GILFRANCISCO [*]

Tenho sempre a intenção de escrever para todo o público. O que não quer dizer que suponha ser lido sequer pra uma fração mínima do público. Tenho uma intenção definida ao escrever, e uma finalidade. Por isso escrevo para os que pensam contra minhas ideias, para os que têm possibilidades de adotar as minhas comunicações e para os que podem encontrar no que escreve um apoio para os ideais que já têm. Si consigo esse desejo é questão à parte.

                       (Dias da Costa – Diretrizes, 29.05.1941)

                                                  ***

Edison Carneiro, amigo fraternal e companheiro de tertúlia, escreveu sobre a sua obra em artigo publicado no Diário da Tarde, de Recife (8 de agosto, 1934) e no jornal O Imparcial, da Bahia (18 de fevereiro, 1935), sob o título “Escritores da Bahia”, onde afirma que:

“Os contos de Dias da Costa reunidos sob o título geral de Pensão Familiar são a expressão de um temperamento que se revela na ternura e se compraz na ironia. Entretanto, a sua ternura não chega às lágrimas nem a sua ironia desce à frascarice. Dias da Costa alcançou, na arte, um grau tão elevado de serenidade, que os seus contos são milagres de compreensão. Que outro nome dar, por exemplo, ao conto que abrirá o volume e há  contos como Alucinação, O homem que se recordava, Uma história banal e Uma tragédia sem sangue. São páginas da vida que não se esquecerão mais, depois de lidas.“

Oswaldo Dias da Costa nasceu a 29 de agosto de 1907, no Largo da Piedade, em Salvador. Filho de José Dias da Costa – que juntamente com Diomedes Gramacho foram produtores e introdutores do cinema na Bahia, em 1909. Juntos realizaram alguns filmes: Segunda Feira do Bonfim e Regatas da Bahia, ambos exibidos em 1910. Seu pai era proprietário do estabelecimento “Photographia Lindemann”, situado à Praça Castro Alves nº33, cujo gerente era o amigo Diomedes Gramacho. Sua mãe Arminda Queiroz da Costa, portuguesa e prima do romancista Eça de Queiroz (1845-1900), falecera a 9 de janeiro de 1909, de grave enfermidade, deixando quatro filhinhos, em dolorosa orfandade.

Portanto, Dias da Costa teve três irmãos, Jayme Dias da Costa, Walkiria Dias da Costa e Anayde Dias da Costa, morta aos 25 anos de idade. D. Arminda teve pouco tempo de convivência com os quatro filhos, desta forma, sendo todos criados por Dindinha Margarida, dama de companhia de sua avó, continuando a acompanhar os descendentes de Dias da Costa até o término da sua vida.

Passou os primeiros anos de sua vida em pequenas cidades do interior baiano, acompanhando o pai, que vivia em busca de climas favoráveis à saúde combalida. De regresso à capital, aos 12 anos de idade, começou seus estudos no Ginásio Ipiranga, onde se destacou como aluno, um dos primeiros da turma. Tanto Jorge Amado quanto Adonias Filho estudaram nessa instituição de ensino, que ficava localizada na ladeira do Sodré, no Largo 2 de Julho, num casarão em que morou o poeta Castro Alves.  Mais tarde, ao transferir-se para o Ginásio da Bahia para fazer os exames preparatórios do curso de Humanidades, encontrou muitas dificuldades na disciplina de matemática, principalmente nos cálculos de álgebra. Desde os tempos do Ginásio Ipiranga onde passou três anos, Dias da Costa já se interessava pelas aventuras de Sherlock Holmes e Alexandre Dumas.

Academia dos Rebeldes

Dias da Costa, abandonou os estudos após quatro anos e passou a viver na boêmia soteropolitana, perambulando de bar em bar entre o Café das Meninas, Bahia Bar, Café Progresso, Perez, Madrid, Café Bernadete e no Brunswick e outros, com maior destaque para os que se situavam na área da antiga Sé. Trabalhou por algum tempo como revisor no jornal O Democrata, órgão do Partido Democrático da Bahia, ligando-se em seguida ao grupo literário, liderado por Pinheiro Viegas, da Academia dos Rebeldes. Data daí sua amizade com os “rebeldes” (1929), Jorge Amado, Edison Carneiro, João Cordeiro, Sosígenes Costa, Alves Ribeiro, Clovis Amorim.

Jorge Amado nos conta (Boletim de Ariel) às circunstâncias em que ele entrou no grupo: O Gomes da Costa que dirigia a Bahia Moderna (revista de cavação de anúncios) e mais tarde dirigiu as revistas Samba (Mensário Moderno de Letras, Artes e Pensamento) e O Momento, necessitava de um agente em certa cidade do interior baiano. Dias da Costa que estava de viagem para tal cidade, candidatou-se ao cargo, estava precisando dessa comissão. Certo dia, ele apresentou Dias da Costa ao grupo e pediu nossa opinião. Diz Jorge – Era um rapaz baixinho. Sentou-se e conversou toda a tarde. Verdadeiro frasco de veneno. (…) Dias da Costa gostou da conversa e revelou-se perversissimo. Quando ele saiu Gomes da Costa interrogou. – que tal o agente, serve? Pinheiro Viegas respondeu: – Para agente não serve. Mas para literato é ótimo. Foi assim que Dias da Costa entro para a Academia dos Rebeldes. Desde então, declarou guerra à burrice, a literatice, ao arrivismo e outros males. O grupo revolucionou e destruiu na velha província de Thomé de Sousa, muita glória fácil, muita burrice fátua. Eram os jovens diabólicos comandados por um velho satânico Viegas, que a ninguém perdoava.

Dias da Costa casou-se em 1930 com Beatriz Passos da Costa e juntos tiveram três filhos: Lolita, Arminda e Isadora, sendo uma das moças afilhada de Edison Carneiro. Provisoriamente conseguiu emprego como escrivão interino de uma coletoria no recôncavo baiano, mas no ano seguinte, para sustentar a família, trabalha no comércio com correntista de agências de uma companhia de seguros entre 1931/1935, mas sem prejuízo das tertúlias literárias.

Dias da Costa é o responsável pelo editorial do primeiro número da revista O Momento (15 de julho de 1931), órgão de divulgação da Academia dos Rebeldes:

         “Ainda existe alguém, na Bahia, que se atreva a fazer revista?

         – Existe, sim, senhores. Nós fizemos O Momento.

         O nosso momento não é esse instante fugaz e efêmero, mais de segundo, menos de minuto, grão de areia de gigantesca ampulheta do tempo. Não é essa fração minúscula do infinito, esse átomo imponderável dos séculos, essa molécula invisível da eternidade.

         Não é o momento quase nada. Pretende ser o instante quase tudo.

         È o registro da hora que passa. A hora que vivemos. Rápida, febril, apressada, mas cheia de vida. Fremindo e vibrando, realizando e produzindo. Eletricamente, dinamicamente, milagrosamente, seculovintescamente.

         Para estar de acordo com o Século, teremos de ser práticos. O máximo em quase nada. O Século é da síntese. Não mais banquetes pantagruelicos. Não mais compêndios indigeríveis. Não mais tortuosidades retóricas. O belo simples. O útil ameno. A verdade sem rebuscamentos.

         Eva sem a folha de parra é menos imoral do que a mulher de Putiphar com toda a sua roupagem.

         O Momento pretende ser prático.

         Informará com algumas palavras. Julgará com alguns conceitos. Ensinará com algumas linhas. Simplesmente. Modestamente. Sinceramente.

         O Momento não tem credos políticos nem crenças religiosas.

         A verdade dentro da beleza. A beleza dentro da arte.

         Aliás, já é grande tarefa.

         Quão poucas vezes, na vida, se consegue a graça de encontrar estas três graças! E, se as encontrarmos, quantos dissabores em querer mostrá-las às turbas! Moisés os experimentou ao descer do Sinai. Ele trazia a verdade. A turba adorava o Bezerro de Ouro.

         O Bezerro passou, mas o Ouro continua. E quem tem as tábuas da verdade lança-as ao chão e recolhe-se desiludido à Tebaida do ceticismo.

         Enfim marcharemos para frente. Sem nada prometer. A promessa é o prólogo do não cumprir. A realidade é tudo. Diante dela os incrédulos dirão:

         – Hein? Quem o diria? na Bahia!

         E ficarão satisfeitos porque a frase saiu rimada. “

Capital Federal

Em 1936 transfere-se para o Rio de Janeiro, onde substitui Jorge Amado na função de encarregado de publicidade da Livraria José Olympio, Editora, enquanto amplia suas atividades de colaborador de jornais de todo o país: redator-chefe da revista Pan, dirigida por Sebastião Hersen de Oliveira, redator da revista Esfera, dirigida por Maria Jacinta, redator do Observatório Econômico e Financeiro, dirigida por Valentin Rebouças, secretário e depois redator-chefe da revista literária Leitura, dirigida por J. Barboza Melo em sua primeira fase, cargo que ocupou por três anos, com dedicação, inteligência e lealdade. Quando seu amigo Jorge Amado esteve como redator-chefe do jornal carioca Dom Casmurro, dirigido por Brício de Abreu, Dias da Costa era um dos seus colaboradores.

Canção do Beco

Devido às qualidades de ficcionista de Dias da Costa, do contista de Canção do Beco, que se compõe de 22 narrativas curtas e uma novela, 243 páginas, capa de Santa Rosa, publicado pela Editora Rumo do PCB, em 1939, e esgotada logo após a sua publicação. O livro que foi recebido pela crítica e pelo público como o maior entusiasmo, marcando o aparecimento de um escritor de grandes qualidades. Sua estreia com Canção do Boco foi triunfante. A crítica de todo o país consagrou o livro de Dias da Costa, com seus contos profundamente humanos, com suas cenas de vida cotidiana, com todo o seu realismo, com toda a sua força e brutalidade. Nele vamos encontrar uma tragédia, o seu sentido amargo e doloroso da vida que constitui o motivo predominante, sua marca mais acentuada. Basta consultar a pequena amostragem do capítulo, Julgamento Crítico apresentado no livro O Contista Dias da Costa, desse autor.

De certo, Dias da Costa não cultivava a glória literária, demonstrando mesmo, em contrário, um acentuado desencanto com a literatura. Essa deliberação a uma modéstia inata e indisfarçável humildade.  Arredio, não frequentava as rodas literárias e desprezava o tão comum elogio mútuo.

Tendo estreado aos 32 anos de idade, Dias da Costa não se deixou levar nas asas da fama e daí sua escassa publicação em livro. Canção do Beco, contos que o afirmaram um dos nossos melhores ficcionistas da história curta, ficou na 1ª edição, vedando o conhecimento de sua obra às novas gerações de ficcionistas, conquanto na história do conto brasileiro contemporâneo. Canção do Beco encerra uma série de mensagens verdadeiramente vida, integralmente angústia, profundamente tragédia. Os seres que lá estão reunidos inspiram uma solidariedade emocionalmente da realidade. Aparece muitas vezes rapidamente para dizer o essencial, o fundamental.

O aglomerado humano da Canção do Beco é descrito por Silvia Leon Chalreo, ao afirmar que “Canção do Beco encerra uma série de mensagens verdadeiramente tragédia. Os seres que lá estão reunidos inspiram uma solidariedade emocionante mantendo todas as características da realidade.” Suas histórias, amargas e tristes, refletem os dramas de vidas humildes e ao mesmo tempo a revolta dos eternos sacrifícios pelas injustiças sociais.

Mirante dos Aflitos

Reprodução da Capa do livro Mirante dos Aflitos

Durante muitos anos o nome de Dias da Costa foi um dos mais constantes nas revistas, jornais e suplementos literários. Raças a sua inteligência e amabilidade, condições imprescindíveis para elevar ainda mais o prestígio intelectual. Sua estreia, Canção do Beco é um livro vitorioso no seu duplo sentido: sucesso de crítica e de livraria.

Portanto, o contista baiano, não obstante o significativo sucesso que obteve com esta publicação, somente voltaria a publicar livro em 1960, Mirante dos Aflitos, ou seja, 21 anos depois da sua estreia. Esta edição, organizada e prefaciada por Jorge Amado, foi publicada pela Difusão Europeia do Livro, fazendo parte da coleção Novela Brasileira nº5, dirigida por Bráulio Pedroso, com capa e ilustrações de Glauco Rodrigues, 132 páginas, o livro teve repetido sucesso de público. Vejamos um trecho do prefácio que começa assim:

“Na cidade do Salvador, os nomes das ruas, ladeiras e praças são poemas. Existe um Largo dos Aflitos, onde se levanta o quartel da Polícia Militar, ao lado do Passeio Público. Nele começa a Gamboa de Cima. Num extremo do Largo, voltada para o mar, ergue-se uma das mais líricas igrejas da Bahia. Essa parte da praça chama-se Mirante dos Aflitos e dali tem-se incomparável vista sobre o casario da cidade, o mar da Bahia, a ilha de Itaparica, os saveiros. No Mirante dos Aflitos debruçou-se Dias da Costa e seu olhar generoso de homem e de criador de personagens e ambientes demorou-se sobre acontecimentos, sensações, dores e alegrias, sobre os seres humanos no seu cotidiano áspero e doce, em meio à paisagem sobre todos bela da cidade mágica. Homem dessa terra de Salvador da Bahia de Todos os Santos, o ficcionista Dias da Costa tem-lhe sido fiel nesses trinta anos de sua vida literária”.

Mirante dos Aflitos reúne uma novela e sete contos escritos em épocas diferentes. A técnica da narrativa varia de uma história para outra mercê do conteúdo de cada um. Conforme registra Jorge Amado no prefácio verifica-se que se no escritor mais segurança de estilo e equilíbrio mais harmonioso como narrador, nem por isso renegou aquela simplicidade inicial com que projeta, com amor e ternura, seus personagens profundamente humanos, tragicamente humanos.

Obra

Sua obra, de um modo geral, parece ter sido fecundada pelo sentimento de solidariedade do homem como partícula social, sem que esse sentimento, entretanto, se apouque em reduzir-se a manifesto político. O tom humano de sua criação, a torna atemporal, ainda que tendo como cenário a Bahia, o que não o impede que sejam realizações duradouras, marca inconfundível de um grande escritor.

Em 1957, já era avô três vezes, houve certo movimento na imprensa brasileira, em torno das comemorações dos seus 50 anos de nascimento, data registrada por muitos jornais e revistas, com matérias variadas: entrevistas, depoimentos de amigos e correligionários, enfim um registro digno e bem merecido da efemeridade. Meses depois, levado pela estada, devido às múltiplas atividades demasiadamente jornalísticas, para sobreviver fez de tudo: revisor, escrivão interino da Coletoria, funcionário de companhia de seguros, secretário e redator-chefe de diversas revistas, tradutor de agência telegráfica, funcionário público. Este acúmulo de serviços, fez com que Dias da Costa retornasse à Bahia, para descanso, conforme recomendações médicas e passa alguns dias em Mar Grande, na Ilha de Itaparica.

Modesto, simples, cordial e até afetivo, sem vaidades, e com tal despreocupação com a glória; teve um leve desencanto literário, em razão do que não hesitou em postar-se a margem das ocorrências, arredando-se para dar passagem ao cortejo de néscios, o que se acentuou com a dura necessidade de ganhar a vida no batente diário, árduo, sem contemplações. Segundo declaração de vários amigos, era um companheiro capaz de fazer todos os sacrifícios, desde que estes contribuíam para a felicidade dos entes queridos. Dias da Costa, aposentou-se pela Federação Nacional do Comércio, quando agravou a progressiva perda de sua visão, restringindo seu hobby favorito, que era o de ler sem limitações. A parcial cegueira, o deixava amargo e desencantado na sua solidão. Pouco tempo depois veio a falecer.

Sufocado pelas pressões sociais tal como os seus personagens, massacrados pelas estruturas obsoletas da sociedade competitiva, este intelectual de esquerda, integrante nas fileiras do Partido Comunista desde 1935, antirreligioso, completamente agnóstico, só tinha fé no povo e na Revolução, que o elevaria a patamares mais altos de vida e dignidade, nos ideais sagrados do Socialismo. Em 1960, Dias da Costa desliga-se do Partido, e se retrai cada vez mais do convívio dos amigos e colegas, restringindo-se a casa, tornando-se ainda mais tímido e silencioso, parecendo desiludido de tudo. Publicou seu último livro em 1973, Bumba-meu-boi.

Oswaldo Dias da Costa morreu anonimamente (como vivia há já alguns anos) no Rio de Janeiro onde se havia radicado há mais de 40 anos, a 6 de fevereiro de 1979. Um fato curioso é que seu desaparecimento comoveu apenas o pequeno circulo familiar e alguns tantos amigos que lhe viviam próximo. Tendo essa mesma imprensa a que ele como profissional serviu, por cerca de cinquenta anos, a omissão em seu noticiário. Após sua morte, a companheiro Beatriz, que já havia sofrido um derrame que a inutilizara, seguida de escleroso, fora recolhida a uma instituição para idosos dependentes de ajuda. Dias da Costa deixou um legado literário pouco volumoso em livros, mas expressivo. Sua obra há muito merece estudo de avaliação crítica.

Em 1980, após sua morte foi publicado Dias da Costa conta Estórias do Mirante dos Aflitos, pelo editor baiano, Gumercindo Rocha Dórea – GRD, que organizou a antologia contendo contos do primeiro e do segundo livro, e apresentando alguns esparsos. Coube ao amigo e companheiro de Dias da Costa, o também jornalista E. D’Almeida Vitor o prefácio do livro: Silenciosamente morre Dias da Costa, artigo anteriormente publicado no jornal A Tarde, de Salvador, quando do falecimento do contista. Passados vinte anos, Em 28 de setembro de 2000, estive na tarde de autógrafo na Academia de Letras da Bahia no lançamento do Livro de Oswaldo: Retrato de um contista esquecido de autoria da escritora Rejane Machado. O livro foi vencedor do Prêmio Nacional Luiz Vianna Filho (1999) patrocina pela Academia de Letras da Bahia/Copene, que destina anualmente um prêmio nacional a ensaios biográficos sobre personalidades já falecidas, nascidas ou radicadas em Salvador. O livro foi publicado pela Relume Dumará do Rio de Janeiro, com prefácio de Waldir Freitas Oliveira.

Obra Publicada:

Lenita (Juntamente com, Edison Carneiro e Jorge Amado). Rio de Janeiro, A, Coelho B. Filho, 1931.

Canção do Beco. São Paulo, Rumo, 1939.

Mirante dos Aflitos. São Paulo, São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1960. (Texto: Jorge Amado)

Estórias do Mirante dos Aflitos. São Paulo, GRD/ INL, 1980./ (textos: E. D’Almeida Vitor e Gumercindo Rocha Dórea). 

Contos do Mundo (6 novelas completas e 35 contos traduzidos por 40 escritores). Dias da Costa, traduziu o conto de Pushkin, A Dama de Espadas.

Bumba-meu-boi. Caderno de Folclore, 1ª, Série 16 – Campanha Nacional do Folclore/MEC.  Rio de Janeiro, 1973.

Tradução:

Juarez (biografia), Hector Perez Martinez. Edição Vecchi, 1943.

Santa Rússia, Maurício Hindus (com Haydée Paraguassu). Rio de Janeiro, Editora Calvino, 1944, 572 pág.

Contistas Russos. Coleção de contos do mundo, 1º volume. Desde os antigos aos modernos – 6 novelas completas e 35 contos traduzidos por 40 escritores. Coordenação e apresentação de Rubem Braga, prefácio de Aníbal Machado. Dias da Costa traduziu o conto A Dama de Espada, de Puskhin. Editora Leitura, 1944.

Contos do Mundo. 2º volume, coordenação de Rubem Braga, Apresentação e Notas de Vinicius de Moraes e Prefácio de B. Blackstone. Dias da Costa traduziu o conto Objetos Sólidos, de Virginia Woolf. Editora Leitura, 1944.

Antologias:

O contista baiano Dias da Costa, esteve presente em várias antologias do Conto Brasileiro. Vejamos algumas:

– Contos e Novelas. Leste, 2º Volume – Graciliano Ramos (org.) Rio de Janeiro, Livraria Editora Casa do Estudante do Brasil, 1957.

Conto: Alucinação

– Panorama do Conto Baiano – Nelson de Araújo e Vasconcelos Maia (org.). Salvador, Livraria Editora Progresso, 1959.

– Conto do Norte – Raimundo Magalhães Jr. (org.) – Panorama do Conto Brasileiro, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1959. (Em três volumes)

Conto: Histórias da Bahia – Gumercino da Rocha Dória (org.). Rio de Janeiro, Edições GRD, 1963.

Conto: Um simples farol no mar

– Contos brasileiros de bichos – Cyro de Mattos e Hélio Pólvora (org.), 1970.

Conto: O cachorrinho au-au e outros cachorros

– Gol de Letra: O Futebol na Literatura Brasileira (coletânea de artigos sobre o esporte: contos, crônicas, poesias) – Milton Pedrosa (org.), Rio de Janeiro, Editora Gol, 1967.

Conto: De tarde e domingo

– O Conto em vinte e cinco baianos – Cyro de Mattos (org.). Ilhéus, Editus. Ed. da UESC, 2000.

Conto: Como um velho saveiro

– Antologia Panorâmica do Conto Baiano, Século XX – Gerana Damulakis (org.). Ilhéus, Editus, Ed. da UESC, 2004.

Conto: Um simples farol no mar

Sobre sua Obra:

 O livro de Oswaldo – Retrato de um contista esquecido, Rejane Machado. Rio de Janeiro, Editora Relume Dumará/Academia de Letras da Bahia/COPENE, 2000.

Auto Retrato

Reprodução

Dias da Costa visto por Dias da Costa

Para saber, de fato, como sou, consulto o meu certificado de reservista. Lá entre outras coisas verifico o seguinte: nasci em 1907, no município de Salvador, Estado da Bahia, sou vacinado, sei ler e escrever, de cor morena, com um metro e cinquenta e cinco centímetros de altura, nariz oval, rosto regular, boca regular e, para espanto meu não tenho sinais particulares. Confesso que fico meio encabulado. Onde já se viu um cavalheiro que se preze não ter sinais particulares? Mas, queira ou não, não posso fugir à evidência: não tenho sinais particulares. Logo me consolo. Não tenho sinais particulares no físico. Mas no resto…. Tento me lembrar como sou. Antes de tudo, tímido para pedir favores e emprego, para as relações sociais e mundanas. Creio que isso provém de várias coisas. Entre outras, complexo de inferioridade e educação luso-nortista do “não pode”, do “faz mal”, da “saia do sol menino”, das crendices, das assombrações e de outros “lobisomens” menores. Bem, mesmo assim, contato que não avancei muito. Descobrir apenas duas coisas: que não tenho sinais particulares e que sou um sujeito méis esquerdo. Convenhamos que isso é muito pouco, mesmo para um retrato de meio corpo. Que fazer, então? Talvez caso o faça com jeito, consiga alguma revelação, se estudar as minhas preferências mais marcantes. Muito bem, então mãos à obra: não gosto de pimenta, não adoro o Senhor do Bonfim, não faço discursos, não sou “fã” do gênio espetacular de Rui Barbosa.

         – Mas você não nasceu na Bahia?

         – Nasci, sim senhor, por quê?

         – Por nada Era só para saber (Relevo que esse diálogo foi feito comigo mesmo e ninguém teve noticia dele).

         Depois disso verifico que o processo de sondar as preferências não é dos melhores. Afinal, consegui apenas descobrir algumas coisas que não prefiro. Tento ouro expediente. Espero ficar distraído, viro-me para mim mesmo e pergunto sem aviso prévio:

         – Mas, afinal, que é que você é?

         – E?111 eu sou é antifascista.

         Só?!!!

         – Só. Não. Também sou torcedor do Flamengo.

         – Ah. bem.

         E encerro a discussão. Encerro porque tenho uma ideia. A mim, também, acontece ter uma ideia de vez em quando. Já que não consigo me encontrar, procurando sozinho, verei o que pensam os outros a meu respeito. Um amigo, num dia de otimismo, escreveu o seguinte:

         Pessoalmente, um sujeito baixo de óculos “malicioso e de conversação absorvente”.

         Gosto do “malicioso e de conversação absorvente”. Gosto tanto que esqueço o “sujeito baixo e de óculos”. Mas gostando ou não gostando, não avancei muito no retrato. E uma vez que prometi, preciso fazê-lo. É quando me lembro que se me pediram o retrato é porque julgam de algum valor o que eu já na vida, desde aquele ano de 1907, em que nasci, até este belicoso ano de 1943 em que estou vivendo. E dou de procurar com verdadeira ânsia, o que já fiz na vida. Olho para traz no tempo e encontro um vazio tão grande que me alarma. Adoto a ordem cronológica, como preconizam os bons historiadores. Fui revisor de jornal, escrivão interino de coletoria, funcionário de companhia de seguro, secretário e redator-chefe de revistas diversas, tradutor de agência telegráficas, funcionário público… Não sou bacharel, nem médico, nem engenheiro, nem dentista, nem protético, nem perito contador. Então, por que diabo devo escrever um autorretrato. Talvez porque publiquei um livro, um pobre e inocente livrinho, aí pelo o ano de 1939. Mas a obrinha, pelo que eu sei, não teve nem no momento nem depois, a menor importância. Não ofereceu nada de novo à humanidade, não serviu para ser dada de presente a qualquer namorada de boa família, não mereceu artigos elogiosos dos amigos de confiança, não foi melhor nem muito pior de que tantos outros livrinhos que andam por aí criando mofo nas tranquilas prateleiras das livrarias. O livro contava umas histórias simples, que eu supus interessantes. Outras pessoas disseram que as histórias chegaram a ser quase tão imbecis quanto o autor do livro. Entre as pessoas que pensaram assim, estava, por exemplo, o Sr. Wilson Louzada. Era crítico do jornal Dom Casmurro e escreveu o seguinte:

         “Os seres dos contos de Dias da Costa não impressionam ninguém. São frágeis não possuem vida suficiente para a nossa memória, por mais sentimental que ele seja. Objetivo em excesso, imaginativo sem a nota lírica, o contista de Canção do Beco raras vezes consegue fugir de convencional e do monótono”.

         E o Sr. Mário de Andrade, crítico de maioridade intelectual comprova-a não teve dúvida em afirmar rotundamente:

         “Evidentemente, percebe-se que o autor é uma inteligência por demais vigorosa para “ir na onda” do livro que escreveu e se decidiu a publicar. Publicou-o assim como é e como ele quis que fosse: um livro triste, um livro errado, um realismo bravo, parvo, agudo”.

         Que importa que outros, com alguma boa vontade, tivessem descoberto aqui e ali qualidades discretas nas histórias? Preferir adotar a opinião do Sr. Mario de Andrade e do Sr. Wilson Louzada.

         Assim, conforme se verifica pelas opiniões citadas a única coisa que tentei fazer de bom, foi um fracasso.

         E é por tudo isso que, ao rabiscar o autorretrato pedido por Leitura, veja-me forçado a citar um personagem meu, (assim não serei acusado de roubar os alheios) que também procurava se encontrar:

         “Dei hoje um balanço geral em meu quarto e na minha pessoa. O meu quarto não tem quase nada e, no entanto, estou quase satisfeito com ele. Mas, fiquei tão triste com o outro Balanço”.[1]


[1] Leitura. Rio de Janeiro, nº7, outubro, 1943, pg.18

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[*] É jornalista e professor universitário. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com