O artista visual sergipano Antônio da Cruz completou, em outubro do ano passado, 50 anos de atividades artísticas. Autodidata, ele despertou o interesse pela arte ainda criança, quando morava em um sítio no Bairro Santos Dumont, em Aracaju (SE), onde existia uma olaria na qual pode acompanhar o jovem Gilson modelando com argila a figura de um soldado. “Fiquei impressionado, este foi o meu primeiro contato com a arte”, afirma.
Na infância, o que mais o estimulou a desenvolver a atividade artística foram os livros. Ele relata que se sentia fascinado tanto pelas palavras como pelas imagens, que tentou até conseguir reproduzir. “Minha mãe era a minha grande crítica, porque olhava as imagens e me dizia o que estava faltando. Isso foi muito estimulante para mim”, revela.
Como rabiscava muito os cadernos escolares, uma das suas irmãs teve que comprar um caderno de desenho e uma aquarela para começar a fazer os seus desenhos e pintar. Foi aí, que de fato deu início à pintura. Por volta dos 10 anos, começou a usar aquarela, guache e depois óleo sobre tela. Aos 12 anos, já fazia retratos de pessoas.
No ano de 1989, Cruz começou a fazer esculturas em aço. “Achei que eu tinha que produzir algo diferente, então fui ao ferro-velho, escolhi as peças, comprei uma máquina de solda, uma lixadeira, uma esmerilhadeira e comecei a fazer as esculturas. Fui desenvolvendo tudo com os meus próprios meios, meus recursos e toda a minha metodologia”, conta.










Em 2011, passou a desenvolver outro trabalho, as gravuras em metal, usando também ferramentas rotativas. “As mesmas ferramentas que uso para fazer esculturas, utilizo para as gravuras. Estou produzindo essas gravuras em metal e a partir delas estou desenvolvendo outro recurso, que eu chamo de derivadas. Ao invés de pintar as matrizes, uso a luz para gerar cor e fotografar. As minhas gravuras são pintadas com luz, uso um recurso natural para transformar gravuras em fotografias”, explica.
Conforme o artista, a tendência a partir de agora é que diminua a produção de esculturas, dando maior ênfase ao trabalho com gravura e pintura.









Exposições
A primeira exposição coletiva que Cruz participou ocorreu em 1974, na Galeria de Arte Álvaro Santos, em Aracaju. Logo em seguida, o artista se fez presente no Festival de Artes de São Cristóvão (Fasc), onde expôs em várias outras edições.
Essas participações no Festival de Artes de São Cristóvão lhe deram a oportunidade de receber no ano passado o reconhecimento público com a outorga da Insígnia Cultural João Bebe Água, concedida pela Fundação Cultural João Bebe Água, como contribuidor do Fasc. Além disso, ele também foi convidado para fazer a exposição “Panoramas Intrínsecos”, que ficou em cartaz durante três meses na Galeria de Arte Vesta Viana, no Centro de São Cristóvão.
Para Cruz, a exposição “Panoramas Intrínsecos” teve como grande vantagem o fato de ter sido pensada como uma mostra didática e não de caráter comercial. Segundo ele, durante todo o período da mostra, alunos das escolas públicas municipais de São Cristóvão realizaram visitas. “Eu vim diversas vezes de Aracaju para receber os estudantes. No dia 19 de março, oito turmas visitaram a exposição, nos períodos da manhã e tarde. Isso é muito proveitoso, porque além da questão da criação do público, as crianças e jovens aprenderam novas expressões, porque eu provoco, por meio da minha arte, a meninada a refletir”, afirma.
Cruz revelou ainda que achou interessantes as leituras poéticas que os alunos fizeram das suas obras de arte. “A menina olha a obra que tem uma espiral e diz que, para ela, a vida real é como um tornado; o aluno olha e diz que isso é mais ou menos quando a gente está no fundo do poço e percebe que pode subir. Estas são leituras poéticas das obras que a gente fica encantado, porque percebe que as crianças não estão alheias”, ressaltou.
Ele também destacou o engajamento dos professores, que além de acompanhar os alunos, pediram para que eles escolhessem uma obra para fazer a releitura e um artigo sobre ela. “Isso é ótimo, porque o menino sai da exposição e depois vai dizer o que entendeu”, comentou.

Alunos e professores da Escola Municipal do Ensino Fundamental São Cristóvão que estiveram presentes na exposição de Cruz ressaltaram a importância da mostra. O aluno David Santos da Silva, do 8º ano, disse que achou muito bonita a exposição. A gravura derivada “Boletim de Ocorrência” foi a obra de que ele mais gostou. “Gostei das cores utilizadas, das sombras e das figuras”, destacou.

Já a estudante Neiva Maria Oliveira dos Santos, 11 anos, do 6º ano, achou a escultura “Espiral da Vida” muito diferente. “Achei muito legal, porque ela se mexe, sobe, desce, e também tem um homem dependurado, que em minha opinião é como se ele tivesse condenado à pena de morte”, avalia.

A aluna Raíssa Leite Morais, 12 anos, do 8º ano, achou a exposição muito inspiradora. Ela, que já tem vocação artística e gosta de desenhar, pôde interagir com Antônio da Cruz e disse que a obra que mais lhe chamou a atenção foi “Sonho de Operário”. “Quero ser artista plástica e desenhista”, disse.

A professora de Matemática, Myrna Tarita, disse que a ida dos alunos à exposição foi bastante interessante porque possibilitou que eles pudessem enxergar a arte de maneira viva. “As esculturas são exemplos disso, a gente pode movimentá-las e enxergar que a arte não é uma coisa estática”, revelou.

Bartyra Lima Araújo, que trabalha no Apoio Pedagógico de crianças atípicas, também esteve na exposição acompanhando os alunos do 8º ano, e disse que achou muito interessante essa interação dos estudantes com a arte. Ela disse que toda a obra de Cruz lhe chamou atenção. “Gostei tanto das esculturas feitas de aço como também amei os quadros, porque cada um deles tem um tema definido”. Para Bartyra, o trabalho que mais chamou atenção foi à obra “Tédio”, feita em técnica mista.

A professora de Artes, Fernanda Kolming, disse que a exposição “Panoramas Intrínsecos”, de Cruz, conta com os trabalhos de pinturas em tela, esculturas e todo o percurso fotográfico do artista, a bibliografia com livros e textos que ele publicou, além do vídeo que apresenta um pouco do processo criativo dele. “Outra coisa importante da mostra foi a interação, pois possibilitou ao visitante tocar no trabalho. Cruz é um artista completo”, enfatizou.
Inculca
Os 50 anos de atividades artísticas de Antônio da Cruz também foram comemorados no ano passado no Ateliê Inculca, que é o espaço onde ele trabalha e expõe as suas obras em caráter permanente.
De acordo com Cruz, o Inculca é fruto de um sonho. Tem uma galeria, uma oficina e um estúdio fotográfico. Ele utiliza o local como multiespaço para cinema, teatro, auditório, rodas de conversa, palestras e oficinas.
Segundo ele, em cada exposição realizada no Inculca é promovida uma oficina, um show musical ou um sarau. “A gente nunca faz a abertura da exposição só para mostrar as obras, mas com roda de conversa, palestras e outras atividades, e isso ocorre em razão da parceria que o Inculca tem com o Fórum de Artes Visuais”, afirma.
Cruz destacou ainda que as últimas mostras do Fórum foram realizadas lá e a contrapartida do artista que realiza a exposição não é a doação de uma obra, mas a realização de uma oficina. “Essa é uma forma de qualificar a exposição dele”, pontua.





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