Laila Oliveira [*]

Nas últimas semanas, diversos casos de racismo tiveram notoriedade em todo o mundo, mobilizando pessoas negras em diversos países, que foram às ruas gritar que “vidas negras importam!” ou em inglês “black lives matter”. O caso de George Floyd, homem negro estaduniense, que foi morto por um policial, que o sufocou até a morte, indignou milhares de pessoas que cobraram justiça, resultando na prisão do policial branco.

O assassinato de George Floyd, tem muito em comum com tantos outros que acontecem aqui no Brasil, casos como o de Claudia Ferreira, Amarildo, Evaldo dos Santos, Agatha Félix, João Pedro e o mais recente caso, Miguel. Todos fazem parte de uma lista imensa de vítimas de um sistema onde o racismo estrutura as relações de poder e determina quem vive e quem morre.

Um importante intelectual contemporâneo, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito, Silvio Almeida, autor do livro “Racismo Estrutural”, que faz parte da coleção lançada por Djamila Ribeiro, chamada Feminismos Plurais, explica como ao longo da história, o racismo foi decisivo com fator político e histórico para determinar a estrutura social, ou seja, para determinar aqueles que ocuparão os papéis subalternizados e aqueles que se manterão no poder.

Se olharmos para o Brasil, podemos perceber que os 300 anos de escravidão versus os 130 de abolição, nos legou uma trajetória de desigualdades abismal, já que as políticas públicas conquistadas pela população negra, fruto de muitas lutas, não foram suficientes para promover a equidade racial e social no país. Os dados do Atlas da Violência de 2019 apontam que 75, 5% das vítimas de homicídio são pessoas negras, confirmando resultados de pesquisas anteriores como o Mapa da Violência, o Dossiê de Mulheres Negras e outros, que seguem confirmando a negação de direitos que a população negra vivencia ao longo dos anos no país. 

Apesar dos dados e dos fatos, ainda encontraremos pessoas que se recusam a acreditar na existência do racismo. Aqui no Brasil, esse fenômeno se deve ao mito da democracia racial, tão incentivado e difundido no país. A democracia racial foi cantada em verso e prosa, exaltada através da figura construída da mulata, que para aqueles que não sabem é um cruzamento infértil de jumento com égua, um animal híbrido, sim, porque era dessa forma que a mulher negra era vista no Brasil, e ainda hoje alguns acreditam ser um termo elogioso.

Resistir a todo um sistema feito para nos matar ao menor sinal de ameaça a soberania de uma branquitude racista, tem sido o destino de todo negro e negra em qualquer parte do mundo. Ainda hoje, presenciar a uma verdadeira “caça” humana como fazem com nós negras e negros, tem gerado uma dor que não pode ser mensurada.

A morte de Miguel, menino negro de 5 anos, filho de Mirtes Renata, que trabalhava como empregada durante a pandemia, denuncia que o lema somos todos iguais não existe. A pandemia e o isolamento social tem colocado para nós uma verdade inglória, a de que ainda vivemos uma profunda desigualdade em nosso país. A negligência e crueldade da patroa Sarí Cortes, que enviou uma criança de 5 anos em direção à morte, tem suas raízes no racismo estrutural, aquele que determina que negros e negras devem se manter na subalternidade, sem direito a ter direitos, sem empatia, sem cuidados e sem vida também.

Apesar de tudo o que foi exposto, fora e dentro das redes sociais, as pessoas continuam a debater: É preciso fazer manifestações violentas? Não é preferível fazer atos pacíficos? E nós, do lado de cá, sobrevivendo dia após dia nos perguntamos, por que temos que ser pacíficos enquanto eles tiram nossas vidas?

———————————–

[*] É jornalista, mestra em Comunicação, militante da Auto-organização de mulheres negras Rejane Maria e Gerente de Igualdade Racial

Foto: Arquivo Pessoal