GILFRANCISCO [*]

Nascido em Aracaju, a 14 de janeiro de 1923, Walter Mendonça Sampaio, filho de Oswaldo e Irinéa, tio e sobrinha, tiveram cinco filhos: Nilza, Neuza, Walter, Aluysio e Maria. Walter teve atuação destacada na literatura sergipana no final dos anos 30 e durante toda a década de 40. Em 1939, juntamente com Armindo Pereira, dirigiu Mensagem, jornal literário que se propunha a ser “um novo propagador do modernismo”. Apesar de editado em pleno Estado Novo, vinha o jornal com forte carga democrática e trazia vários artigos contra o fascismo. Com seu espírito inconformista, Walter, juntamente com José Nunes Mendonça, José Maria Menezes Campos e Armindo Pereira, lançaram Símbolo, outro jornal literário, com características semelhantes ao anterior.

Mensagem – Órgão cultural, Ano I, nº3 de 7 de junho, 1939, número especial dedicado a Tobias Barreto, dirigido por Fábio da Silva, Armando Pereira e Walter Sampaio. Colaboram, José Sampaio, Maria Thetis, João Batista Lima e Silva, Floriano Mendes Garangau, Lincoln de Souza, Álvaro Moreyra:

Circulou no dia sete do corrente, em edição especial como homenagem ao invicto pensador Tobias Barreto de Menezes, este aplaudido órgão estudantil, que alcançou mais uma vitória, pela brilhante e seleta colaboração. Mensagem representou condignamente a mocidade sergipana. Estão de parabéns os dinâmicos jovens que o dirigem, assim como todos os colaboradores dos quais dependeu também o magnífico êxito desta vibrante folha estudantina.1

Sobre o conteúdo dos dois primeiros números de Mensagem, o jornal Símbolo trazia o seguinte comentário:

Recebemos os dois primeiros números de Mensagem, órgão cujo timbre modernista, a par com a selecionada colaboração, vem merecendo os mais vibrantes aplausos, mormente dos espíritos que sabem apreciar literatura moderna, a arte humana. Órgão este, sob a direção dos intelectuais: Armindo Pereira, Fábio da Silva e Walter Sampaio. Mensagem inaugurou otimamente seu tirocínio de divulgador da cultura estudantina. É inegavelmente a maior expressão na imprensa estudantil.2

Walter Sampaio foi um dos fundadores, em 1942, de Mensagem dos Novos de Sergipe. Na foto, Jenner Augusto, Aluysio Sampaio e Walter Sampaio – Foto: Reprodução

Geração dos Novos – Com o mesmo sentido de renovação modernista da literatura em Sergipe, Walter Sampaio foi um dos fundadores, em 1942, de Mensagem dos Novos de Sergipe, associação de caráter cultural que congregou um grupo atuante: Paulo de Carvalho Neto, José Amado Nascimento, Aluysio Sampaio, José Maria Fontes, Sindulfo Barreto Filho, José Sampaio, Luciano Lacerda, Lindolfo Campos Sobrinho, Álvaro Santos.

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1 Símbolo. Aracaju, Ano I, nº 2, julho, 1939.

2 Símbolo. Aracaju, Ano I, nº2, julho, 1939.

Notícias como a de 10 de janeiro de 1943, promovida pela Mensagem dos Novos de Sergipe – núcleo cultural, literário e artístico – cujo presidente era Paulo de Carvalho Neto (1923-2003), convoca a sociedade aracajuana a comparecer ao Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, no próximo dia 12, às 20 horas, onde seria prestada:

uma carinhosa homenagem à memória de Ranulfo Prata, cujo falecimento recente produzia vivo pesar em nossa terra, da qual era filho dos mais ilustres. Os oradores da homenagem ao escritor Ranulfo Prata serão os conhecidos intelectuais dr. Garcia Moreno, José Amado Nascimento e Luciano Lacerda. 3

Três dias depois o Diário Oficial comentava o que foi a solenidade do dia 12, promovida pelos moços de Mensagem, sob o título A Homenagem prestada à memória do escritor Ranulfo Prata:

A juventude intelectual sergipana prestou no dia 12, por intermédio de Mensagem dos Novos, expressiva homenagem à memória do saudoso romancista conterrâneo Ranulfo Prata, recentemente falecido em São Paulo. Essa homenagem foi assistida pelo dr. Manoel Antônio de Carvalho Neto, que se revestia das funções de representante do exmº Sr. Interventor Federal e da Academia Sergipana de Letras, da qual é presidente, e pelos drs. Aricio de Guimarães Fortes, secretário geral do Estado, em exercício; Enoch Santiago, chefe de Polícia; dr. Luiz Pereira de Melo, diretor do Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda; jornalistas, membros de todas as associações literárias; senhoras e senhoritas.4

O artigo Palavra de Jorge Amado aos jovens intelectuais sergipanos, publicado no Correio de Aracaju, exatamente um mês depois, registra a grande personalidade do romancista brasileira, pela força e coragem de romper vários aspectos conservadores da literatura brasileira. Após longa conversa com o jovem Paulo Carvalho Neto, presidente da sociedade cultural, Mensagem dos Novos de Sergipe, o escritor baiano escreveu o texto Mensagem aos jovens sergipanos:

Nesta hora dramática e gloriosa em que se joga a Independência da Pátria e a sobrevivência da liberdade e da cultura do mundo, que palavra posso dizer à juventude de Sergipe, representada pelos moços de Mensagem dos Novos, senão uma palavra de Unidade Nacional? Os moços, em todo o Brasil, têm sido pioneiros da dignidade nacional, vozes jovens de um povo jovem que quer zelar pela sua independência que os agressores criminosos os germano-fascistas, ameaçam.5

Nesta época, Walter mantinha, no Sergipe-Jornal, crítica literária numa coluna de rodapé, bem como um programa literário em uma das emissoras radiofônicas do Estado.

Tanto Mensagem quanto Símbolo desempenharam papel de relevância na propagação do Modernismo em Sergipe. Entre os colaboradores estavam: Alberto Barreto Melo, José Sampaio, João Batista de Lima e Silva, Lindolfo Campos Sobrinho, Dernival Lima, Floriano Mendes Garangáu, Luiz Barreto, Lealdo Campos, José Bittencourt, Carlos Garcia e Manuel Dantas.

Regresso – Bacharelado em 1946, pela Faculdade de Direito da Bahia, onde teve destacada atuação literária, foi um dos colaboradores da revista Seiva, órgão do Partido

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3 Diário Oficial do Estado. Aracaju, 10 de fevereiro, 1943.

4 Diário Oficial do Estado de Sergipe. Aracaju, 15 de janeiro, 1943.

5 Correio de Aracaju. Aracaju, 21 de fevereiro, 1943.

Comunista. Walter Sampaio foi quem saudou o poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973) em sua visita àquela Faculdade, oportunidade em que leu o poema de sua autoria, “Pablo Neruda e nossa América”.

Ao regressar à sua cidade natal após conclusão do curso de direito, o Jornal do Povo, de 17 de dezembro de 1946, registra sua chegada:

Regressou, quinta feira p. passada a esta capital, procedente de Salvador, onde acaba de concluir o curso de advocacia, o bel. Walter Sampaio.

O jovem bacharel é pessoa que se tem destacado em nossa terra na luta antifascista, fazendo de sua cultura e de sua brilhante inteligência arma de defesa dos interesses democráticos e populares. Militante do Partido Comunista, Secretário de Educação e Propaganda do Comitê Municipal de Aracaju, o dr. Walter Sampaio tem merecido a confiança de seus companheiros e do povo, que nele veem a figura do intelectual que oferece os seus dotes de espírito às lutas do proletariado e do povo.

O dr. Walter Sampaio tem recebido as congratulações dos seus inúmeros amigos e de quantos reconhecem os seus méritos.

Walter Sampaio, fundou e dirigiu a revista Época – Foto: Reprodução

Novos Rumos – Em Aracaju fundou e dirigiu a revista Época (mensário a serviço da cultura e da democracia -1948/1949), tendo como secretários Nelson de Araújo e Austrogésilo Santana Porto. De circulação nacional, foram publicados três números da revista. Além dos escritores residentes em Sergipe, colaboraram na nova revista: Joel Silveira, Jorge Amado, Alves Ribeiro, Alina Paim, Jorge Medauar, Santos Morais, Dalcídio Jurandi, dentre outros. Foi nessa revista que o pintor Jenner Augusto, estimulado por Walter Sampaio e sob sua influência crítica, iniciou propriamente o modernismo nas artes plásticas em Sergipe.

Foto: Reprodução da Capa da Revista da Literatura Brasileira

Radicado em São Paulo, desde o final dos anos 40, assim que pisou em solo paulista, recebeu a incumbência de escrever um texto sobre a poesia nordestina, para publicação em Fundamentos – Revista de Cultura Moderna, nº9/10, março/abril, 1949:

A Poesia participante do Norte

Fundamentos, no intuito de confraternizar com os intelectuais, artistas e a gente do Norte, tomou a iniciativa de reunir nestas páginas alguns poemas da geração nova dessa região. E é seu objetivo mostrar que, de uma maneira geral, a poesia do Norte permanece relativamente livre de certas influências responsáveis pela diminuição do poder comunicativo dos versos feitos por determinados grupos de poetas, inclusive da geração nova.

Sente-se, na poesia vinda do Norte, que aquele espontaneismo um tanto anárquico e indisciplinado está dando lugar a uma busca consciente por melhores meios de expressão. Porém esta atitude não se assemelha, de forma alguma, a tendência dominante em várias rodas, especialmente do sul do país, para o esoterismo dos conteúdos herméticos e o asceticismo da forma. Neste sentido, a poesia do Norte, sem ser uma fórmula ou uma receita, traz um conteúdo mais atraente. A valorização da forma, seu enriquecimento em experiência, procedendo aliada com a valorização do conteúdo; a descoberta de melhores e mais exatas formas poéticas aliada com a descoberta de novos conteúdos humanos e sociais, síntese essa, que no seu processo de desenvolvimento poderá contribuir para a existência de uma poesia mais brasileira, mais expressiva das aspirações do nosso povo.

Assim é que se torna significativa a existência de poetas como Sosigenes Costa, José Sampaio, Jacinta Passos, Camilo de Jesus Lima, Aluísio Medeiros e tantos outros, que do Norte do nosso país, vêm contribuindo para a valorização da poesia como um instrumento não somente comunicativo como também de transformação.

Na capital paulista, Walter Sampaio publica vários artigos opondo-se ao formalismo. Da geração de escritores sergipanos a que pertenceu Walter, muitos, absorvidos por outras atividades profissionais, abandonaram a literatura. Durante muitos anos, Walter, empenhado na sua profissão de advogado trabalhista, se viu forçado, temporariamente, a silenciar na literatura.

Foto: Reprodução Capa do Livro “A Rosa e o Enigma”, de Walter Sampaio

A Rosa e o Enigma. Com atraso de 30 anos, chegou-me às mãos, esta semana, enviado pelo poeta irmão Aluysio Mendonça Sampaio, sergipano radicado na Paulicéia desde os anos 50, o livro A Rosa e o Enigma, de Walter Mendonça Sampaio, poemas escritos entre 1942 e 1952, época de grandes conflitos mundiais. 27 poemas formam a coletânea, publicados pela Editora H, em 1976, com ilustrações do autor e apresentação do sergipano Paulo Dantas. O livrinho apresenta versos de dor, sangue e esperança, mas que não perderam atualidade. A leitura de A Rosa e o Enigma abrirá as portas de uma viagem cheia de encantos. No poema “A vida nasceu do Êxtase”, a perplexidade gerada pelo conflito em que se debate o homem da sua geração é tão grande que produz o desencanto profundo em que o ser se fratura:

Abro a janela e os ventos estão parados.

Lá fora a paisagem cinzenta e muda.

– Ninguém responde ao grito?

As árvores parecem monstros de pedra.

É preciso perseguir as relações entre expressão lírica e histórica, observando seus modos de expressão nos vários momentos. Seu lirismo-social é uma maneira especial de recorte do mundo e de arranjo da linguagem, porque a poesia lírica vai concretizar-se, de fato, no modo como a linguagem do poema organiza os elementos sonoros, rítmicos e imagéticos:

O coração vazio de angústia

e podermos cantar novamente

no silêncio da noite.

E ver o homem do porto

chorar de alegria nos braços da liberdade.

Alguns poemas do livro são cortantes, agudos, irretocáveis, reflexivos, de feição intimista. Cada poema tem uma unidade, fruto de características que lhe são próprias, cabendo ao leitor ler, reler, analisar e interpretar. Walter Sampaio é um poeta, um pensador a serviço de uma ideologia. Concordemos ou não com ela, devemos reconhecer ao intelectual o direito de promovê-la e defendê-la. Por isso, tem sido apontado pela crítica como um dos mais inquietantes poetas de sua geração, ao lado de Enoch Santiago Filho, José Sampaio, Santo Sousa e Aluysio Sampaio. Walter pertence à geração dos poetas sergipanos do ciclo lírico-social. O ritmo de recepção de sua poesia lírica é também um ritmo associativo, baseado nas relações de contiguidade da linguagem. Porque o fenômeno lírico também responde a certo “horizonte possível”, determinado pelo seu tempo e contexto.

Este artigo pretende ser também lembrança, resgate de uma geração importante para a formação da literatura moderna sergipana, além de uma homenagem, em vida, a esse homem e a sua obra, inquietante para uns e iluminadora para outros. Pois, para maioria da crítica especializada, o poeta e animador cultural Walter Sampaio é o grande renovador da cultura sergipana na década de 40, em termos de transformação do pensamento social de uma geração de jovens conflitantes, perdidos, mostrando-lhes os horizontes de um contexto político mais atualizado. Obra e homem, ambos vivem pela liberdade. Walter Mendonça Sampaio faleceu em São Paulo três meses depois do irmão Aluysio Mendonça Sampaio, no dia 19 de julho de 2008.

Dois poemas de Walter Sampaio

Mensagem a um jovem poeta morto

A Enoch Santiago Filho

Ofereço ao silêncio da noite

as vozes de meu canto desesperado

e à luz mansa da estrela

o brilho de minhas lágrimas.

//

Ofereço a ti, Poeta, a presença da saudade

e estes versos de tecido invisível.

//

Na amargura que desce sobre nossos olhos

na agonia de nossa pequenez face à morte imponderável

eu divisarei teu vulto inquieto.

//

Na aurora que se levantará sobre o mundo angustiado

em que viveste, eu te divisarei,

nas flores que renascerão no seio da grande harmonia

na luz da madrugada que secara os cabelos da noite

molhados das lágrimas do mundo

nos braços de espumas de mar

que se levantarão para colher a última luz

na compreensão de que chegamos à outra margem

do tempo e do espaço, eu te divisarei.

//

Quando o pássaro da manhã acordar o mundo

para a vida que chega

todos os que sobreviveram, numa absoluta compreensão

guardarão um minuto de silêncio

que será teu, Poeta,

porque compreenderão que teu pensamento

foi um facho de esperança iluminando a densa noite

da descrença, da inércia e da injustiça.

//

O teu olho morto na terra escura

verá erguerem-se contra a grande obsessão

milhares de homens iguais a ti.

Na hora da redenção verás os campos cultivados

as cidades dormindo no sossego da noite

os homens correrem alegres nos campos

como animais soltos no pasto.

Verás os ventos acariciarem as mulheres perdidas

e todos encherão as mãos com a água do rio

que voltou a correr.

Ouvirás um rumor de raízes crescendo

e os ventos cantarem na tua sepultura

a canção que gostarias de ouvir da boca do povo.

//

Sentirás nas entranhas

o calor dos animais dormindo sobre a relva.

Verás a estrela descer do céu

e estender lume de prata sobre a tapera.

//

Ouvirás uma voz cantando no silêncio do beco

e então compreenderás que chegou o momento

da nova poesia descer ao coração dos homens.

//

Chegará o momento em que nossa voz descerá aos túmulos

para falar aos que morreram

e então será a tua vez.

//

Chegará o momento em que iremos todos

à presença dos que tiveram nos lábios

a palavra de salvação

e então chegará a tua vez.

//

– Isto quando vier o instante esperado

pelos que passaram a noite em vigília

encobertos pela angústia do mundo.

//

– Isto quando chegar o momento

em que uma força nova animará

os que tiveram palavras desencantadas

e pensaram na inutilidade da vida.

Porque é preciso que a paz encontre ainda vivos

os que perderam a esperança nos caminhos do mundo.

//

Mas agora, Poeta, estás dormindo no ventre da terra

morto como tantos dos teus irmãos

fecundando o silêncio da morte

esmagando pelo peso do mundo

distante do mundo que nascerá.

//

Silêncio! Silêncio!

as águas do rio Spree choram

o corpo mutilado de Rosa Luxemburgo.

Silêncio!

Garcia Lorca repousa no cemitério de Granada.

Silêncio!

É a voz de Antonio Machado que vem do fundo da terra.

Silêncio!

Outro poeta desceu ao silêncio da morte!

Eles aguardam o momento da vida

e um dia descerão na luz que acordará o Novo Mundo.

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A Rosa e o Enigma

A madrugada lá fora

anda quebrando vidraças

e abrindo janelas nas águas furtadas.

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Entre o chão e o teto

contorcida a escada de madeira

Pássaros mortos

atapetam a soleira do quarto.

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Mãos avançam peremptoriamente

como se atraídas pela refração da manhã

quisessem desligar-se do corpo

cansado pela vigília.

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Vontade de decifrar enigma.

Enquanto o pensamento estremece

esmagado, nas pálpebras cansadas

a rosa da noite desfaz pétalas roxas

no parapeito cinzento da janela.6

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6 Aracaju. Jornal da Cidade, 21/22 de janeiro, 2007. Republicado: São Paulo. Revista da Literatura Brasileira, nº 45, 2007.

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com