GILFRANCISCO [*]

Como vimos anteriormente, o Arcadismo iniciou no Brasil à sombra das reformas de Pombal, que vieram arejar um ambiente dominado pela escolástica dos jesuítas, e sua ruptura anticultista começou em 1768. Esse movimento permaneceu como tendência literária dominante até o final do século XVIII, seguindo depois, uma produção eclética de nível artístico inferior, onde coexistiam traços de pensamento iluminista com traços formais pré-românticos. Este célebre improvisador de modinhas, tinha por certo os defeitos do seu tempo e diferenciava entre os poetas que o cercavam pela simplicidade de seus versos, o posto da retórica inchada de Bocage e Agostinho de Macedo. E por isso teve o poeta a consagração da popularidade mais vasta e justa, causando inveja ou rivalidade, era talentoso e aberto às boas impressões, pois quase todas as suas cantigas, corriam de boca em boca desde as classes plebeias até os salões da aristocracia. De certo modo seus versos não enriquecem a poesia brasileira, mas entre os secundários poetas da época, Lereno é o mais destacado, havendo uma identidade profunda com a música popular brasileira, com o seu melancólico e dolente langor.

Coroado D. João V, no começo do século XVIII (1707), instalou-se em Portugal e, portanto, no Brasil, um regime monárquico absolutista, que se mostrou desde logo intolerante em face das liberdades que caracterizaram o século XVII e permitiriam que nele tivessem aparecido fortes individualidades como Vieira e Gregório de Mattos. Doutro lado, esse mesmo absolutismo se dirigiu no sentido de organizar a atividade intelectual e artística em academias e pô-las a serviço da consagração do novo rei e de sua obra governamental. A obra de Manuel Botelho de Oliveira, Música do Parnaso, publicada em 1705, foi a última expressão do nosso “ primeiro ” período barroco, com a fundação da Academia Brasílica dos Esquecidos, na Bahia, no ano de 1724, por iniciativa do vice-rei Vasco Fernandes César de Meneses, começaria o Academismo.

Quando se definiu para os intelectuais brasileiros, a ideia de uma nova época se abria para a vida mental e literária, período este que se estendeu até 1768, expressando uma imagem idealista e entusiástica do Brasil. A diferença entre os escritores que surgiram na época de Pombal e dominaram a segunda metade do século XVIII, e os do período do Academismo idealista e encomiástico, não está apenas no modo como viram a realidade brasileira. Diferentes resultaram também em ser, no modo como compreenderam a praticarem a arte literária, enquanto que os acadêmicos em oposição aos escritores do século XVII, procuraram requintar a arte literária, e os escritores da segunda metade do século XVIII, opondo-se aos acadêmicos, procuraram renovar a literatura impondo uma nova temática e novos princípios da expressão literária. Esta renovação chega com a publicação das Obras Poéticas de Cláudio Manuel da Costa e a fundação em Vila Rica, por iniciativa do mesmo poeta, da Arcádia ou Colônia Utramarina, inspirou-se nas doutrinas de teóricos do classicismo considerado ortodoxo.

Domingos Caldas Barbosa Foto Reprodução

Nascido no Rio de Janeiro em 1738 a bordo de um navio, quando regressava seus pais de Angola, Domingos Caldas Barbosa era mestiço, filho de português com uma negra angolana. Seu sobrinho, Cônego Januário da Cunha Barbosa (1780/1846) que não conhecera, pois faleceu quando esta tinha vinte anos, ouviu confidência de um parente ainda vivo do poeta. – “ Meu tio, não era preto nem branco, nem d’África nem da América; mas era homem de muitos talentos. O pai de Domingos Caldas Barbosa, depois de anos de residência em Angola, regressava para o Rio de Janeiro, e em sua companhia vinha uma preta grávida, que na viagem deu à luz o nosso Caldas. Seu pai, apenas desembarcado, o reconheceu e fez batizar; e quando chegou à idade própria, curou de sua educação literária, por isso que lhe reconhecia uma viveza e penetração não vulgares, que lhe auguravam bons resultados dos estudos, a que o fez aplicar ”¹.

Varnhagen discorda pondo em dúvida a veracidade do relato: “ Esta informação cairia só por si diante das pessoas da família do seu protetor e do de J. Agostinho, que afirmam que ele era filho do Brasil. Mas o próprio Caldas diz que, quando nasceu:

Por cima da infeliz choça

Gralha agoureira se ouviu:

Há quem diga que ele nasceu na Bahia. ². Mas encontramos no final do 2º Canto do poema N’A Doença um depoimento interessante, Lisboa, 1777:

Por entre a gente, que a ouvir se ajunta,

Moço alegre rompeu, que lhe pergunta

Se é ele o mesmo Caldas brasileiro

Que tem por pátria o Rio de Janeiro

Foto Reprodução da Capa do livro Domingos Caldas Barbosa Descrição da Quinta de Belas, Ensaios Críticos – Luiza Sawaya, Vitor Serrão e Ana Isabel Correia

Caldas Barbosa viveu no Rio de Janeiro sob o rei D. José, na cidade colonial, suja, graciosa, envolvedora como a emanação de um fetiche, molhada pelo dengue sensual que a verde natureza emoldurava de encontro. Chegou a estudar no Colégio dos Jesuítas, onde recebeu as primeiras aulas de latim e música, foi o célebre improvisador de modinhas inclinou-se desde a juventude para as artes, especialmente para a música, onde teve a consagração da popularidade por ser singelo, espontâneo e possuir um lirismo ao gosto popular. Mas a insubmissão temperamental do mestiço, flora na rebeldia mental adolescente, e começa a fazer versos satíricos e a gozar figuras importantes da Capitania, que queixosos fizeram com que o Capitão-General Gomes Freire de Andrade (Conde de Bobadela), governador da Capitania e fundador da Academia dos Felizes em 1736 (homem letrado e não satisfeito com suas sátiras e antecedentes), o mandasse em seguida para as fileiras do Regimento que combatia na Colônia do Sacramento, no extremo sul do Brasil, e regressando ao Rio quatro anos depois.³ A campanha pela manutenção da Colônia durou 97 anos (1680/1777), época angustiada em que os esforços da colônia eram queimados ao redor dos muros da fortaleza nas terras disputadamente castelhanas.

A famosa Carta Régia de 6 de julho de 1747, dava direito a prender e remeter à Metrópole tipos e prelos existente no Brasil, proibia a impressão de livros, obras ou folhetos avulsos, sob pena de prisão e envio para Lisboa aos infratores. Todos os livros eram impressos em Portugal e em latim, mas não tinham repercussão nos meios populares, mas nesta época houve os avulsos, ou seja, a imprensa manuscrita, cópias de versos satíricos, os infalíveis pasquins, delícias da terra pequena e degustadora de revelações íntimas, que divulgou muitos poetas anônimos e Caldas Barbosa é um desses:

Soldado de Amor

(cantigas)

Sou soldado, sentei Praça

Na gentil Tropa de Amor,

Jurei as suas Bandeiras,

Nunca serei desertor.

–//–

Eu sou soldado,

Eu sirvo Amor,

Jurei Bandeiras

Nunca serei desertor.

–//–

De Cupido os Regimentos

Não tem Zabumba, ou Tambor;

Tem um certo mover d’olhos,

Que chama muito melhor.

–//–

Eu sou soldado,

Eu sirvo Amor,

Jurei Bandeiras

Nunca serei desertor.

–//–

Dos Amorosos perigos

Eu não tenho nunca horror;

Tenho valor de sofrê-los,

Quanto mais, quanto melhor:

–//–

Eu sou Soldado,

Eu sirvo Amor,

Jurei Bandeiras

Nunca serei desertor.

–//–

A fraqueza d’algum Chefe

Aos Soldados faz temor

Eu não tenho que temer-me;

Sirvo a um Nume vencedor.

–//–

Eu sou Soldado,

Eu sirvo Amor,

Jurei Bandeiras

Nunca serei desertor

Foto Reprodução do livro Viola de Lereno, de Domingos Caldas Barbosa

Quando Caldas chegou a Portugal viviam só poetas da Arcádia Lusitana: Correia Garção, Reis Quita, Nicolau Tolentino, Antônio Diniz Cruz e Silva, e levara do Brasil a sensibilidade nativa e a maneira uniforme e poderosa da expressão lírica do povo: quadrinhas com rimas simples e de ardor amoroso. Graças a seu espírito inquieto e curioso, rebelde, orgulhoso, impaciente, fruto da mestiçagem. Caldas assistiu e timidamente acompanhou a batalha entre os poetas da moribunda Arcádia e os grupos da Ribeira das Nau, com Filinto Elísio. De certa forma recebeu influência de grande improvisador, ao som da viola a compor peças de sensibilidade brasileira e sensualismo amoroso, sabendo perfeitamente traduzir languidez e o espírito da poesia popular:

Lundum

Eu tenho uma Nhanházinha

A quem tiro o meu chapéu;

É tão bela, tão galante,

Parece coisa do Céu.

–//–

Ai Céu!

–//–

Ela é minha iaia,

O seu moleque sou eu.

–//–

Eu tenho uma Nhanházinha

Qu’eu não a posso entender;

Depois de me ver penar,

Só então diz que me quer.

–//–

Ai Céu, etc.

–//–

Eu tenho uma Nhanházinha,

A melhor que há nesta rua;

Não há dengue como o seu,

Nem chulice como a sua.

–//–

Ai Céu, etc.

–//–

Eu tenho uma Nhanházinha,

Muito guapa, muito rica;

O ser formosa me agrada,

–//–

O ser ingrata me pica.

Ai Céu, etc.

Eu tenho uma Nhanházinha,

De quem sou sempre moleque;

–//–

Ela vê-me estar ardendo

E não me abana c’o leque.

–//–

Ai Céu, etc.

–//–

Eu tenho uma Nhanházinha,

Por quem chora o coração;

E tanto chorei por ela,

Que fiquei sendo chorão

Foto Reprodução da Capa do livro Domingos Caldas Barbosa O Poeta da Viola, da Modinha e do Lindu, de autoria de José Ramos Tinhorão

Encontrando-se em Lisboa a partir de 1775, o poeta participa das festas e improvisa a viola cantando seus versos populares que corriam de boca em boca. Em Portugal ele passou a maior parte de sua vida, onde conservou o seu sentimento da poética brasileira, e se aproxima do Conde de Pomboeiro (José de Vasconcelos e Souza), depois Marquês de Belas, Conselheiro de estado, Grã-Cruz de Santiago e da Torre e Espada. O Conde era leitor dos livros franceses e profundo admirador da música italiana e tornaram-se amigos, passando a ser incluído no rol dos hóspedes permanente. No palácio, Caldas fundou e foi presidente da Academia de Belas Artes de Lisboa a Nova Arcádia, com vinte sócios em 1790 e colabora bastante no Almanaque das Musas. Entre ele estavam José Agostinho de Macedo e Bocage, que trocaram por muito tempo sátiras mordazes e este nunca lhe perdoou, por ser de cor e na condição social que se encontrava. Sua poesia ingênua e simples, caracteristicamente popular, com expressões e construções da linguagem do povo, motivadas quase sempre pelo mesmo sentimento. Vejamos essa modinha:

Amar Generoso

(cantigas)

Sê mais venturosa,

Meu bem, chego a ver-te,

O mal de perder-te

Se torna em um bem.

A Amor agradeço

Quem assim te procura,

Em outro a ventura

Que em mim não a tem.

O mal de perder-te

Se torna em um bem.

Talvez não me ache

Amor companheiro,

–//–

Serei o primeiro

Que saiba amar bem.

Os outros só querem

Do seu bem a posse,

Eu acho mais doce

O bem do meu bem.

–//–

O mal de perder-te, etc.

–//–

Contigo vaidoso,

De amor vou ao Templo.

Servir de um exemplo

Que o mundo não tem.

Abraço sem raiva

Meu próprio rival

E estimo o meu mal

Porque é teu bem.

–//–

O mal de perder-te, etc.

–//–

Não sigo dos zelos

A triste loucura,

E é tua ventura,

A que me convém,

É minha paixão

Mais justa e mais forte,

Que fez tua sorte

A minha também.

–//–

O mal de perder-te, etc.

–//–

Mas leva a minh’alma,

Não ma restituas,

Pois qu’indo a possuas

Assim nos convém.

Não só porque o gôsto

Tem de acompanhar-te,

Mas para ensinar-te

A amares mais bem.

–//–

O mal de perder-te, etc

Foto Reprodução Capa do livro Domingos Caldas Barbosa – Herdeiro de Horácio – Poemas no Almanak das Musas: Estudo Crítico, de autoria de Luiza Sawaya

De fato, é a partir deste ano que ele aparece cantando e acompanhando-se à viola, o que mais choca os europeus da Corte da Rainha D. Maria I, é exatamente o tom direto e desenvolto com que o trovador se dirigia às mulheres, e a malícia dos estribilhos com que rematava seus versos. E referindo-se ao impacto causado pelas suspirosas modinhas, diz Antônio Ribeiro: “ Que grandes máximas de modéstia, de temperança e de virtude se aprendem nestas canções! ” Esta praga é geral depois que Caldas começou usando em seus romances e versejando para mulheres. Divulgada em meados do século XVIII em Portugal pelo mulato carioca, a modinha passara a ser cultivada nos salões por compositores eruditos influenciados pela música italiana. Assim, já no início do século XIX, quando o Príncipe Regente Dom João se transportou com a corte portuguesa para o Brasil, as modinhas tinham-se transformado em verdadeiras árias de óperas.

Com a produção dessas modinhas se circunscrevia aos meios do Paço e da Capela Real (onde até o Padre José Maurício, compositor de missas e de réquiens não escapava às tentações do gênero profano), as letras de tais canções eram quase sempre escritas por poetas e literatos. Caldas Barbosa foi durante muito tempo o encantador dos salões da aristocracia Lisboeta, por sua habilidade de versejar e perfeição no manejo da viola que o acompanhava nas modinhas, lunduns e chulas. Portanto, ele é considerado um dos primeiros compositores brasileiros de música popular, reconhecido historicamente, o estilizador e divulgador da modinha. Durante a sua estada em Roma, foi recebido como sócio da Arcádia Romana com o nome de Lereno Selinuntino. Em 1787, já então Capelão na Casa de Suplicação, pleiteia em versos junto ao Arcebispo de Tessalonia um benefício religioso, e teve deferimento dado pelo Frei Inácio de São Caetana, vejamos os versos:

Fora o meu crime cantar,

Se isto crime pode ser:

Agora vou-me a mudar

De cantar para comer,

A comer para rezar.

Seu primeiro trabalho impresso está incluído na Coleção de Poesias, feitas por ocasião da inauguração da estátua do Rei D. José I, em 1775; A Doença – Poema oferecido à Gratidão, e Epitalanio nas Felicíssima Núpcias do EXMº. Sr. Conde de Calheta com a EXMª. Srª. D. Mariana D’Assis Mascarenhas, ambos de 1777; Lebreida, poema de 59 oitavas rimadas: este poema é a descrição de uma caçada de lebres a que o poeta assistira à convite do Rei D. José em 1778; Os Viajantes Ditosos – drama jocoso em música, 1790 e muitos outros. Viola de Lereno, coleção de suas cantigas oferecidas aos amigos, cujo volume saiu em 1798 e o II seis anos após seu falecimento. Na verdade, Viola de Lereno não é um livro de poesias, é uma coleção de modinhas a qual falta a música para podermos avaliar devidamente. É possível que ela lhes desse o relevo esperado, a julgar pela relativa importância em que foi tido pela Nova Arcádia: “ Nós sabemos apenas dos versos de Lereno, versos sem música e o seu prestígio irresistível provinha da feiticeira cantiga, europada no encanto pegajoso e contagiante da meiguice brasileira, amor com azeite de dendê. Nada sabemos das solfas que se perderam todas, embora algumas ainda fossem cantadas na primeira década do séc. XX no nordeste do Brasil ”. 4 Viola de Lereno é a mais popular de suas obras, levou a Corte um dado de brasilidade consideravelmente forte, não apenas por sua temática, mas sobretudo pela linguagem repleta de vocábulos cursivos na colônia e desconhecidos no Reino.

Os manuscritos do português Antônio Ribeiro dos Santos, de fins do século XVIII é o mais antigo documento sobre Domingos Caldas Barbosa, onde revela de maneira definitiva que a grande novidade do tipo de música em Lisboa, era o rompimento declarado não apenas com as formas anteriores de canção, mas com o próprio quadro moral das elites. A bibliografia sobre o poeta é muito extensa, o primeiro historiador da nossa literatura, Sílvio Romero, deu grande importância a seus versos. “O mestiço junta a essa qualidade primordial de seu temperamento uma outra que às vezes propende para uma pronunciada veia cômica e satírica ”. 5 Ronald de Carvalho inclui o nosso trovador entre os poetas menores do século XVIII, considerando sua poesia como “de um Troubadour, simples e espontânea, sem grandes surtos, mas de agradável efeito, pelo sainete popular de que a revestiu a alma ingênua do poeta ”. 6. Francisco Varnhagen diz que as quintilhas que Caldas Barbosa nos deixou, “ tem muito da natural graça e singeleza das de Sá de Miranda ”. 7 Também Manuel Bandeira reconheceu o seu valor e considera-o “ o primeiro brasileiro onde encontramos uma poesia de sabor inteiramente nosso ”. 8

Tudo nos leva a crer ser ele, Caldas Barbosa um inovador, mesmo quando segue os modelos da Arcádia, tende a afastar-se desse rigor métrico, tornando-se mais flexível, para criar um linguagem num tom de simplicidade harmoniosa (musicalidade) que lhe é característico ou como analisa Merquior, ao afirmar que sua obra está “ bem longe do altero intelectualismo da poesia neoclássica ”.9

Foto Reprodução Capa do livro Viola de Lereno Poesia, de Domingos Caldas Barbosa

O Nome do Teu Pastor

(cantigas)

No tronco de um verde Loiro

Me manda escrever Amor,

Misturado com teu nome,

–//–

O nome do teu Pastor:

Mil abelhas curiosas,

Revoando derredor,

–//–

Chupam teu nome, deixando

O nome, etc.

–//–

De um raminho pendurado,

Novo emplumado Cantor,

Suspirava ali defronte

–//–

Do nome, etc.

–//–

Ah! Lília, soberba Lília,

Donde vem tanto rancor?

Tu bem viste, mas não leste

–//–

O nome, etc.

–//–

Já não se via o teu amor,

Bando o levou roubado;

E ficou só desgraçado,

–//–

O nome, etc.

–//–

O teu nome que roubaram

A novo mel dá sabor

Sem o misto d’amargura

Do nome do teu Pastor

Foto Reprodução da Capa do livro Caldas Barbosa Poesia, Coleção Nossos Clássicos

Além de suas modinhas e lundus ele compôs muitos sonetos, exercitando em todo o gênero da poesia. Não foi certamente um grande poeta, mas sua obra está longe de ser desimportante, e seus poemas não passam de prosa rimada, apesar dos transbordamentos líricos que respiram toda a profundidade de seus sentimentos. Mas não é simpático a José Veríssimo que afirma ser o mesmo “ parasita, quase fâmulo dos Condes de Pombeiro, capelão e poeta mercenário dessa família fidalga e generosa. Não tem nenhuma superioridade, porém apenas valerá menos que muitos dos poetas portugueses seus contemporâneos com quem conviveu e emulou ”. 10 O poeta Caldas Barbosa terá grande importância, tal Gregório de Mattos em sua época, como a de testemunhar parte do processo da mestiçagem luso-brasileira do fim do século XVIII, e a natural influência no domínio mental. O poeta gemeu com sua viola em todas as residências fidalgas, muitos de seus versos ficaram na literatura oral, que se perderam com o tempo, ou ainda resistem no anonimato. Considerado como um dos poetas menos destacados deste período, em contrapartida é o mais brasileiro de todos, porque esteve mais próximo do povo, pela simplicidade que tinha na forma singela de escrever suas cantigas e identificarem perfeitamente o sentido do povo brasileiro.

Lereno possui uma obra literária caracterizada “Pela espontaneidade do estilo e simplicidade da forma, Domingos Caldas Barbosa bem merece um lugar de relevo entre os nossos pré-românticos ” 11 ou ainda “ a obra poética de Caldas Barbosa não pode, portanto, ser julgada literalmente, como o fazem muitos críticos, pela Viola de Lereno, mas pelas outras obras do autor. As modinhas do “cantarino ” Caldas Barbosa pertencem à história da música e ali ocupam um lugar proeminente”. 12 O poeta morreu a 9 de novembro de 1800 em Bemposta, casa do Conde Regador e com todos os sacramentos foi sepultado no dia seguinte na igreja Paroquial de Nossa Senhora dos Anjos de Lisboa. 13

NOTAS

1 – Domingos Caldas Barbosa, Januário da Cunha Barbosa. Revista Trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo 4, 2ª ed., p. 210, Rio de Janeiro, 1863.

2 – Varões Ilustres do Brasil Durante os Tempos Coloniais, Pereira da Silva. Paris Suplemento Biográfico, 2º Tomo, p. 329, 1858.

3 – Após o desaparecimento da Academia dos Felizes, o Capitão-General Gomes Freire de Andrade fundou em seu próprio Palácio a Academia dos Seletos em 1752. v. p. 11

4 – Poesia, Caldas Barbosa – org. Luís da Câmara Cascudo (apresentação). Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 2ª ed. p. 11, 1972.

5 – História da Literatura Brasileira, Sílvio Romero. Rio de Janeiro, José Olympio Editora/MEC, 7ª ed. p. 477, 1980.

6 – Pequena História da Literatura Brasileira, Ronald de Carvalho. Rio de Janeiro, Briguiest, 5ª ed., 1953 (A 1º ed. é de 1919).

7 – Domingos Caldas Barbosa, F. A. Varnhagen, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XIV, p. 449, Rio de Janeiro, 1851.

8 – Noções de História das Literaturas, Manuel Bandeira. São Paulo, Vol. 2, p. 78, 1954.

9 – De Anchieta a Euclides, José Guilherme Merquior. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 2ª ed. p. 22, 1979.

10 – História da Literatura Brasileira, José Veríssimo. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 5ª ed. p. 81, 1969.

11 – Caldas Barbosa, poeta da Viradeira, Francisco de Assis Barbosa (prefácio) – in Viola de Lereno. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira/MEC, p. 13, 1980.

12 – Bibliografia Brasileira do Período Colonial, Rubens Borba de Moraes, São Paulo, IEB-USP nº 9, p. 50, 1969.

13 – Capítulo do livro A Literatura no Brasil Colonial – De Caminha a Sousa Caldas. GILFRANCISCO (Inédito)

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com