GILFRANCISCO [*]

Poeta e contista eminentemente receptivo recebia inspiração em qualquer fonte e sempre a levava à perfeição. Nada em Pushkin é muito profundo, nem amor, nem dores, nem convicções e por um curioso paradoxo, aos olhos do leitor estrangeiro, ele é menos russo de todos os clássicos do seu país, e oferece o menor número de revelações sobre a Rússia.

O nome de Pushkin reina transcendentemente na história das letras russa, e podemos dividir em três períodos: pré-pushkiniano, pushkiniano e pós-pushkiniano. Seu segmento na literatura era exclusivo para a nobreza, mas o abandonou e passou a observar os plebeus, recorrendo a essência dos classicistas e leva o romantismo a seu nível máximo do realismo, de Nicolai Gógol (1809-1852) ou Alexei Koltsov (1809-1842). Pushkin é um grande poeta épico e lírico, considerado o maior poeta de sua pátria, é o primeiro dos grandes escritores russos, pela criação de uma nova linguagem poética e literária. Seguida depois por todos os escritores e poetas russos, pelo cunho nacionalista de sua obra, e pela característica russa do seu gênio. Pushkin desempenhou na literatura russa, papel semelhante ao de Dante Alighieri na Itália, dando uma verdadeira revolução na linguagem literária, suplantando plenamente o eslavo eclesiástico para transformar com sua obra e de seus companheiros de geração, numa língua muito mais plástica e maleável, um instrumento bem mais apropriado com o surgimento de uma grande literatura moderna.

Alexandre Serguéivitch Pushkin Foto: Reprodução

Alexandre Serguéivitch Pushkin, nasceu a 27 de maio em Moscou no ano de 1799, num ambiente da grande e Santa Rússia, de senhores e servos, de oficiais e cossacos, de tribos bárbaras e de fortalezas perdidas na imensidão das estepes. Filho de uma culta família nobre, teve influência de três poetas conhecidos: seu pai, seu tio Vasili e seu irmão. Educado num ambiente literário, Pushkin aos noves anos de idade, lia as obras dos poetas russos e clássicos franceses. Em 1811 ingressa no Liceu de Zárskoie Selo, já escrevia notáveis versos e três anos mais tarde publicava seus primeiros poemas no Mensageiro da Europa, A um poeta. Sua produção durante o Liceu se fundou basicamente nas leituras de Derzhavin, Karamzín, Bátinshkov e Zhukovski, foram às vozes que modularam seu aprendizado nesta época. Em 1815, nos últimos anos do Liceu, ele produziu obras como: Licinio, onde evoca a história de Roma, e aos vinte e um anos publicava sua primeira grande obra, que despertou imenso sucesso Ruslan e Ludmila, poema baseado numa lenda popular. Durante seu exame realizado neste mesmo ano, o célebre Gravrila Derzhavin (1743-1816) ficou admirado da perfeição do seu poema Lembranças de Zárskoie Selo, dedicado aos heróis da guerra contra Napoleão.

Graduado no Liceu em 1817, Pushkin ingressa no Ministério do Exterior como funcionário, com posto puramente nominal. Membro da alta aristocracia, apesar de possuir traço mulato em virtude de um dos seus ascendentes maternos ser etíope, teve uma vida boa e apaixonada. Era um verdadeiro Dom Juan, poeta, um ator de combinações amorosas, dotado de inspiração e de brilho intelectual, de ardor sensual, frequentador assíduo dos espetáculos de óperas e consertos, um admirador de Mozart. Livre ingressa no círculo literário denomina A Lâmpada Verde, de acusada tendência jacobina, ao qual pertenciam poetas como Delving e Gnédich, músicos como Ulisbíschev e políticos como o príncipe Trubetskói. Atônito com o ambiente e as amizades que o rodeava, compõe frenéticos hinos e ardentes poemas políticos, faz com que Alexandre I ordene a sua ida para a Sibéria, mas graças à interferência de influentes amigos, conseguiu que ele fosse transferido para a chancelaria do Ministro de Colônias do Sul, com residência em Ekaterinoslav.

Ali escreveu alguns cantos de seu novo poema Eugênio Oneguin, que iniciado neste ano, levaria para sua conclusão oito anos de intenso esforço. Um ano depois, Pushkin consegue abandonar Odessa e passa a residir em sua propriedade em Mikailovskoie, na província de Pskov sob a vigilância da polícia, onde termina seu último poema de raiz romântica. Casado em 1831 com a desajuizada moscovita Natália Goncharova, Nikolás I seu inimigo o obrigou a aceitar o título de sub-camarista do palácio, como única maneira formalizada de dar acesso aos salões da corte à sua mulher namoradeira, com a qual andava galanteando. Esta nomeação provocou falatórios de todo o gênero, e sua honra estava em jogo e os oficiais da Guarda se permitiam cortejar descaradamente a sua esposa.

Os anos vinte foram de áurea para a poesia russa, com Pushkin e seus contemporâneos e na década de trinta era o momento fundamental da poesia romântica, representada por Mikail Lérmontov (1814-1841) e Fiodor Tiutchev (1803-1873). Quando então oficial da Guarda, Pushkin sofreu influência pelas ideias liberais chegadas da França e toma parte em 1825 da fracassada conspiração.

Sobrevivência

Os escritores russos do século XIX, tão preocupados pela condição humana e por certos problemas filosóficos, éticos e religiosos, entendiam pouco de matérias econômicas, como ocorre tantas vezes aos que se interessam pelas tarefas do espírito. Mas isso não quer dizer que não pensem nunca em dinheiro, viviam num mundo de realidade e imaginação, e com bastante frequência se davam bem com eles e seus familiares necessitavam de casa e comida.

A maioria desses escritores eram autores profissionais que viviam do que ganhavam com seu trabalho intelectual. Até mesmo Pushkin que pertencia à elite da estrutura social, pensava ao contrário entre os autores de épocas passadas, quando disse: “Eu não sou um dos nossos escritores do século XVIII”, e explicava que antes escrevia para si, que agora era para sobreviver. Quando o Czar proibiu a publicação de Boris Godnov, ele se queixou a Benckendorff dizendo que vivia mal e não poderia dispensar os 15.000 rublos que a tragédia daria.

Assim ocorre nas autobiografias e epistolários dos autores russos do século XIX, havia mais parágrafos dedicados ao dinheiro e as dificuldades econômicas que uma análise da alma russa. Os escritores passavam a vida falando de dinheiro e preocupados por ele, estavam sempre pedindo dinheiro emprestado um aos outros. Os escritores consagrados conseguiam uma remuneração melhor, Dostoievski foi um dos que tardou bastante ganhar popularidade.

Os Dezembristas        

Em 14 de dezembro de 1825, várias unidades de guarnição de Petersburgo, formadas por seus oficiais na Praça do Senado, se negaram a jurar fidelidade ao novo czar, Nikolau I e a Rússia viu pela primeira vez uma insurreição armada, aberta contra a aristocracia imperial. Da praça principal de São Petersburgo saíram homens que compreendiam perfeitamente o quanto se arriscavam, era o intento da revolução em um país que sofria o jugo do absolutismo e feudalismo, onde a menor desobediência significava sofrer cruéis castigos e desaparecer para sempre, nos desertos da Sibéria, ou nas masmorras das fortalezas.

A insurreição “revolta dos dezembristas” foi facilmente sufocada e cinco dos líderes foram enforcados e muitos dos conspiradores foram enviados a Sibéria. Pushkin era amigo de muitos dos dezembristas, sua triste sorte o afetou profundamente e muitos escritores como: Kondraty Ryleyev, Alexandr Odyevsk, Wilhelm Kuchelhecher e Alexandr Bestuzhev, sofreram penas das mais variadas.

Entre os poetas dezembristas, havia pessoas distintas quanto ao espírito revolucionário e seus gostos literários, mas todos eles eram inspirados propagandistas das ideias patrióticas revolucionário e da liberdade política e ensinavam a odiar a autocracia e ao regime de servidão. Em suas atividades literárias, davam respostas as questões radicais que pleiteavam a vida russa e lutavam por uma nova estética, por uma arte que correspondesse às tarefas da luta pela libertação do povo. Esses poetas contribuíram para a criação de uma nova literatura russa, da qual o grande poeta nacional Pushkin; era amigo e companheiro de luta dos dezembristas.

Influência

A leitura de Shakespeare abriu a Pushkin novos caminhos e entre 1824-1825, escreveu a primeira tragédia russa de tema político Boris Godunov, notável por sua profunda inspiração lírica e por seu realismo histórico, ressalta a ideia nacional como fonte de criação. Pushkin se desentendeu com as três unidades clássicas e alterou a prosa com o verso e o trágico com o cômico: No momento da proclamação do czar Boris, um vencido moscovita aconselha outro, a passar cebola nos olhos para simular lágrimas de emoção.

Capa do livro Pushkin – Poems – A Russian Dual Language Book Foto: Reprodução

A poesia presidiu a literatura russa no primeiro quarto do século XIX, mas em 1830 surgiu a chamada época realista, que utilizou a narrativa como arma de novas buscas literárias. Coincidindo nesse período a prosa de Pushkin e Gógol, que se propiciou um interesse pela crítica e as discussões filosóficas que começavam empunhando as ferramentas hegelianas e terminavam sem falar o caminho para salvar a contradição entre o auto caminho e a realidade mísera. Em 1831, a intelectualidade russa estava dividida em duas correntes uma ocidentalista, que acreditava no contato com a cultura ocidental para o engrandecimento da Rússia. Baseava-se em três aspectos: o regime comunal, a religião ortodoxa e a comunhão do poder czarista e do povo. E a outra eslavófila, inimiga da revolução e combatente do materialismo, era uma das tendências do pensamento social russo, que sustentava a teoria do desenvolvimento histórico interno, e insistia pela conservação das tradições culturais russas.

O fato é que a literatura russa esteve desde Pedro I, fortemente influenciada pelas literaturas da Europa Ocidental. As autoridades do czar procuram sempre seguir os passos de Pushkin, que era um dos mais destacados representantes da corrente eslavófila. Como os eslavófilos eram partidários incondicionais da autocracia, se consideravam muitas vezes partes integrantes da organização imperial, ponto este não compartilhado pela polícia e censores de Nikolau I. Os eslavófilos não eram de modo alguns revolucionários, mas fizeram com que fossem escritores e pensadores de valia, em razão suficiente para o governo o ver com receio. Alguns como Gógol, Dostoievski e Aksakov. O grande crítico Bielinski foi um dos ocidentalistas, assim como também o foram os pensadores liberais Chershevski, Dobroliubov e Pisarev. Outro foi o Bakunin, fundador do moderno anarquismo político, que a princípio foi o modelo que inspirou Turgueniev para sua personagem Rudin.

Foi-se através da poesia que ele mais se expressou, também sua prosa marcaria o início da grande literatura russa moderna graças a sua extraordinária capacidade construtiva, quando se dedicou a partir de 1830, grande atenção à prosa, superando até mesmo sua dedicação pela poesia, apesar do reduzido período. Expressando-se em diferentes formas, sua época e tempos anteriores, para descobrir a grande riqueza interior do mundo russo. E por isso, é o primeiro dos grandes contistas russos, e considerado como o maior poeta da sua pátria, por ter sido a alma do movimento romântico da época.

Obras

Além de publicar poesias líricas, Pushkin escreveu o romance em versos Eugênio Oneguin; O Negro de Pedro, o Grande; escrita em 1827 ficou inacabada. É uma novela na qual o autor pretende narrar a vida de Araão Anibal, seu bisavô pela linha materna, abissinio que fora enviado a Pedro, o Grande, como presente pelo embaixador russo em Constantinopla. Contos do falecido Ivã Pietróvich Bielkin, publicado em 1831; A Dama de Espada, 1833, maravilhosa novela seu enredo interessante e força psicológica que possui; O Tiro, outra novela em que se admira pelas mesmas qualidades. A Filha do Capitão é uma autêntica obra-prima da literatura universal, uma das últimas obras publicadas por Pushkin. Nos fala da grande revolta popular de 1773, chefiada pelo cossaco Pugatchev, revolta que já fora motivo de um seu estudo histórico, muito bem documentado.

Morte

A literatura russa não morreu com Tchekov da mesma forma que não nascera com Pushkin. Tchekov foi o último dos grandes clássicos, como começa com Pushkin e continua com Lérmontov e Turgueniev, Gocharov e Tolstoi. Alexandr Pushkin morreu a 29 de maio de 1837 em São Petersburgo, vítima de um duelo travado com o aventureiro Georges Chales D’Antches, oficial francês então a serviço da Rússia, motivado pelo comportamento da esposa.

Pushkin se foi deixando para trás uma herança artística não igualada a nenhum outro escritor russo, dominou com sublime delicadeza todos os gêneros literários. Em 1880 Pushkin foi considerado poeta nacional e durante as comemorações do seu aniversário, foi inaugurado o monumento, hoje situado na Praça de Pushkin, em Moscou, ligada a importantes comemorações literárias.

Dois Poemas traduzidos por Gilfrancisco

O Cavalheiro Pobre

(Alexandr Pushkin)

Ninguém soube quem era O cavalheiro Pobre

Que viveu solitário, e morreu sem falar:

Era simples e sóbrio, era valente e nobre,

E pálido como o luar.

—-

Antes de se entregar às fadigas da guerra.

Dizem que um dia viu qualquer cousa do céu:

E achou tudo vazio… e pareceu-lhe a terra

Um vasto e inútil mausoléu.

—-

Desde então, uma atroz devoradora chama

Calcinou-lhe o desejo, e o reduziu a pó.

E nunca mais o Pobre olhou uma só dama,

– Nem uma só! Nem uma só!

—-

Conservou, desde então, a viseira abaixada:

E, fiel à visão, e o seu amor fiel,

Trazia uma inscrição de três letras, gravada

A fogo e sangue no broquel.

—-

Foi aos prélios da Fé. Na Palestina, quando,

No ardor do seu guerreiro e piedoso mister,

Cada filho da Cruz, se batia, invocando

Um nome raro de mulher;

—-

Ele rouco, brandindo o pique no ar, clamava:

“Lumen Coeli Regina!” e ao clamor dessa voz,

Nas hostes dos incréus como uma Tromba entrava,

Irresistível e feroz.

—-

Mil vezes sem morrer viu a morte de perto.

E negou-lhe o destino outra vida melhor:

Foi viver no deserto… E era imenso o deserto!

Mas o seu Sonho era maior!

—-

E um dia, se estorcer, aos saltos, desgrenhados,

Louco, velho, feroz, – naquela solidão

Morreu: – mudo, rilhando os dentes, devorado

Pelo seu próprio coração.

(Tradução: Gilfrancisco)

——X——-

Mensagem aos Dezembristas

(Alexandr Pushkin)

Nos fundos das minas siberianas

conserva-se a paciência, semblante ao vento.

Não há de perder-se em jornadas insanas

nem o ideal de vosso pensamento.

—-

E fiel amiga da adversa sorte

baixará a esperança nas sombrias

criptas dando-se ânimo, alegrias,

virá outro tempo desejado e forte.

—-

Os chegarás ao amor e à amizade

através de todos os cadeados,

como a vossa caverna de deportados

minha livre voz os chega em ansiedade.

—-

Se caírem as cadeias das mãos,

há de fundir-se os cárceres, e amada.

A liberdade verá, e os irmãos

hão de devolver a antiga espada.

(Tradução: Gilfrancisco)

—————————

[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com