Fernando Sá, historiador e poeta. Professor titular do Departamento de História da UFS
A publicação do novo livro de Gilfrancisco dos Santos se dá em um momento especial na vida do pesquisador, pois o Conselho Superior, da Universidade Federal de Sergipe, aprovou, recentemente e por unanimidade, a concessão do título de Doutor Honoris Causa ao insigne jornalista. O reconhecimento, nessa altura da vida, foi um presente para seus setenta anos, já que a escrita é o leitmotiv de sua trajetória pessoal. Em alusão à data, essa publicação traz entrevistas realizadas com pesquisadores, jornalistas, artistas e outros personagens do mundo da cultura e da política brasileiras, retratando as filigranas de suas intervenções em diferentes conjunturas históricas.
Ao retirá-las da gaveta da memória, vemos que o escritor se concentrou na área cultural, sem descurar de assuntos políticos, elaborando perguntas sensíveis sobre as produções intelectual e artística dos entrevistados. Ao ouvir a voz do outro, a empatia tornou-se o elemento fundamental para a realização dessa publicação, na medida em que Gilfrancisco estabelece um convívio compartilhado em defesa da cultura, em tempos tão sombrios para a história brasileira.
O diálogo entre Clio e Calíope aparece na fala de Luiz Henrique Tavares, quando o grande historiador baiano reelabora a experiência traumática da prisão durante a ditadura civil-militar em um conto Almoço Posto na Mesa, escrito em 1970. Após a prisão arbitrária, em que o coronel lhe disse que não procurasse saber o motivo de sua detenção, ele escreveu um conto simbólico, mostrando como a repressão feriu profundamente a alma do povo brasileiro.
No conjunto de textos relativos aos intelectuais, como Walfrido Moraes, Thales de Azevedo e Bernardino José de Souza, transparece uma geração de intelectuais baianos que marcaram a história das ciências humanas, com livros incontornáveis sobre o nordeste brasileiro, como são os casos, respectivamente, de Jagunços e Heróis (1963), Povoamento da cidade do Salvador (1949) e o Ciclo de Carros de Bois no Brasil (1959), entre outros. Em continuidade a essa marcante geração, registre-se também a contribuição literária de Ruy Espinheira Filho, com o livro Nordeste e o Negro na Poesia de Jorge de Lima (1990).
Talvez a entrevista mais relevante seja a de Alina Paim, pois representativa de um momento de resgate de sua contribuição para a história literária no Brasil, com pesquisas realizadas na pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Sergipe, sob a liderança da professora Ana Leal. Essa entrevista serviu de base para a publicação da biografia da autora, publicada, em 2008, pela editora GFS, mas tornou-se tema constante na sua produção intelectual, que resulta no recém-lançado Alina Paim: A greve na Rede Mineira de Viação (2021).
Sua preocupação com o caráter social da literatura brasileira se faz presente para além de Alina Paim, nos textos de Ferreira Gullar e Renato Mazze Lucas, em que a literatura, por vezes, cede espaço para o projeto de transformação social. A conexão entre os intelectuais baianos e sergipanos é também uma constante na obra do pesquisador, registrada aqui na entrevista de José Umberto, cineasta que construiu, em dois filmes antológicos, o olhar feminino no cangaço, com A Musa do Cangaço (1982) e A Revoada (2013).
Como a poesia não poderia ficar de fora, o jornalista entrevistou um clássico e um autor da nova geração. Ambos são referências para qualquer estudioso da poesia nas terras de Serigy: Santo Souza e Ronaldson. O primeiro, marcado pelo orfismo, e o segundo, pelos tons cayminianos de cantar a terra e gente, cada um a seu modo, renovaram a literatura local.
Além deles, o vate popular baiano Antônio Carlos de Oliveira Barreto relatou sua enorme contribuição para a literatura de cordel, publicando mais de duzentos folhetos. Segundo ele, ao contrário daqueles que diziam que a “modernagem” acabaria com o cordel, agora temos a “peleja internética”. É a diluição das fronteiras entre a metrópole e o sertão.
Como disse Gilberto Teles Mendonça, em entrevista aqui publicada, o prefácio é uma crítica sobre o livro, mas um discurso paralelo ao livro. Minha leitura foi marcada por aquilo que mais me chamou a atenção, aos outros leitores, penso, podem ver com outros olhos essa obra. Como disse o xará do nosso autor, sua hercúlea tarefa de recuperar material que ficou perdido nos arquivos e não estudado, talvez seja a sua mais importante contribuição.
Leiam sem pressa, esses textos saborosos.
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