O poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, escrito em 1918, e publicado em 1919. Foi declamado por Ronald de Carvalho durante a Semana de Arte Moderna de 1922, evento que deu início ao Modernismo na Literatura e nas Artes no Brasil. Na poesia, Manuel Bandeira joga com as palavras à maneira dos parnasianos, colocando pontos essenciais e características importantes defendidos e cultuados pelos parnasianos, a exemplo da sonoridade e métrica regular. Manuel Bandeira também fez uso de recursos como ironia, sarcasmo e paródia.
Para o crítico literário e escritor Alfredo Bosi, na História Concisa da Literatura Brasileira, a figura do poeta parnasiano, comparado a uma “máquina de fazer versos” no “Manifesto Antropófago” (1928) de Oswald de Andrade, foi ridicularizada e atacada em inúmeros artigos e poemas, como “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, recitado por Ronald de Carvalho na segunda noite da Semana de Arte Moderna. Em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo lingüístico parnasianos, os poetas modernistas valorizaram a incorporação de gírias e de sintaxe irregular, e a aproximação da linguagem oral de vários segmentos da sociedade brasileira.
Bandeira chama de sapos os poetas parnasianos que somente aceitavam a poesia rimada, formal, como os sonetos. Em “Os Sapos” ele também satirizou as reclamações dos poetas parnasianos e as comparou com o coaxar dos sapos num rio. Cada um desses poetas ele dá uma denominação diferente: sapo-boi, sapo tanoeiro e aos menores chama de saparia. Também mostra algumas das regras que eles seguiam: comer hiatos, nunca rimar cognatos, dar importância à forma.
“Os sapos”, de Manuel Bandeira é composto por 14 quartetos isométricos, em versos de redondilha menor, com um ritmo que varia. Com rimas ricas e pobres, o poema está construído segundo o rigor formal adotado pelo Parnasianismo.
O conteúdo do poema é essencialmente metalingüístico: na fala do sapo-tanoeiro aparece o fazer da poesia, apresenta-se a técnica da arte parnasiana e é possível observar a vitória da forma sobre o conteúdo. Os aspectos formais citados são o ritmo, o horror ao hiato, as rimas consoantes, a beleza formal. As demais estrofes podem ser divididas em duas ideias básicas: participação contraditória e duvidosa no diálogo sobre arte, do sapo-boi e dos sapos-pipas e a isenção do sapo-cururu como participante do diálogo.
Manuel Bandeira também utiliza a personificação, pois são atribuídas aos sapos qualidades e ações próprias do homem: “Berra o sapo-boi:/ Meu pai foi à guerra!” ou “O sapo-tanoeiro, / Parnasiano aguado,/ Diz: – Meu cancioneiro/ é bem martelado” ou “ Urra o sapo-boi:/ -‘Meu pai foi rei”- “Foi!’”.
O poema também é uma metáfora, pois não acontece a personificação de apenas um elemento, mas de todos os elementos que agem no poema, ou seja, os sapos. Eles substituem figurativamente os homens que trabalham com arte, com versos, com poesia, portanto, os poetas. Trata-se do diálogo de vários sapos que representa a classe dos poetas; estes comparados a sapos, cujo coaxar não tem beleza alguma, são automaticamente inferiorizados.
Por se tratar de uma crítica aos parnasianos, o poeta modernista faz uso de formas na composição do poema para atacar o movimento da arte pela arte. Chamar o sapo-tanoeiro de “parnasiano aguado”, com seu “cancioneiro bem martelado”, é dizer que o ritmo marcado do Parnasianismo é como o coaxar do sapo-tanoeiro (ferreiro). Trata-se do desprezo irônico a esse ritmo.
O poeta destaca ainda as virtudes poéticas parnasianas com termos rebuscados “Vede como primo”, seguido de uma expressão grosseira “Em comer hiatos”, com o verbo “comer” em lugar de “suprimir” estendendo a ideia de digerir a uma ocorrência estético-formal.
Os sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à guerra!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei!”- “Foi!”
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”.
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo”.
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
– “Sei!” – “Não sabe!” – “Sabe!”.
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio…
Manuel Bandeira in “Estrela da Vida Inteira”
Bibliografia
ALMEIDA, Dayane Celestino de, Análise Semiótica do Poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira. Cadernos de Semiótica Aplicada. Vol. 5. Nº 2. Universidade de São Paulo, dezembro – 2007.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 43ª edição. São Paulo: Cultrix, 2006.
GOLDSTEIN, Norma. Versos, Sons, Ritmos. Série Princípios. 13ª edição. São Paulo: Ática, 2005.
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Sueli Carvalho de Oliveira Freitas
Trabalho da Disciplina: Fundamentos de Teoria Literária
Professor Danilo Maciel Machado
Aracaju – SE
Junho /2011