Fabiano Oliveira [*]
A pandemia escancarou as diferenças socioeconômicas brasileiras. No que diz respeito à educação, confirmou o que já sabíamos. Não estamos preparados para o futuro, visto que, ele chegou e ainda estávamos no passado. Quando as retinas se viram para as diferenças entre instituições de ensino público e privado, o fosso é gritante e a disparidade é vista a olho nu. O país só ratificou que a estrutura educacional é pífia, pois se, em tempos considerados normais, a luta é constante, em tempos de isolamento social, ter direito à educação é mais que luta, é guerra.
No meio da guerra, não só contra o coronavírus, mas, contra diversos outros vírus, nota-se o descaso. Não há um planejamento nacional para ações coletivas e homogêneas. A sensação é de um barco à deriva em que cada um tenta se salvar – e salvar o aluno – e fazer o que pode para manter acesa a luz da educação. Estados e Municípios parecem emancipar-se tentando levar o mínimo de acesso aos educandos.
Nesta luta, as escolas particulares saem mais uma vez na frente, visto que alunos da escola pública enfrentam problemas que perpassam por diversos níveis que vão desde a falta do celular ou de acesso à rede de internet, passando pela ausência de apoio da família, omissa e culturalmente acostumada a colocar os filhos na escola para que a instituição eduque – a escola não é depósito de gente – e os cuidadores devem estar conscientes disso. “A atividade vai valer nota?” Pergunta-me a mãe alheia à educação, ratificando a ideia de que a formação integral do educando é resumida à sua aprovação ou não. No entanto, a pandemia, diante de tantos saldos negativos, certamente, ensinou aos pais, com exceções, o valor da escola e do professor. [Como pode um pai não educar um filho, enquanto um professor educa 35 alunos? Fica a reflexão!]
No que diz respeito a buscas por saídas para solucionar o problema, mesmo com esforços visíveis das redes públicas de ensino no Brasil, a cada dia emergem situações que fogem ao controle imediato. Desde o aluno que não tem nenhum tipo de recurso (e são muitos), passando pelos que têm e não demonstram interesse pela educação, chegando aos professores, verdadeiros heróis que se veem diante de uma nova metodologia para a qual não foram treinados nas universidades ou mesmo tiveram oportunidades de passar por um curso de extensão. Costumo dizer que a Pandemia da Covid-19 sacudiu a educação e adiantou em 10 anos o processo educacional brasileiro que se arrastava a passos lentos para a “modernidade” tão atrasada, tão “terceiro mundo” – expressão em desuso – e aqui utilizada para mostrar o quanto estamos atrasados em comparação a outros lugares do mundo.
Quando o assunto é “aula on-line ou aula remota” – as metodologias e conceitos são diferentes. A Alfabetização Midiática Informacional é vista por muitos profissionais da educação como algo estranho ao seu objeto de trabalho. O medo, a insegurança e a falta de técnicas (por não terem sido ensinados) são motivos para fazer com que 8 em cada 10 professores afirmem não ter o domínio das tecnologias, afinal de contas, não é fácil sair do espaço físico para o digital, como se nada tivesse acontecido. E nessa luta, a “batata quente” cai nas mãos dos mestres que se encontram diante de novos meios de fazer educação e de buscas por novas técnicas para fazer com que alunos assistam às aulas não presenciais mediadas por tecnologia.
Para o aluno da escola pública, estudar em casa na quarentena é quase impossível quando se falta, muitas vezes, o básico que vai desde o espaço físico adequado, chegando ao ponto mais polêmico, a alimentação regular. Meninos e meninas passam a ser “donos e donas e casa”, pois, os pais mais carentes não conseguem manter a quarentena devido às precárias condições financeiras. Sem tablet, sem internet ou até mesmo sem TV, como estudar e concorrer de forma igual com alunos que aparecem em propagandas com quartos repletos de aparelhos e tecnologias? O mundo não é encantado para este aluno. Aconselhá-lo a “estudar de qualquer lugar, de diferentes formas, internet, pelos livros…” é mais que bizarro, é agressão, é a tentativa mantenedora da desigualdade social.
Todos os envolvidos no processo precisam estar cientes de que cerca de 40% dos alunos de escolas públicas não têm computador, seja de mesa ou portátil, ou tablet, para estudar em casa, enquanto nas escolas particulares o percentual de alunos que não possuem computadores ou tablets em casa é de menos de 9%. As maioria das escolas particulares já traz a cultura de fazer atividades complementares através de sites e plataformas digitais e neste “round” perdemos mais uma vez. O aluno da escola pública, por questões históricas que não abordarei aqui, não tem a cultura da autogestão pedagógica – como diria Freinet – de gerenciar seu cronograma de estudo, mesmo assim é, antes de tudo, um forte, por não fugir à luta, lembrando as palavras do grande Euclides da Cunha em Os Sertões.
A fórmula que destrói a escola pública é o resultado de ações pensadas e naturalizadas que tiram os mais carentes de espaços de ensino científico. A indecisão, no que diz respeito às datas do ENEM, a falta de costume ao uso da tecnologia como fonte de estudo normativo, às dificuldades de acesso à rede de internet e a autoestima baixa, aliadas à falta de organização política brasileira e perspectivas de futuro, trazem os elementos de uma fórmula letal para os jovens estudantes da rede pública. Como resultado disso, a morte ou o adormecimento dos sonhos, e por consequência, o esquecimento do futuro.
Enfraquecidos, muitos estudantes veem a Universidade Federal como “um sonho que não pode/deve ser sonhado”. Mas, mesmo diante da esfera negativa, os alunos precisam estar atentos e fortes para reconhecerem as “pedras postas em seus caminhos”. Como guerreiros, devem criar estratégias que vão desde cronograma de estudos e organização do tempo para responder atividades, além de aliarem-se aos professores na busca por caminhos menos dolorosos para que, no futuro, “uma geração de médicos, enfermeiros, engenheiros, professores não seja perdida” (sic), e sim, atuante e dona dos espaços que lhes foram usurpados e negados em Universidades Públicas.
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[*] É Licenciado e Mestre em Linguística pela Universidade Federal de Sergipe. Professor da Rede Pública de Ensino e mantém um Programa no Instagram @proffabianooliveira, além do canal “Espaço Enem e Concurso”, no YouTube, para auxiliar alunos da Escola Pública.
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Foto: Arquivo Pessoal
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