GILFRANCISCO [*]
No dizer de Freire Ribeiro, Clodomir Silva, “é um pássaro luminoso que alto voa na embriaguez do azul” ou o Desembargador Luiz Pereira de Melo, “seu desaparecimento há 46 anos, foi como uma hora crepuscular para a cultura sergipana.” O saudoso mestre, José Calasans diz que “Clodomir recolheu muita coisa da poesia popular em Sergipe. Na Academia Sergipana de Letras, declamava dezenas de quadras populares. Ele me impressionou muito, não era um professor que empolgasse na classe. Faltava muito, mas era desses professores de conversa de porta de sala”.
Nascido em Aracaju a 20 de fevereiro de 1892, era filho de Eugênio José da Silva e de D. Argemira de São Pedro e Silva. Nessa cidade fez os primeiros estudos, cursando preparatórios no Ateneu Sergipense. Como Machado de Assis, José do Patrocínio, Humberto de Campos e outros, foi seduzido pela vida de imprensa, ingressando muito jovem como tipógrafo, em um dos jornais que aqui circulavam. Segundo um dos seus companheiros de ofício da época, em depoimento a Freire Ribeiro, contou-lhe “do seu trabalho, do seu esforço para acompanhar a composição dos tipógrafos mais adiantados o que dentro em pouco conseguiu não só alcançá-los como ensiná-los no melhor compor essa música dos tipos, cujos acordes retemperam e alargam a grande sinfonia universal das ideias humanas”.
Em abril de 1919 ingressa na tradicional Faculdade de Direito do Recife, somente no ano de 1923 conseguia matricular-se no curso de Bacharelado. Fazia sempre os exames de segunda época, porque sendo pobre não frequentava o curso. Diferentemente de muitos sergipanos, ao bacharelar-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 1926, retorna a terra natal para dedicar-se ao estudo da história do lugar e dos costumes do povo, dos ditos populares, da linguagem dos homens iletrados. Casado com a professora do Instituto Coelho e Campos, Anna Araújo de Souza e Silva conhecida no meio social, por Nanoca, a 9 de dezembro de 1922, o jovem casal gerou oito filhos, três homens e cinco mulheres, sendo que dois deles (Atma e Aperipê) faleceram ainda criança.
Depois de visitar São Paulo em setembro de 1920, Clodomir Silva esteve em Santos, onde foi entrevistado por dois jornais: A Gazeta do Norte e pelo Jornal da Noite diz: “eu tinha as melhores notícias; não pensei, porém, fosse tão agradável cidade como é. Que formosura natureza! Encantaram-me suas praias, o aspecto das ruas, que, confesso-lhe, meu amigo, tem alguns pontos, parecenças com Aracaju, guardadas as condições das duas cidades”.
– O Jornal da Noite vem pedir a Clodomir Silva impressões a respeito da vida de Sergipe?
Clodomir Silva – E com imenso prazer lhes transmito. Sergipe se impôs a si mesmo a tarefa admirável de trabalhar pela sua grandeza. Atualmente a capital e as povoações do interior do Estado vêm a cada dia o incentivo e o auxílio das leis à construção particular, pelo que a situação melhora, não somente sob o ponto de vista de comodidade, como sob o de estética e de higiene.
As cidades mais importantes estão iluminadas a luz elétrica, pelo que Maruim, Laranjeiras, Itabaiana, Riachuelo, São Cristovão, já desfrutam esta vantagem, além de Aracaju. Em trabalhos de instalação já se encontram os serviços de iluminação de Capela, Propriá e Estância.
J.N. – E que nos diz V. S. Quanto a instrução?
C.S. – Que a lotação das escolas excede à toda previsão, motivo por que o governo vem criando grupos escolares em diversas localidades, como sejam São Cristovão, Estância e Vilanova. Atualmente, temos quatro delas na capital e uma na cidade de Capela. As matrículas são continuamente ampliadas, de modo a atender a afluência não somente ao ensino primário, mas, também, ao normal e aos secundários.
J.N. – Qual a divisão adotada em seu Estado, para os cursos?
C.S. – Chamamos secundários aos que se professam no Atheneu, constantes dos seguintes ramos: Ginásio, o fiscalizado pela União; comercial e integral, os preparam os sergipanos para a carreira do comércio, e para os labores agrícolas; normalmente, os que formam professoras pela Escola Normal. Primário, o do início como sabe.
J. N. – A renda do presente exercício será grande?
C.S. – Será regular, pois que diversos fatores têm contribuído para que não sejam avultados os reditos do Estado. Cerca de Cinco mil contos.
J.N. – Quiséramos uma opinião quanto à evolução literária?
C.S. – É lenta a evolução; mas firme. Há inegavelmente uma tendência muito apaixonada do sergipano para as letras. Temos certos literários que se esforçam por desenvolver a aptidão e o gosto dos patrícios pelo livro. Possuímos jornais e revistas, modestamente feitos, mas desempenhando o seu objetivo. A Biblioteca do meu Estado é das melhores do Brasil, não somente pelo edifício, como pelo considerável número de volumes: – trinta mil!
J.N. – De política, que nos poderá informar?
C.S. – Asseguro-lhe que as condições políticas internas e externas são excelentes. O presidente Lobo vem mantendo o princípio valadonista da calma e da cordialidade na política e na administração. O ruído que às vezes levantam descontentes pela imprensa, como há pouco foi verificado na do Rio, representa, apenas, o despeito dos que não viram realizados os róseos sonhos com que se iludiam. É a mesma voz que procura denegrir em todos os tempos os ideais superiores apontados pelo amor a sua terra. Esses rumores não representam nenhum valor político.
J.N – A fórmula da futura chapa?
C.S. – Ponto velado este, meu amigo. Posso, entretanto, afirmar, que a escolha consultará os interesses do Estado e os do Partido, pretendendo-se que a chapa seja uma defesa aos empreendimentos de Sergipe.
J.N. – Vamos terminar, dissemos e ainda quiséramos alguns informes a respeito das questões de limites.
C.S. – Digo-lhe que nada ficou resolvido da última reunião. Bahia não quer terminar o litígio com os Estados de Sergipe e Pernambuco, pois está de posse das terras reclamadas. O representante de Sergipe, esforçado e ilustre conhecedor do assunto, o coronel Ivo do Prado, fez o possível para chegar a uma conclusão. Tudo debalde. Não me avanço em detalhes porque pretendo fazê-lo, aqui em Santos, de modo mais amplo e conveniente. Já que pretende deixar-me peço-lhe assegure ao Jornal da Noite a minha estima, e de suas colunas, saúde, em meu nome, a colônia sergipana desta cidade.
No Diário Oficial do Estado, Clodomir de Souza e Silva publicou alguns textos como: Discurso pronunciado na sessão da Assembleia Legislativa do Estado, em 31 de dezembro de 1919 (D.O. 1º. de janeiro de 1920)
“Sr. Presidente:
“O problema mais fortemente interessante, para nós brasileiros, neste momento significativo de nossa vida de povo organizado, vinha sendo de há tempo o problema do saneamento geral do nordeste do Brasil.
Considerado por diversos, referido por muitos, estudiosos e cientistas, permanecem, entretanto, esquecido pelos homens de administração.
Grandemente importante, porém, ele pesava imperioso entravando a nossa civilização, desdizendo os nossos foros de novo que evolve e que se faz notado, pois que era, de tão expressivo e preponderante, um caso capital a resolver.
Dizendo imediatamente para a felicidade física e moral de centenas de milhares de patrícios, essa resolução, Sr. Presidente, si bem que difícil, importa numa escalada vitoriosa para o progresso e para a fama da terra prodigiosa do Cruzeiros.
Esta plaga formosa, cujo pavilhão drapejou, não faz muito ainda, às brisas revoltas dos revoltos mares onde espalhavam os ponderados homens do século das maravilhas a devastação e a ruína, esta plaga formosa, dizia, tão imponente e Ferraz quão inculta e inexplorada, não pode continuar sendo algoz de seus próprios filhos, tumba majestosa duma raça trabalhadora e descurada.
O serviço de saneamento, Sr. Presidente, que não é somente físico, porque ao lado do trabalho da higiene vem também a escola – o novo Tambor de transformação dos povos – ; esta obra que não é apenas a de desbravar a via fluvial e de traçar férreas paralelas que conduzem a locomotiva, mas também a de iniciar nos mistérios imprescindíveis do livro milhares e milhares de brasileiros que ainda se não forraram às trevas da ignorância, acaba de determiná-la o pulso forte de Epitácio Pessoa, o Presidente cujo governo se vai assinalando pela compreensão e pelo tino, governo que ausculta a necessidade do país para dar-lhe o remédio, que olha para ver, e que perscruta para resolver.
A nação vinha devendo de há muito esta dívida a seus filhos do Nordeste, devastados pela enfermidade, pelos trânsfugas da ordem, os bandeirantes do crime cujos nomes constituem todo inteiro um capítulo de terra e sangue na história daquelas inditosas gentes.
E agora intenta pagá-la, Sr. Presidente, graças ao patriotismo do nortista eminente que é o dr. Epitácio Pessoa.
A Assembleia Legislativa de meu Estado não se pode esquivar à demonstração que merece o ilustre estadista que orienta a Nação Brasileira, traçando-lhe uma rota de paz, de trabalho e de ventura, demonstrando que se impõe neste momento em que ele se lança à realização do mais capital dos problemas internos de prosperidade do nosso amado Brasil: – o saneamento do Nordeste, empreendimento que falara alto no grupo dos projetos do Chefe do Estado.
Sergipe, onde também impera com seu cortejo de infelicidades e miséria a adustão das secas, rejubila-se com este ato valiosíssimo, porque o compreende capaz de mudar por inteiro o aspecto duma região, que, de futuro, adaptada aos fastígios da civilização, terá condições para ser o soberbo habitat de todos os povos.
Por isto, Sr. Presidente, apresento à consideração da Casa a seguinte.
Moção
A Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, com a consciência de que o saneamento do nordeste do Brasil importa na verdadeira redenção da gente infortunada que povoa esta parte na Nação, congratula-se com o eminente estadista dr. Epitácio da Silva Pessoa, Presidente da República pela assinatura do Decreto que autoriza os serviços desta notável obra de administração e da humanidade.
Corpo representativo que é a Assembleia Legislativa não pode deixar de dirigir também, no dia do encerramento da presente sessão extraordinária, seus protestos de solidariedade política a este operoso homem público, cujo intento vem sendo a política de união de vistas para a prosperidade da Pátria”.
Três anos depois o Discurso proferido em nome do povo na noite de 27 de julho de 1923, em homenagem aos aviadores navais (Diário Oficial, 28 de julho de 1923).
“A aguerridos soldados do espaço:
A multidão que ora vos defronta vem trazer-vos com a sinceridade que lhe é própria, porque traduz uma vibrante espontaneidade, a demonstração indizível de seu apreço.
A alma sergipana, simples e modesta, sente com frêmito os grandes momentos que dignificam e exaltam sua terra.
E o povo desta gleba fecunda, trabalhador e bom, costumam tomar parte nas manifestações de carinho que se voltam a aqueles que conquistam os nobres feitos pelo seu esforça e pela sua operosidade.
E assim é que a alma popular desta gente afetuosa e amiga que sofreu com Tobias e com Fausto, que lutou com Camerino nos plainos sangrentos de Curuzu e que se corporizou na figura varonil de Aurélio Garcindo, quando da terrível abordagem da Parnaíba, tem para os que lhe falam a emotividade os vivos louvores de seus aplausos.
Agradecida ao vosso empenho em vir honrá-la com a presença ilustre, ela augura que os dias do futuro em que vossa coragem tenha de vos compelir a defesa da formosa Pátria de nosso berço, emulem as vossas iniciativas as lembranças dos céus azulino de nossa terra, a placidez das águas quietas do Sergipe e o frêmito entusiástico deste povo tenacíssimo que constrói e trabalha, que luta e que vence.
E que sempre onde quer que drapeje o pavilhão do Brasil na sua energia vibratibilidade fale ao vosso coração a grandeza imensurável da amada Pátria Brasileira a vos acene com os dilúculos suaves da aurora do triunfo.
Salve, valorosos marujos! ”
***
“As palavras formosas do orador calaram fundo na alma popular, que lhe fez, ao terminá-las, uma expressiva ovação.
Para encerrar a inolvidável manifestação com chave de ouro, também da sacada do Palácio do Governo, o comandante Protogenes Guimarães proferiu as seguintes exclamações:
Viva Sergipe forte e industrial. Viva Sergipe culto e trabalhador. Viva Sergipe, joia da federação brasileira!
Essa generosa saudação foi entusiasticamente correspondida, pelo povo, que aclamou repetidas vezes à marinha Nacional”.
(Diário Oficial do Estado de Sergipe, 28 de julho de 1923)
***
Clodomir Silva foi um dos fundadores em 1929 da Academia Sergipana de Letras e ocupou a cadeira nº 13 que teve como Patrono o notável Frei José de Santa Cecília. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, no qual foi diretor; maçom, membro atuante e destacado, chegou a ser Venerável da Loja Capitular Cotinguiba, de julho de 1924 a junho de 1925; diretor da Instrução Pública de Sergipe. Clodomir foi eleito para a legislação de 1920 a 1922, mandato de deputado que lhe foi renovado para a legislatura de 1923 a 1925. Como deputado, Clodomir teve oportunidade de apresentar vários projetos de Lei, como o que restaurou a informação histórica e fixando o nome do rio Sergipe, então confundido com o rio Cotinguiba. Este projeto foi apresentado em 21 de outubro de 1925 e convertido em Lei em 9 de novembro de 1926.
Estudioso da cultura sergipana, de seus costumes e tradições, realizou sérias pesquisas. Deixou dispersa uma série de publicações em nossos periódicos, publicando apenas dois livros, obras primas da historiografia sergipana: Álbum de Sergipe, impresso na Tipografia do jornal. O Estado de São Paulo, 1920, edição organizada para publicação pelo Governo do Estado na ocasião do Centenário da Emancipação Política de Sergipe. O Álbum constitui referência obrigatória para os estudos sergipanos, síntese de um balanço da história, da economia, da geografia, da administração, da política de Sergipe.
Sua segunda publicação, Minha Gente, Pongetti & Cia, Rio de Janeiro; uma 2ª ed. para celebrar os 30 anos da morte de Clodomir Silva, Livraria Regina,1962, acrescida de novos textos e em 2003 uma 3ª edição, patrocinada pela Prefeitura de Aracaju, através da Funcaju, lançada em 17 de março na reinauguração da nova Biblioteca Clodomir Silva.
Embora paupérrimo, fora sempre aluno brilhante e de exemplar comportamento. Seus professores admiravam sua inteligência e firmeza de caráter. Exímio orador, rico de imaginações e fértil de considerações, opulento de ensinamentos, Clodomir Silva tinha um espírito bonachão e displicência, eterno namorador de Aracaju, não sabia odiar ninguém. Possuía uma generosidade ímpar, uma simplicidade de uma criança e consciência de um adulto. Como jornalista criou e dirigiu alguns periódicos: Em novembro de 1916 foi Redator Secretário de O Estado de Sergipe, onde iniciou com revisor; Correio de Aracaju; Diário da Manhã; Sergipe-jornal; A Voz do Operário; A República; O Liberal. Dirigiu outros periódicos literários e humorísticos: O Tagarela; A Rua; A Trombeta; O Espião; Voz Sergipana; A Semana; Almanack de Sergipe.
Clodomir de Souza e Silva faleceu muito jovem, em 10 de agosto de 1932, aos 40 anos, vitimado por cruel enfermidade, febre tifo, após 21 dias de intenso sofrimento, que tanto tempo importunou as vidas dos habitantes da nossa cidade. O Diário Oficial do Estado de 12 de agosto de 1932, noticiou sua morte:
“Faleceu pela madrugada de ontem, em sua residência nesta capital, o lente de língua portuguesa do Ateneu Pedro II, bacharel Clodomir Silva, notável por sua vasta cultura literária e científica, que o destacava entre os nossos homens cultos como uma figura de real mérito.
O seu sepultamento, que se verificou às 10 horas de ontem, no cemitério de Santa Izabel, foi uma fiel demonstração do alto conceito em que era tido o douto mestre extinto, tal a afluência dos elementos de maior relevo da sociedade aracajuana ao lado do pessoal e discente dos institutos de ensino desta capital.
Vários oradores disseram, em torno do túmulo do malogrado intelectual, a grande perda que vem de sofrer as letras sergipanas com o precoce desaparecimento do dr. Clodomir Silva.
O exmo. sr. Interventor Federal apresentou condolências ao dr. Álvaro Silva, diretor da Penitência do Estado e irmão do falecido”.
Ao completar um ano da morte de Clodomir Silva, o Diário Oficial traz em sua edição de 12 de agosto de 1933, um pequeno noticiário sobre as homenagens prestadas ao grande intelectual sergipano:
“Em comemoração à passagem do 1º. Aniversário do falecimento do talentoso e culto professor sergipano dr. Clodomir de Souza e Silva, realizaram-se diversas homenagens à sua memória, tendo sido celebrada missa na Catedral Diocesana, e à noite, uma sessão magna de pompa fúnebre, na Loja Maçônica Cotinguiba, tendo sido nessa sessão inaugurada, na galeria dos grandes vultos maçônicos daquela instituição, a esfinge do saudoso extinto.
Falaram diversos oradores, tendo sido extraordinária a concorrência ao templo maçônico.
Para essa ocasião foi distribuído aos presentes o 1º número do jornal maçônico – O Homem Livre.”
Mesmo após sua morte, seu nome continuava reverenciado na impressa local e em outros estados como o artigo de Carlos Chiacchio “Dois escritores sergipanos”, publicado no jornal A Tarde, de Salvador, em 16 de maio de 1933. O mestre folclorista Luiz da Câmara Cascudo, incluiu em 1944, na Antologia do Folclore Brasileiro, o trabalho de Clodomir Silva, “Da Poesia popular sergipana”.
(Do livro, Sergipe nas páginas do Diário Oficial, GILFRANCISCO. – inédito)
——————————————-
[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com
Deixar Um Comentário