Rosa Meire Carvalho /De Salvador
O pastor presbiteriano Jaime Nelson Wright, defensor dos Direitos Humanos, um dos personagens centrais na luta contra a ditadura militar e em defesa dos desaparecidos políticos no Brasil, está a um passo de ter o nome inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O memorial está situado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.
A honraria proposta pelo ex-deputado Fábio Sousa (PSDB-GO), por meio do Projeto de Lei (PL 405/2019) e recém-aprovada pelo plenário do Senado, seguiu no último dia 20/04 para sanção do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a tramitação, o projeto contou com a relatoria do deputado federal Flávio Arns (PSB/PR) na Comissão de Educação, Cultura e Esportes (CE).
Ter o nome incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é considerado uma distinção, de acordo com o Projeto de Lei 11.597/2007 que o criou. O texto estabelece status de herói àqueles brasileiros que, individualmente, ou em grupo, tenham oferecido a vida à pátria para sua defesa e construção, com excepcional dedicação e heroísmo, após decorridos prazo de pelo menos 10 anos da morte real ou presumida. Não há carência para brasileiros mortos ou dados como tal em campos de batalha.
No memorial já se encontram nomes como os de Zumbi dos Palmares, Anita Garibaldi e do deputado Ulisses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988, responsável por inaugurar uma nova ordem democrática após 21 anos de ditadura militar.
O pastor Jaime Wright, filho de pais americanos, morreu aos 71 anos, em 1999, na cidade de Vitória, Espírito Santo, após incansável luta pelos brasileiros, desaparecidos da ditadura, dentre os quais se encontra o irmão Paulo Stuart Wright, cujos restos mortais nunca foram encontrados.
O deputado Paulo Stuart teve, antes de seu desaparecimento, o mandato de deputado estadual por Santa Catarina, cassado. Stuart foi preso em setembro de 1973, torturado e morto, segundo a família, pela polícia política do regime. Paulo passou a constar da lista de desaparecidos da ditadura militar. Seus restos mortais nunca foram encontrados.
Brasil Nunca Mais
O pastor homenageado, Jaime Wright, ficou conhecido por seu incansável trabalho como ativista dos Direitos Humanos no período da ditadura militar (1964-1985). Foi um dos responsáveis por coordenar, junto com o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, a pesquisa que resultou no livro Brasil Nunca Mais. Oportunidade em que recuperou e publicou dados extraídos de processos oficiais do Tribunal Superior Militar (TSM) do Exército.
O levantamento foi realizado de forma clandestina entre os anos 1979-1985. O grupo que teve o pastor Jaime Wright como um dos coordenadores, sistematizou informações contidas em mais de 1 milhão de páginas referentes a 707 processos. O trabalho realizado incluía uma equipe de cerca de 30 colaboradores e cobriu a extensão da repressão política do Brasil entre os anos 1964-1979. O trabalho chegou, de acordo com o relator Flavio Arns, em seu parecer, “a registrar 1843 casos de torturas e a fixar em 125 o número de desaparecidos”.
A ação colaborou para desvelar os crimes promovidos durante o regime militar, dentre eles tortura, assassinato e desaparecimentos, atos promovidos em delegacias, unidades militares e locais clandestinos. Desdobrando-se no livro Brasil Nunca Mais, publicado em 1985, que cumpriu papel relevante na denúncia e identificação dos crimes praticados durante o Regime Militar.
Entusiasmo
O pastor homenageado por meio do PL 405/2019, Jaime Wright, era casado e deixou cinco filhos. A notícia da aprovação do Projeto de Lei foi recebida com entusiasmo pela família, conforme explica uma de suas filhas, Anita Wright, residente na cidade de Vitória, Espírito Santo.
“Recebemos com muita alegria essa notícia, depois de quatro anos de um governo sombrio, com suas ideias nazistas, fascistas, de repressão, e que exaltava um dos maiores torturadores que o país já teve, o coronel Brilhante Ustra. Depois desse período, com um novo governo, poder reconhecer o trabalho realizado por defensores dos Direitos Humanos como o meu pai para a história do Brasil como um todo, é muito gratificante”, disse.
Conforme Anita, o momento é de congraçamento nessa homenagem que torna o pastor Jaime Wright um dos heróis do Brasil. Para ela, é grande a esperança que o novo governo do presidente Lula retome os trabalhos. “Embora meu pai e o presidente não fossem amigos, chegaram a se conhecer durante o trabalho em defesa dos Direitos Humanos, realizado por meu pai. E ambos tinham grande respeito um pelo outro”, observou.
Anita resume esses anos de busca pelo tio desaparecido. “Foi um processo doído para meu pai e toda a família”, revela a filha caçula do pastor Jaime Wright. “Até hoje não se tem notícia do que foi feito com o corpo do tio Paulo”, diz Anita. Para a família, a esperança agora está nas ossadas encontradas no Cemitério de Perus, em São Paulo, atribuídas a desaparecidos políticos da ditadura. “Estamos dependendo de exames de DNA das arcadas dentárias para saber se a ossada do tio Paulo se encontra entre elas”, disse.
Memórias
Para a professora recém-aposentada da Universidade Federal da Bahia, Sonia Jay Wright, terceira dos cinco filhos do pastor Jaime Wright, a homenagem ativa as suas memórias em relação à atuação do pai na Região Nordeste, para onde veio em 1950. A professora lembra que a primeira missão do pastor Jaime se deu na Bahia, na localidade de Ponte Nova, hoje cidade de Wagner. Ali, ele foi diretor do Instituto Ponte Nova. “Ficou conhecido por inovar nos métodos pedagógicos, permanecendo por cerca de 10 anos”, disse.
Na década de 1960, Jaime Wright atuou na cidade de Caetité. “Não era apenas um pastor da Igreja Presbiteriana. Ali, como integrante da Maçonaria, defendeu o estado de direito em plena ditadura. Chegou a realizar uma minirreforma agrária com terras da missão presbiteriana. Além disso, ajudou a fundar a Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) na Bahia. A Faculdade 2 de Julho, ligada à Igreja Presbiteriana, localizada no bairro do Garcia, costumava promover anualmente a Semana de Paz e Direitos Humanos que levava seu nome. Ali existe o Memorial Jaime Wright em homenagem a meu pai”, informou.
Na relação com pai, a professora Sonia Wright menciona o apoio, na década de 1980, em Pernambuco, quando o pastor Jaime Wright apoiou sua candidatura a vereadora no município de Carpina, momento em que se via perseguida por donos de canaviais. “Apesar dos embates, minha candidatura saiu-se vencedora. Recebi 810 votos e cumpri mandato entre 1983 e 1989, pelo antigo MDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Fui a primeira mulher eleita em Carpina, pelo partido, e na Câmara Municipal. Foram essas experiências que embasaram o compromisso de meu pai com a pátria brasileira”, disse.
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Foto Destaque: Faculdade 2 de Julho / Reprodução
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