GILFRANCISCO é jornalista, pesquisador, escritor e Doutor Honores Causa pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo Plena/CNPq/UFS e do CPCIR/CNPq/UFS. E-mail: gilfrancico.santos@gmail.com
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Entre Albas e Sobre Elmos
À memória de José de Oliveira Falcón
Ferindo as vinhas da aurora,
ouço os teus galos andaluzos;
e nas rinhas de onírica luz
recolho gemas do teu sol tupã.
teu azulão é o guerreiro pã,
anti-ladainha em solilóquio;
e romeiros sem gruna e gruta
abrigas na lualã do noitibó.
rumina a tua flauta sem mel,
do travo o duende da treva;
feroz absinto outro exílio
e a neve cerrou teus cílios.
na memória se te surpreendo,
no reino do feérico te diviso;
mas entre albas e sobre elmos
galopas no cristal das horas.
Carlos Cunha (1940-2011)
(Diário de Notícias – Suplemento, Jornal da Cultura, 03, novembro de 1974)
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Ultimamente, venho sendo procurado por alguns acadêmicos da região Sudeste do país, os quais desenvolvem pesquisas, para a realização de suas dissertações de Mestrado, sobre material disponíveis desses dois poetas baianos, Fernando Batinga de Mendonça e José de Oliveira Falcón, ambos da chamada Geração 60 de poetas baianos, membros da geração da abertura, geração dos guerrilheiros, e participantes da famosa Antologia da Moderna Poesia Bahiana, seleção de 15 jovens poetas, na maioria estreantes em livros, feita pelo professor Leodegário Amarante de Azevedo Filho, da Universidade do Estado da Guanabara, livro prefaciado pelo crítico Walmir Ayala e abas do professor Eduardo Portella, publicada pela Edições Tempo Brasileiro, coleção “tempoesia” nº 7, 1967. Essa antologia, mereceu resenha do poeta Carlos Anísio Melhor, publicada no Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 21 de julho de 1968, republicado na Revista Porto de Todos os Santos, nº 2 – setembro, Departamento de Educação Superior e da Cultura, da Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia. O lançamento no Rio aconteceu na sede da Editora à rua Gago Coutinho, 61, dia 16 de fevereiro, às 20,30 horas, com a presença da turma baiana: Gil, Caetano, Maria Bethânia, Nana Caymmi, Quarteto em Cy e outros. Pequeno e bem cuidado volume, prova que a poesia baiana não parou, conforme alguns parecem julgar, em Castro Alves, e que os seus jovens poetas também sabem aliar o estético ao social. Antônio Olinto recebeu na época um exemplar da antologia das mãos de Ildázio Tavares e registrou: Li os poemas desses jovens, que procuram caminhos e oferecem sugestões de mudanças. Trata-se de uma antologia séria em que há poemas dignos de uma antologia geral do momento.
Por tudo isso republico revisado o texto que saiu na Tribuna da Bahia, edição de 1º de maio de 1989 e na Revista da Bahia, nº 14, setembro/novembro/1989.
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A Empresa Gráfica da Bahia – EGBA e a Fundação Cultural do Estado da Bahia, lançam logo mais a partir das 18 horas, na Livraria Freitas Kanitz – Rua Afonso Celso, 46, Barra, o livro Sonata Urbana, antologia poética de José de Oliveira Falcón, com apresentação de Fernando Batinga de Mendonça (1943-2019), capa de Enéas Guerra e ilustrações de Otávio Filho. Desde o século passado até os dias atuais, a poesia é o gênero mais cultivado por nossos autores, seja simples criadores ou autênticos poetas na verdadeira acepção da palavra, e nesse particular sem dúvida, reside a grande maioria. Por isso, a publicação deste livro, ainda que tardia, reúne grande parte de sua produção poética, é sem dúvida um esforço para atingir o que há de mais característico e peculiar com respeito à presença da Bahia na Literatura Nacional.
Possuidor de uma poesia de figurar nos quadrantes da literatura brasileira, poeta que se mostra um criador inteiramente senhor do seu ofício e largamente aberto a inusitadas inovações literárias, motivadas ao ambiente cultural fervoroso da Bahia dos anos 60, e o espírito de vanguarda notadamente desta década, liderado pelos nossos homens de letras à frente dos debates das novas ideias e da renovação de padrões estéticos. Dessa forma o poeta José de Oliveira Falcón, começa a gerar toda uma atitude experimentalista em face às novas perspectivas de sua elaboração, e a poesia, consequentemente rompe com o cânone do passado e abrindo novas possibilidades no processo da criação literária.
Apesar das palavras saírem de sua pena sem maneiras forçadas, conseguia ele, sempre atingir o seu ideal de comunhão estreita de significante e significado, de usar o termo certo no lugar exato. Preocupado em aderir às novas tendências, o culto da forma perfeita, a supervalorização de contextura sonora do instrumento linguístico, proporcionam-lhe consciente ou inconscientemente um equilíbrio que faz a sua poesia ressaltar por sobre as demais dos companheiros contemporâneos. José de Oliveira Falcón consegue o ideal da perfeição formal, além da riqueza de ideias e temas, de uma matéria abundantemente rica, era desse tipo raro de poeta inquieto renovador que tudo quanto lhe sai da pena, sai em versos, era sua maneira natural de expressão. Certamente é um dos maiores artistas do verso, que teve sua geração.
A grande desilusão que alimenta o belíssimo livro, quer seja na sua luta diária pela sobrevivência, sua militância política ou no seu humanismo, norteia e ilumina a criação do poeta baiano, que concretizado nas suas abstratas estações. Falcón é mais um engajado ao movimento socialista, para encontrar o seu verdadeiro veículo expressivo e respirar uma maior liberdade do poema e sua formalização, porque seja a poesia de qualquer tipo, a frustração é um poderoso alento, que chega a nutrir além da essência, a própria formação, estrutura ou existência do poeta que ultrapassa todos os limites.
Morte
José de Oliveira Falcón pertence a uma família de militantes políticos baianos, com inúmeros deles presos e torturados: Jacema Elvira de Oliveira Falcon (1947-2001), 5 anos de Medicina, presa em Ibiúna, ela era membro do Diretório de Faculdade de Medicina da UFBA. Outras prisões ocorreram em 1970, Yara Falcón, Pery Falcón e Gustavo de Oliveira Falcón (que perdeu uma vista), doutor em História, é professor do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia – UFBA, jornalista e autor de vários livros. Outra irmã é Maria Lúcia de Oliveira Falcón, engenheira agrônoma, ex-presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no governo de Dilma Rousseff.
O jovem poeta, nasceu no ano de 1939, em Salvador, fez o curso secundário no Colégio Maristas e frequentou as aulas do curso de Direito da Universidade Federal da Bahia, entre os anos de 1959 e 1962, transitou entre Bahia, Rio, São Paulo, Argentina e o Chile de Salvador Allende, teve apenas um livro publicado em vida Canudos, Guerra Santa no Sertão, Salvador, Gráfica Santa Rita, 1966, o livro é composto de 225 versos e com três textos de breve prosa, tudo isso em 74 páginas. O livro teve uma 2ª edição, Editora BDA, Salvador, 1996, e uma edição póstuma Sonata Urbana. (Apresentação de Fernando Batinga de Mendonça). Salvador, EGBA/Fundação Cultural do Estado, 1989.
Tendo chegado a Santiago em 1970, foi recebido pelo companheiro Fernando Batinga de Mendonça (1943-2019), que o acompanhou, protegeu e cuidou da saúde mental do poeta, que apresentava sucessivas crises nervosas, semelhantes às que tivera em Salvador, sentia-se muito assustado, pânico de perseguição e se negava ao regular tratamento hospitalar, isolou-se. Devido ao estado de fraqueza por não se alimentar, contraiu pneumonia. Quando conseguiram interná-lo, já era tarde, o quadro era irreversível. O poeta faleceu em 13 de maio de 1971, segundo depoimento de sua irmã Yara Falcón, foi enterrado com uma túnica do poeta amazonense Thiago de Mello (1926-2022), o que ajuda explicar o estado de penúria em que vivia, num tugurio. Habitación miserable y pequeño.
A importância de sua obra não pode ser esquecida pela nova “geração”, por isso está a merecer um estudo sistemático. Quanto a Sonata Urbana, é um livro que merece ser lido pela singularidade da experiência poética e poemática que se revela.
Participação em Antologias
– Moderna Poesia Bahiana – Antologia. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1967.
– 25 Poetas da Bahia – 1663-1968 (org. Humberto Fialho Guedes). Desc. Salvador, 1968.
– Breve Romanceiro de Natal (org. Carlos Cunha e Cid Seixas). Gráfica Beneditina, Salvador, 1972.
– Antologia dos Poetas Brasileiros – fase Moderna (org. Manuel Bandeira) Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1996.
– A Poesia baiana no século XX – Antologia (org. Assis Brasil). Rio de Janeiro, Imago Editora/Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1999.
– A Poesia Premeditada (org. Simone Lopes Pontes Tavares). Rio de Janeiro, Imago Editora/Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2000.
– Poetas da Bahia – Século XVII ao Século XX (org. Ildázio Tavares). Rio/Imago Editora/Salvador, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2001.
Sobre o Poeta
Antônio Risério – Armas Branca e malmequer… Jornal da Cidade, 13 de maio de 1973. Republicado no livro Sonata Urbana, José de Oliveira Falcón. Salvador Empresa Gráfica da Bahia-EGBA/Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1989.
Fernando Batinga de Mendonça – Recordação do Poeta José de Oliveira Falcón. Diário de Notícias – Jornal de Cultura, Suplemento (organizado por Cid Seixas e Carlos Cunha). Salvador, 2 de setembro de 1973. Republicado no livro Sonata Urbana, antologia poética de José de Oliveira Falcón, apresentação de Fernando Batinga de Mendonça. Empresa Gráfica da Bahia-EGBA/Fundação Cultural do Estado da Bahia, 1989.
GILFRANCISCO – A Poesia em Chama. Tribuna da Bahia. Salvador, 1º de março de 1989. Republicado na Revista da Bahia, nº 14, setembro/outubro de 1989.
Gustavo Falcón – Abas. Canudos Guerra Santa no Sertão, José de Oliveira Falcón. Editora BDA, Salvador, 2ª edição, 1996.
Magda Rego – Poética Sertaneja. A Tarde, Salvador. 24 de setembro de 1996.
Miguel Carneiro – Um bardo da luta Social. A Tarde Cultural. Salvador, 16 de março de 1966.
Poemas Publicados
Jornais
Diário de Notícias – Suplemento, Jornal da Cultura
A Tarde
A Tarde Cultural
Jornal da Cidade
Tribuna da Bahia
Jornal da Bahia
Versus (SP)
Revistas:
Bahia Invenção
Tapume
Serial
Revista da Bahia
Cormoram y Delfin (Revista Planetária de Poesia), junho nº 15, 1968, Argentina.
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§(“el viejo guitarrista”/violeiro, cantador, cego de feira,
seresteiro: “Things as they are/are changed upon the blue
guitar…”), W. Stevens.
ao onção e ao ruyberg
pétreo: esta es la palavra. Pedro, tu es pedra
de esquina, angular e capital – da Construção,
os sábios engenheiros rejeitaram a tua “resistência”.
mineral de cabra, macambira y chapadão.
não importa. es piedra y puerta, e cúpula da Purificação.
es piedra, mas não a pedra-ume, o mármore, o granito ou a
: es la sangre y el suor petrificados
de los hombres violeiros, cantadores, seresteiros y ciegos
massacrados, moídos té o pó, estorricados,
na seca (aboio branco), no sol (praga da peste)
nos egitos do sertão…
/rede branca sem morena, violão só com uma corda
ou sem cordas, araponga em pé de serra (pé de guerra)
sertanejo sem o chão. Assim preto a palo seco
semi olho, só com as asas e a voz alucinada:
o olho da escuridão… boi bonito, eh cão, ei gente,
surubim êcão, ei lá… oi da vida que há na morte
e que es preciso levar…/
es de piedra, es diurno, solar, espesso, conciso,
concreto, duro, agressivo, até mesmo no luar.
y cuando, canta contente, em la ación o en la ternura,
consierva su estrutura, abraça o pobre, não o rico,
y es tán triste, tán profundo (cielo, infierno, mar ou mundo)
que hace los hombres llorar… contra a morte, não encanta é desencanto
canta o luto pela sorte, no mesmo tom – sol maior.
na mesma corda solar, canta a dor, cuando es amor
canta el canto, contraponto, el quebranto no es su canto,
canta a luta y seu forjar, solo siempre ou acompañando
solo canta el coletivo, no se deja “enluarar”.
não é fuga ou acalanto, só canta pra despertar,
como galo ou bem-te-vi, clarim, clarão, galopar,
miesmo cuando es mais “sofrê” ou sofrido sabiá…
não se repete, renova, como el mar e a lua nova,
como la caatinga ossuda, ranzinza, “rasa” miúda,
sem ser a mesma – não muda, se recua – é pra avançar.
tocas só com as mesmas notas, lavradas palavras limpas
sob azul, prata, luar, tocas somente o que cantas,
sabes tocar ou solar. cantas só para quien cantas,
quem vive cego de sol, duerme – morto – atrás da porta,
mas sonha com o despertar, por eso, tu canto a pino
rasga o veludo, o silêncio, a sombra/alfombra lunar.
e vê o cego, e o mudo habla no pinho, e o surdo
tiene que ouvir tu cantar ou derrubarás la puerta
e harás da barra el quebrar…
piedra, pedra, padre Pedro, greco buril – escultura
reduzida à essência pura, sob farrapos… miúra
de pele y osso, y ternura muscular de voz madura
de amar, sentir, escutar: ascética serenata
brônzeo dobre de matina (um passo atrás, dos adelante)
do amante mais desamado por sua “amada de prata”
– br’anca estrela matutina, miseravelmente rico,
Além do pohema onde fico, sol noturno- o outro luar…
S.P. 8/69. Niterói, 69
José de Oliveira Falcón
(Versus. – São Paulo, nº 10 – maio de 1977)
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