GILFRANCISCO [*]

Do latim fames, é o conjunto de sensações provocadas pela privação de nutrientes, que incitam o homem ou o animal a procurar os alimentos e que cessam com a ingestão destes. A fome é um problema mundial. Os sertanejos do Nordeste personalizam a fome numa figura esquelética de velha, enorme, com um chapéu imenso. A malesuada fames virgiliana (Canto VI, Eneida) é representada por uma velha, porque a velha é, em todos os cultos agrários, o símbolo da esterilidade, da infecundidade, das forças improdutivas ou malévolas.

O Nordeste brasileiro – região geográfico que abrange uma área de aproximadamente 16 milhões de quilômetros quadrados, o que representa 8,8 % da América Latina e 18,2% do território nacional. Nesse espaço territorial vive e sofre um terço da população brasileira, apresentando alto índices de natalidade.

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Romances da seca – Assolado o Nordeste por longas estiadas , que destroem as plantações e extinguem os mananciais de água , impondo três posições importantes: o homem se lança ao crime e se torna cangaceiro; emigra pacificamente e é chamado retirante; ou então procura em práticas supersticiosas, aplicar a fúria de Deus e se transforma em beato; sai pregando ou seguindo um pregador rústico, a fazer sacrifícios, auto flagelando-se, e termina matando ou roubando em nome de Deus.

Cangaceiro, retirante e beatos são os personagens principais do chamado ciclo dos romances da seca, no qual se destacam os escritores cearenses . No mesmo ano de 1876, José de Alencar (1829-1877) publicava O Sertanejo e Franklin Távora (1843-1888) O cabeleira , iniciando o que se chamou de “Literatura do Norte”, englobamento das atividades literárias que tinham por centros Recife e Fortaleza.

De 1876 em diante, foram tantos os romances relativos à seca, que, para e feito didático, usa-se a expressão “Ciclo das Secas” para aglutinar romances como Luzia-Homem, de Domingos Olímpio (1850-1906) O cabeleira e Matuto de Franklin Távora; Dona Guidinha do Poço , de Manuel Oliveira Paiva (1861-1892); A Normalista de Adolfo Caminha (1867-1897); os romances de Rodolfo Teófilo (1853-1932) A Fome,Os Brilhantes e O Paroara; Os Cangaceiros de Carlos D. Fernandes (1875-1942), O Rei dos Jagunços, de Manuel Benício; Casacos de Cordeiro de Andrade; Aves de Aribação, de Antônio Sales (1868-1940), etc. Muito influiu sobre essa literatura a publicação de Os Sertões, obra de sociologia, literatura e reportagem de guerra, escrita por Euclides da Cunha (1866-1909) com evidente admiração pelos sertanejos, compreensão de suas lutas contra a natureza e protesto contra o desprezo com que os trata o governo federal .

Estes dois aspectos, de exaltação do homem e reivindicação, aparecem cada vez mais vivos no Ciclo das Secas, a partir de A Bagaceira (1928), romance de José Américo de Almeida (1878-1980) que rompem com o estrito realismo naturalista, tentando introduzir certa elevação de linguagem, poesia e maior poder de imaginação no romance .

Dentro da nova orientação surge a geração de escritores de 1930, na qual logo se destaca como estudioso, incentivador, e para muitos como guia, um ex-estudante de universidades americas, Gilberto Freyre (1900-1987). Sua influência será decisiva sobre literatos, artisitas plásticos, artesãos, homens do governo, senhores de engenhos, etc.

O Ciclo das Secas tomou novo alento com Rachel de Queiroz (1910); José Lins do Rego (1901-1957), através de Pedra Bonita (1938), Cangaceiros (1953) e Fogo Morto; Armando Fonte (1899-1967); Jorge Amado (1923), principalmente Seara Vermelha (1946); Graciliano Ramos (1892-1953); Permínio Asfora; Antônio Calado (1917-1997), Assunção de Salviano; Paulo Dantas(1922) e até Guimarães Rosa (1908-1967), que, se pela técnica do romance e pela linguagem se distancia de todos os citados, levanta um Grande Sertão: Veredas (1956) um dos mais impressionantes tipos de ficção nacional.

Padaria Espiritual – Sociedade de cunho filosófico e literário, fundada em 30 de maio de 1892, por uma plêiade de jovens, dedicou-se ao culto das excentricidades da nova arte. Caracterizando-se então pela atitude boêmia e pelo espírito de troça e reunindo-se em café e bar; reorganizou-se em 28 de setembro de 1894 , quando passou a ter uma atuação de maior sociabilidade, promovendo conferências e saraus a que comparecia a sociedade de Fortaleza .

O Pão, periódico quinzenário do grupo circulou em Fortaleza de 10 de julho de 1892 até 1906, com uma interrupção após a publicação do nº6 . Reapareceu a 1º de janeiro de 1895. Em suas páginas apareceu capítulos de Dona Guidinha do Poço, de Manoel de Oliveira Paiva; Os Brilhantes, de Rodolfo Teófilo; e criminologia e direito, de Clóvis Beviláqua. A Padaria Espiritual promoveu a edição de livros, entre os quais Trovas do Norte, de Antônio Sales; Os Brilhantes, Maria Rita e Violação, de Rodolfo Teófilo.

Foi o último dos movimentos importantes no Ceará do séc. XIX, teve efêmera duração, porque seus dois principais motivos – a República e a Abolição – já haviam logrado seus objetivos. O seu ideal de arte era de nítida formação realista, com marcante influência de Eça de Queirós (1845-1900), mas estendia-se a admiração a – Guerra Junqueiro (1850-1823) e Ramalho Ortigão. Entre os seus membros alcançaram notoriedade nacional Antônio Sales, Adolfo Caminha e Rodolfo Teófilo. A sua última sessão realizou-se a 20 de dezembro de 1898.

A Fome – Segundo o escritor Otacílio Colares, A Fome é “um dos romances de Teófilo em que o escritor está mais facilmente revelado como tal, valendo mais uma vez o alto grau de sinceridade do seu manejo vocabular e a extraordinária arte da construção da frase o que nos leva, mesmo quando a trama do romance propriamente dita faz concessões do documental , a viver como se tudo fora de pura criação”. É um relato romanceado, ficção documental de acontecimentos da época, que recompõe o quadro de reveses e miséria com que a seca de 1877/1879 castigou o povo cearense. Sofridos tempos da cruel e demorada estiagem que principiou em 1877 e ainda em 1878 se mostrava mais exasperante em seu cortejo de miséria e vicissitude.

E não se diga ter pretendido fazer de modo diferente o autor. Quer-nos parecer até que a intenção de Rodolfo Teófilo é bastante clara na iniciativa de colocar os seus personagens, e o seu próprio mundo em que viveu conforme o conhecimento revelado aos jornais desses dias, atentos aos registros de perdas de vidas humanas pela ingestão das chamadas “comidas brabas” a mucunã, (nome de várias plantas da família das leguminosas-papilionáceas, que dão vagens cobertas de pêlos, os quais, quando tocam no corpo humano, produzem um prurido muito forte) e o comprometimento de parcela da comunidade através de atos que revoltam pelo inusitado ou pela falha de razões morais ou caritativas que deveriam prevalecer ante a miséria dos menos afortunados.

A autenticidade do quadro de angústia no romance A Fome, mostra a fidelidade do vigoroso Rodolfo Teófilo, às ocorrências mais destacadas que, no Ceará sofrido de 1877 a 1879, sensibilizando a opinião pública, estiveram em primeiro lugar estampadas nas primeiras páginas de seus principais jornais .

Portanto, quem se debruçar sobre a obra de Rodolfo Teófilo – notadamente o romance A Fome – pressentirá a preocupação do autor, quer pelas descrições de saber científico, quer por aquelas que ilustram o comportamento de pessoas emolduradas em seu clima ecológico, em se manter tanto quanto possível próximo da realidade não só dele percebida, mas de seus concidadãos .

Vida & Obra – Filho do médico Marcos José Teófilo e D. Antônia Josefina Sarmento Teófilo, nascem Rodolfo Marcos Teófilo, em Salvador (BA), a 6 de maio de 1853 , mudando-se cedo para o Ceará.

No livro Seca de 1915, está escrito: Nasceu no Ceará e batizou-se a 1º de outubro de 1853, na igreja do Rosário, em Fortaleza (CE). Aos 11 anos de idade, órfão e paupérrimo, o coronel José Francisco Albano, Barão de Aratanha, auxiliou-o a fazer os estudos primários no Ateneu Cearense.

Em 1868, concluiu o curso, empregou-se caixeiro na firma Albano & Irmão, conseguindo bolsa de estudos, cursou os preparatórios no Recife (PE), onde trabalhou como amanuense do Hospital Militar. Em março de 1873, chegou à Bahia, venceu o concurso para pensionista de farmácia do Hospital Militar de Salvador. Diplomou-se farmacêutico, em dezembro de 1875, voltou a Fortaleza em fevereiro do ano seguinte.

Diplomado dirigiu uma farmácia em Pacatuba, onde, abolicionista entusiasta, libertou, com lutas e despesas, escravos deste município. Na capital cearense exerce a profissão, sendo mais tarde professor de ciência naturais na Escola Normal e membro de diversas sociedades culturais.

Teófilo aplicou a sua atividade intelectual a diversos setores, consagrando-se não somente à literatura como a estudos de fundo científico, pois, os estudos de farmácia lhes deram para sempre o pendor para as preocupações com a doença .

Integrou-se totalmente na vida do estado adotivo, em cujas vicissitudes tornou parte ativa da “Padaria Espiritual”, com o nome de padeiro Marcos Serrano.

No ramo literário, deixou o sinal de seu devotamento em vários romances, como A Fome (1890), em que narra cenas da seca, no Ceará; Os Brilhantes (1895), onde analisa o fenômeno do cangaço no Nordeste; O Paroara (1899), em que acompanha as peripécias de um emigrante cearense nas selvas amazônica, dando-nos imagens palpitante do êxodo cearense das secas e da escravidão dos seringais, nas solidões verdes do Amazonas. O Reino de Kiato (1922), em cujas páginas sobre a forma de narrativa, descreve a vida dos homens num reino imaginário, onde a libertação do álcool, do fumo e da sífilis estabelece a perpétua felicidade geral . O historiador e romancista, Rodolfo Teófilo, faleceu em Fortaleza, a 2 de julho de 1932.

O Nordeste brasileiro – região geográfica que abrange uma área de aproximadamente 16 milhões de quilômetros quadrados, o que representa 8,8 % da América Latina e 18,2% do território nacional. Nesse espaço territorial vive e sofre um terço da população brasileira, apresentando alto índices de natalidade.

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[*] É jornalista e escritor. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com