GILFRANCISCO [*]

Símbolo do Vietnã unificado, guia da libertação e do socialismo vietnamitas, irredutível em questões de princípio, mas flexível e realista na vida prática, Ho Chi Minh foi venerado por seu povo e teve enorme prestígio internacional, talvez só Mao Tsé-tung tenha desfrutado de tanta autoridade e inspirado tanto respeito. Enquanto viveu a centelha do seu pensamento ardeu claramente e nenhuma força pode prevalecer contra ela.

Primeiros Passos

Ho Chi Minh (aquele que ilumina), dito também Nguyen Ai Quog, político vietnamita, nasceu em Kiém Lan, província de Nghé An em 19 de maio de 1890 e faleceu em Hanói em 3 de setembro de 1969. Em 1975 com a queda de Saigon, o Vietnã completa sua reunificação a independência. Saigon transforma-se na cidade de Ho Chi Minh. Em 1909 é expulso da escola por distribuir jornais anticolonialistas.

Em 1915 Ho instala-se em Londres e com 21 anos parte para a França, onde vive como jardineiro e garçon. Em 1919 Ho participa em Versalhes (França) da Conferência de Paz, ela marcava o fim da Primeira Guerra Mundial e um novo começo para muitos países do mundo. Consigo trazia uma lista de sugestão que, segunda a sua opinião, poderiam modificar o futuro de sua terra natal: um pequeno país asiático chamado Vietnã, esmagado pelo colonialismo (por mais de meio século) francês, que buscava liberdades específicas.

Em 1920, Ho filia-se ao Partido Comunista Francês, três anos depois visita Moscou onde assiste ao V Congresso da Internacional Comunista. Em 1926 funda a Associação da Juventude Revolucionária Vietnamita, na China e quatro anos mais tarde organiza o Partido Comunista Vietnamita. Embora tenha sido primeiro nacionalista, só se transformando em comunista mais tarde, foi membro de pelo menos quatro ou cinco partidos comunistas: francês, soviético, chinês e depois o indochinês.

Apesar da longa militância, Stálin, lider soviético, só tomou conhecimento do revolucionário vietnamita em 1935, quando Ho Chi Minh compareceu como delegado ao VII Congresso Internacional Comunista, fazendo um apelo para que fosse permitido ao partido apoiar qualquer grupo de oposição ao nazifascismo, em franca ascensão na Itália e na Alemanha.

Ho era um homem de movimentos ágeis, movido por curiosidade quase infantil pelo seu país, um homem de contradições e surpresas,algumas deliberadas. Apesar de sua vida ser envolvida em mistérios sobre seu nascimento, família e atividades desenvolvidas por longos períodos, em Ho Chi Minh, a inteligência e sensibilidade são uma só coisa, não há nada de secreto em sua vida pública e particular.

Ho Chi Minh no Brasil

Foto: Reprodução Capa do livro Vietnã Norte, Civilização Brasileira

Em 1911 Ho Chi Minh junta-se à tripulação do navio mercante La Touche Trevile como ajudante de cozinheiro, usando o nome de Ba e viaja pelo mundo. Numa dessas viagens desembarcou no Rio de Janeiro para tratamento de saúde (tuberculose), tendo ficado hospedado por cerca de seis meses em uma pensão no Bairro de Santa Teresa. Durante o V Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1923, em Moscou, Ho Chi Minh dividiu seu quarto com Rodolfo Coutinho, dirigente comunista brasileiro do PCB, e revelou fatos curiosos sobre sua estada no Brasil em 1911durante o período em que se recuperava de uma tuberculose, que o acompanhava durante uma década. Ho disse que ficara impressionado com a “zona do mangue” (antiga zona de prostituição do Rio de Janeiro), com o cheiro fétido, com o mercado de sexo, subproduto do capitalismo nas condições do atraso semicolonial.

Colonizador

A colonização francesa, que impulsionou certos setores da economia e desenvolveu uma política de grandes obras, provocou movimentos nacionalistas. De início um movimento de mandarins (1855-1896), o nacionalismo vietnamita, depois da I Guerra Mundial, foi elaborado por jovens revolucionários de filiação comunista (Ho Chi Minh, Giap) e também por numerosos estudantes retornados da França. O alto grau de exploração e opressão imposta aos povos da Indochina não refletiam, exatamente os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da revolução Francesa.

Em 1930 nasceu o Partido Comunista Vietnamita, severamente combatido pelas autoridades francesas. A derrota da França em 1940 teve forte repercussão sobre o Vietnã. O regime colonial francês desmoronou ante a ofensiva japonesa e, em maio de 1941, nasceu a Frente de Independência do Vietnã, que se propunha a lutar contra o japonês e o imperialismo francês.

Em 1945, o Vietnã estava solidamente implantando nas províncias setentrionais, mas permanecia fraco no Sul. Proclamado a independência em 2 de setembro de 1945, o Vietnã logo sofreu nova investida francesa. A proclamação, pelo alto-comissionário francês, almirante Thierry d’Argenlieu, de uma República Autônoma da Cochinchina e o bambarreio de Haiphong pela marinha francesa em novembro de 1946, foram o prelúdio da insurreição do Vietnã em 119 de dezembro e de uma longa guerra, encerrada em 1954 com a derrota francesa de Dien Bien Pho e o reconhecimento, pelos Acordos de Genebra, da integridade territorial da República Democrática do Vietnã, mas o país foi dividido em dois, até que eleições gerais decidissem a reunificação.

Diário de Prisão

Preso ao tentar entrar no país disfarçado de repórter, passou por uma série de prisões no Sul da China. Levado de prisão em prisão (mais de trinta), sobrevivem nas condições mais difíceis: magro era quase um esqueleto quando foi solto. Sua prisão foi feita pela polícia do Kuomintang, quando se encontrava a caminho de Chungking para discutir com Chiang Kai-shek sobre uma frente comum de chineses e vietnamistas contra os japoneses. Seus captores prometem libertá-lo se consentisse em trabalhar para eles. Durante o tempo em que esteve encarcerado Ho foi mantido algemado, tendo como único consolo escrever, relatando seus sofrimentos e reflexões filosóficos. Finalmente concordou em comandar o Don Minh Hoi, ou Liga Revolucionária do Vietnã. Em março de 1944, Ho Chi Minh deixou o Dom e voltou para o Vietnã. Durante sua ausência os japoneses haviam aprisionado muitos colonizadores Franceses, Giap julgou que havia chegado o momento de combater os japoneses.

A partir de setembro de 1945 Vo Nguyen Giap, antigo professor de História Militar Francesa na Universidade de Hanói, juntou-se ao PCI – Partido Comunista Indochinês, conduziu com sucesso, as tropas do Viet Minh contra os franceses que, em 1946, iniciariam uma campanha para reconquistar o Norte do Vietnã.

Ho escreve na Primeira Página do Diário:

                Recitar versos nunca foi um dos meus hábitos,

                Mas agora, na prisão, que me resta mais fazer?

                Esses dias de prisão vou passar escrevendo poemas,

                E o seu canto trará mais depressa o dia da liberdade.

Neste livro o autor revelara um profundo conhecimento da tradição literária oriental, à qual acrescenta sua visão de mundo revolucionário. No Brasil existem duas edições dos seus poemas: Poemas do Cárcere (trad. Coema Simões e Moniz Bandeira, Ed. Laemmert, 1968) e Diário de Prisão (trad. Harrisson Salisbury, Ed. Difel, 1971). O Diário de Prisão, de Ho Chi Minh foi escrito entre 28 de agosto de 1942 e 16 de setembro de 1943, quando este era prisioneiro da política de Chiang Kai-shek no sul da China. Não é este livro propriamente um “diário” no sentido ocidental, porque consiste de 115 versos – quadras e poemas Tang no clássico estilo chinês.

                Cantar a natureza era o prazer dos antigos

                Flores e neve, luz e vento, montanha e rios.

                É preciso armar de aço os versos de nosso tempo

                E o poeta também deve saber combater.

Nos poemas estão as nuances da vida na prisão, suas misérias, com os piolhos, as sarnas, o roubo, a fome, a crueldade dos guardas, os grilhões, o frio, o desconforto, o mau cheiro:

                Mesmo com as pernas e braços fortemente amarrados,

                Por toda montanha eu ouvi o canto dos pássaros,

                E senti através da floresta o perfume das flores da primavera.

                Quem me impede de fruir livremente isso,

                que tira da longa jornada um pouco da sua solidão?

A Guerra do Vietnã

Conflito armado travado na Indochina de 1954 a 1975. A princípio uma guerra civil pela reunificação do Vietnã e tendo como palco o Vietnã do Sul, com a intervenção aberta e em longa escala dos EUA, o conflito estendeu-se no Vietnã do Norte (sob a forma de guerra aérea), Camboja e Laos. As origens dos conflitos estão na II Guerra Mundial, quando o Viet Minh sob a liderança de Ho Chi Minh, lutou contra os japoneses que haviam invadido a região. Em dezembro de 1946, Ho conclamou o povo a iniciar uma resistência ativa, lançando um ataque de surpresa contra os franceses em Hanói. No dia seguinte, porém ele e Giap foram cercados no quartel-general e, em meio ao tiroteio, tiveram de fugir para os campos de arroz nas cercanias da cidade. A partir desse incidente, Ho passou a combater o governo colonial francês, derrotando suas forças em Dien Bien Pho em 1954.

O ato final da Conferência de Genebra, 21 de julho de 1954, porém, dividiu no paralelo 17 o país em República Democrática do Vietnã (do Norte) e um Estado imperial no Vietnã do Sul, marcando um referendo para a unificação em 1956. Em 1955, o imperador Bao Dai, foi deposto, formando-se no Vietnã do Sul uma República sob a liderança autoritária de Ngo Dinh Diem, que decidiu cancelar o referendo e passou a perseguir os comunistas. Estes em janeiro de 1959, iniciaram a luta armada contra o governo de Diem, que foi apoiado por materiais e técnicos militares enviados pelos EUA.

Em janeiro de 1965, Lyndon Johnson ordenou o bombardeio do Vietnã do Norte, para evitar o envio de tropas e armas ao Vietnã do Sul, a partir de abril do mesmo ano, a guerra terrestre foi intensificada; grande número de soldados norte-americanos foi deslocado para o Vietnã, chegando a 545 mil em 1968. Com a eleição de Nixon, inicia-se lenta e gradualmente a retirada americana e a chamada vietnamização do conflito. Em março de 1975 os comunistas iniciaram uma nova ofensiva de envergadura, retomaram várias cidades importantes e finalmente os norte-vietnamitas e as forças revolucionárias ocuparam então Saigon em 30 de abril, reunificando o país e expulsando todas as forças estrangeiras e seus aliados, formaram a República Socialista do Vietnã.

[*] É jornalista, professor, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com