘Uma cidade, uma rua, uma igreja’.
Nos tristes e repressivos anos 70 a poesia rompeu o compromisso com: a realidade, o intelectualismo e o hermetismo modernista, partindo para ser marginal, diluidora, anticultural, pós-moderna. Sem constituir um movimento unificado, poetas jovens se declaram marginais e surgiram de Norte a Sul do país, espalhando que a poesia perdera a pompa e a solenidade e decretando o fim da modernidade.
Essa poesia ganhou a qualificação de marginal porque se desenvolveu à sombra do terrível Ato Institucional nº 5 (AI-5), anunciador de um tempo nebuloso, que abalaria nossa história política e cultural. A Poesia Marginal, adotou a alegria e o humor como armas da guerrilha lírica que promoviam, tentando mostrar caminhos diferentes para a crise que, além de imobilizar, calava a sociedade brasileira.
Explorando todas as possibilidades do papel – folhetos, jornais, revistas, manuscritos – a poesia chegou aos muros através de pichações, foi às praças, aliou-se à música e organizou exposições. A poesia mutante dos anos 70 é inquieta, por isso não se filia a nenhuma estética literária particular, embora se possa encontrar nela traços de algumas vanguardas que a precederam, tais como o concretismo dos anos 50/60 ou o poema-processo.
Acompanhei os escritos de Antonio Risério na década de 1970 publicados na imprensa local e nos periódicos alternativos de circulação nacional como Versus (SP) idealizado e dirigido por Marcos Faeman, que mantinha a proposta latino-americanista e popular; José (RJ), revista de literatura, crítica & arte dirigida por Gastão de Holanda, Suplemento Literário de Minas Gerais, Contexto (RN), suplemento cultural do jornal A República. Mas os primeiros versos musicados do poeta que ouvi, estão no LP da Copacabana (1979) ‘Quem fica é quem, traz o sol’, do baiano Jorge Alfredo, onde encontramos três poemas de Risério (‘Doideira’, ‘Assim Preto-Brasa Branca’ e ‘Parecendo Piqui’) e no LP Descendo a Ladeira do mesmo ano, dias parcerias com Morais Moreira: ‘Assim Pintou Moçambique’ e ‘Eu sou o Carnaval’.
Estive sempre nas emoções profundas de suas palavras. Curti como um cidadão comum a incomum ‘A Banda do Companheiro Mágico’, onde estão reunidos alguns poemas e letras de canções. A obra de Antônio Risério caracteriza-se por sua ruptura, pela reinvenção, subversão da linguagem e redescoberta do cotidiano. Seu universo é o homem, abrindo o peito e a alma em cada encruzilhada da velha cidade, alumbrando e alumbrado ele vai seguindo seu rumo, profetizando humanidades, lançando a sorte e flechando a morte.
Risério é um nome já bastante conhecido, sobretudo entre os poetas da vanguarda concretista ou neo-concretista e por suas polêmicas travadas, como a que manteve com o poeta praxista Mario Chamie (1933-2011), ou a que ocorreu em 1979 ao rejeitar a visão de Alfredo Bosi na História Concisa da Literatura Brasileira, ao afirmar ser um livro que muitos leram, todos louvaram e ninguém discute e mais recentemente trava uma polêmica com o juiz João Batista de Castro Junior, sendo acusado de injúria. A polêmica iniciada em 2004, quando o juiz federal proferiu sentença determinando que o Palácio Thomé de Souza, sede da Prefeitura Municipal do Salvador, fosse retido (ou demolido) da Praça Municipal em seis meses, alegando que o prédio fere o conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do Centro Histórico da cidade. O antropólogo Antônio Risério, foi uma das vozes que se posicionaram contra a decisão do magistrado. No auge da polêmica em entrevista, Risério classificou de “cretina e ignorante” a sentença de Castro Junior, alegando que o juiz abandonou a seara das leis para adentrar na da cultura.
Alguns comentários
Carnaval Ijexá (notas sobre os blocos e afoxés do novo Carnaval afro-baiano, (1981), mostra seu grande interesse pelo fenômeno humano e social, examinando a reafricanização da juventude da Bahia, mostrando influências que sobre ela exerceram os movimentos black dos Estados Unidos. Nesse livro, Risério analise a própria dinâmica interna da vida baiana e relembra que alguns clubes carnavalescos da elite baiana, não aceitando negros em seu meio, precipitou a reação africanizante. Carnaval Ijexá fala também dos afoxés e maracatus apresentando uma mini-antologia da nova poesia afrodescentente baiana, com textos de Paulinho Camafeu (1948-2021), Moa do Catendé (1959-2022), Chales Negrita, Chico Evangelista (1952-2017), Lazinho Boquinha e outros. ‘O Poético e o Político’ (1988), com Gilberto Gil é a reunião de textos inéditos e algumas entrevistas, poesias de Gil e Risério. Sem dúvida um grande encontro dos dois parceiros.
‘Cores ‘ (1989), integra a coleção Casa da Palavra da Fundação Casa de Jorge Amado. É um livro que reúne quatro estudos escritos em épocas diferentes e sobre temas variados – Blake, grupo Noigandres, O conceito de América Latina e um ensaio sobre Caymmi. ‘Avant Garde na Bahia’ (1996) é um livro que retrata o reitorado de Edgard Santos na Universidade Federal da Bahia, em Salvador, época em que começa a acessar o que havia de mais moderno no mundo, iniciando um processo de atualização histórico-cultural, que marcaria profundamente o seu destino. O livro mostra um momento de transformação vivido pela cultura baiana entre os anos de 1956-1961, pela vinda de um grupo de intelectuais e artistas que defendia propostas ousadas e experimentos inéditos na arte brasileira: o português Agostinho Silva para o Centro de Estudos Afro-Orientais (CEAO), de Eros Martins Gonçalves para a Escola de Teatro, de Koellreuter, Smetak e Enert Wildmer para o Seminário de Música, e de Yanka Rudzka e Rolf Gelewsky, para a Escola de Dança.
‘Fetiche’(1996) Prêmio Copene de Cultura e Arte é na verdade, segundo o próprio Risério, seu primeiro livro de poemas, apesar de ter publicado anteriormente numa pequena tiragem feita por seu pai do livreto ‘A Banda do Companheiro Mágico’, que contou com a participação do poeta gráfico André Luiz Santos, morto tragicamente num acidente de moto, aos vinte e dois anos. Mais conhecido por seus escritos críticos e teóricos (estéticos, políticos e antropólogos), Risério nos brinda com ‘Fetiche’, pondo à mostra o seu arsenal de criatividade gráfica e poética. A coletânea surpreende por suas várias tendências e sua leitura será por certo uma aventura, com seus grafismos, desenhos e ilustrações que se misturam aos versos, associados e interdependentes, mas que só funcionam em conjunto. ‘Ensaio sobre o texto poético, em contexto digital’ (1998) é um livro que trata das relações entre a criação textual e ambiente tecnológico, para examinar, de modo ao mesmo tempo claro e erudito, a questão da poesia na cultura informática.
‘Uma História da Cidade da Bahia’ (2004) é o panorama conciso de cinco séculos de vida e de um lugar, da formação de um povo, do progresso construtivo de uma sociedade diversa. Escrito para todos aqueles que têm interesse em saber mais sobre o passado que se fez presente em Salvador, na Bahia de Todos os Santos. Para Risério o que há para ler neste livro não é a história de Salvador, mas uma entre tantas outras existentes. ‘Brasibraseiro’, em parceria com o pernambucano Frederico Barbosa, apear de ser um livro de poesia, vamos encontrar um texto que discute interpretações e saídas para o Brasil. Os poemas se articulam em constante diálogo, seja sobre a questão amorosa, seja nas recriações de textos importantes para a compreensão do país, como a literatura informativa quinhentista.
‘Adorável Comunista’ (2002) narra a trajetória política do baiano Fernando Sant’Anna, discute seus conflitos religiosos e ideológicos e revela confidências de um homem de personalidade marcante. Além de apresentar os principais movimentos políticos do Brasil nos últimos cem anos, destacando a intensa atuação do Partido Comunista (partidão), e finalmente, ‘Anos 70: Trajetória’, com mais de uma dezena de colaboradores, é o resultado das discussões do Ciclo de Palestras que integrou o evento ‘Multidisciplinares Anos 70’, promovido e apresentado pelo Instituo Itaú Cultural. A coletânea reuniu 18 personalidades que viveram intensamente os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil. Os anos 70 têm um amplo acervo histórico, estético, ideológico, ainda não completamente explorado. [1]
Duas Canções de Antônio Risério
Mais Adiante
Deve haver
Uma menina alegre agora
No Amapá
Alguém que se deita na praia
Na ilha de Maracá
Deve ser
Uma moça sonhadora
Que pens em se mudar
Pra Belém do Pará
Deve haver algum velho cansado
Num quarto
De um pequeno hotel
De Macapá
Olho de boi Oiampi
Ano que foi
E o que virá
Olho de boi Oiampi
Ano que foi
=====================
Olhar de Cobra
Ela tem um olhar de cobra
Que toda hora paralisa o meu
E toda vez que ela olha
A brisa beija a flora
Estrelas brilham no breu
Na paia Marabô a lua
Cambraia branca
Pisando na barra da saia
Desmaiou
Na oca, maloca
Marambaia
Tocaia de amor
[1] Imprensa Alternativa & Poesia Marginal Anos 70, GILFRANCISCO. Faculdade Atlântico, Aracaju, 2006.
Deixar Um Comentário