GILFRANCISCO [*]

“Quem guarda os caminhos da cidade do Salvador da Bahia é Exu, orixá dos mais importantes na liturgia do candomblé, orixá do movimento, por muitos confundidos com o diabo no sincretismo com a religião católica, pois ele é malicioso e arreliento, não sabe estar quieto, gosta de confusão e de aperreio. Postado nas encruzilhadas de todos os caminhos, escondido na maia-luz da aurora ou do crepúsculo, na barra da manhã, no cair da tarde, no escuro da noite, Exu guarda sua cidade bem-amada. Ai de quem aqui desembarcar com malévolas intenções, com o coração de ódio ou de inveja, ou para aqui se dirigir tangido pela violência ou pelo azedume: o povo dessa cidade é doce e cordial e Exu tranca seus caminhos ao falso e ao perverso”. Jorge Amado – Bahia de Todos os Santos

Inaugurada no dia 7 de março de 1987 a Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador-Bahia é uma entidade privada, de caráter cultural, sem fins lucrativos, que se mantêm através de doações, subvenções, auxílios e patrocínios de entidades públicas e /ou privadas e de convênios firmados com entidades congêneres.  Idealizada com o objetivo de preservar e estudar o trabalho do grande romancista baiano, de renome internacional, a Fundação está instalada nos casarões 49 e 51 da Rua Alfredo Brito, no Largo do Pelourinho, no coração da parte mais antiga da cidade do Salvador.

Para atender a pesquisadores em nível de pós-graduação, estudantes universitários, alunos do 1º e 2º graus, e demais pessoas interessadas, a Fundação Casa de Jorge Amado nos seus quatro andares, abriga uma exposição permanente do acervo do autor, constituída de todos os seus livros publicados em mais de quarenta e cinco idiomas e sessenta países, dos cinco continentes. Extensa coleção de fotografias, filmes, vídeos, cartazes de cinema e teatro, além de arquivos contendo cartas e documentos, que reunidos irão proporcionar o estudo e a pesquisa sobre sua obra e a literatura baiana.

GILFRANCISCO e Jorge Amado Fotos: Arquivo Pessoal

Mais do que isto, a Casa de Jorge Amado, através das suas atividades múltiplas: concursos, palestras, seminários, debates e eventos, em todos os seguimentos da cultura, pretende continuar sendo um endereço de amigos, uma encruzilhada de caminhos, ponto de encontro e referência, centro de estudos, mirante de sonhos, numa permanente vitalização para a arte da Bahia. Segundo Jorge Amado (1912-2001) a Casa é um local ligado ao povo da Bahia, a quem deve todo o seu trabalho romanesco, constituindo-se um fator de valorização da cultura baiana.

Formada inicialmente pela cota de participação para o seu funcionamento, além do patrimônio que abriga a sede doada pelo Baneb (Banco do Estado da Bahia) e o governo do Estado, e recuperado pela Construtora Norberto Odebrecht, sob a supervisão da Universidade Federal da Bahia, a Fundação tem como mantenedores pessoas físicas e jurídicas que contribuem com recursos financeiros, para seu custeio ou integração do seu patrimônio. Sendo uma entidade de caráter privado, sem ligação com o governo, seja ele municipal, estadual e federal, A Fundação Casa de Jorge Amado tem estabelecido para o seu funcionamento, assinaturas de convênios com órgãos governamentais e entidades privadas.

GILFRANCISCO e Myriam Fraga

O funcionamento da Casa é dirigido por um presidente e um diretor- executivo, respectivamente Germano Tabacooff e Myriam Fraga além de um Conselho Curador e um Fiscal. A Presidência é exercida por um dos membros co Conselho Curador eleito pela maioria para um mandato de três anos e a este cabo nomear, com aprovação do Conselho, o diretor-executivo, função que coordena os trabalhos e as atividades da Fundação. Sua estrutura administrativa é bem informal com um núcleo básico, sem departamentos fixos, mas trabalhando através de projetos e, desta forma, permitindo uma maior agilização e dinamização das atividades.

A dinâmica da cultura não se cria através de eventos extraordinários, com plataformas ruidosas e cortes bruscos com o passado. O movimento da cultura é sempre uma retomada, uma relaboração crítica do passado e da traição, basta lermos Fernando de Azevedo em sua obra fundamental A Cultura Brasileira, publicada na década de 40, ao salientar que a cultura, nas suas múltiplas manifestações, sendo a expressão intelectual de um povo não só reflete as ideias dominantes em cada uma das fases de sua evolução histórica e na civilização, de cuja vida ele participa, como mergulha no domínio obscuro e fecundo em que se elabora a consciência nacional. Portanto a cultura é algo que todos criam e que todos devem criar, com recursos que até agora estão sendo negados a maiorias.

Desde o primeiro número que assinala a revista Exu, nº1, nov/dez, 1987 – editada pela Fundação, com a característica de divulgação popular, se vem cuidando de dar  maior expressão aos diferentes aspecto da vida brasileira, seja dando ênfase as criações de caráter individual, seja as de natureza coletiva. A revista Exu como veículo dos mais diferenciadas manifestações culturais do povo brasileiro, procurando captar aquilo que lhe é peculiar, do erudito ao popular, do literário ao folclore, do regional ao nacional, como se evidencia do temário deste número, constitui o objetivo perseguido pelos que se incubem de sua publicação. Exu é uma das mais novas publicações regionais que está à altura graficamente e editorialmente de qualquer uma das revistas editadas no grande eixo, Rio/São Paulo e por isso nada deve a outras publicações culturais. Tem como objetivo levar a literatura ao encontro do grande público leitor brasileiro, do qual se acha divorciada por diversos motivos, entre os quais o alto custo das revistas convencionais.

Bimensal, com uma tiragem de cinco mil exemplares, a revista é destinada a divulgar, criar e promover a literatura baiana. Criada num momento especial das letras brasileiras em que várias revistas de qualidades procuram dar testemunho de um trabalho intelectual intenso e por vezes insólito, Exu cumpre depois de completar cinco anos (1987-1992) de existência, uma etapa de sua proposta, fase de trabalho criativo que vai desde a fixação de uma estrutura gráfica à seleção dos colaboradores, sua análise, sua fruição, sua diagramação, harmonia entre o texto e a imagem, impressão e acabamento. Ela chega num momento oportuno, numa época em que os jornais inexplicavelmente estão abolindo os seus suplementos culturais (ou já o fizeram há muito tempo). O número 25, jan/fev, sai com 28 páginas, trazendo poemas de Tereza Tenório, Ademir Assunção, Adão Ventura, Washington Queiroz, Anita Alebic, Rodrigues Garcia Lopes, Floriano Martins e Nélson de Oliveira; entrevista com Nélida Piñon; ensaios de Epitácio Pedreira de Cerqueira e Maria Eunice Santos Tabacoff; conto de Aninha Franco e pôster encarte do artista plástico Jader Resende; com texto do poeta Claudius Portugal (editor/coordenador da revista). Tudo isso dentro de um padrão moderno, muito bem diagramado, enfim um exemplo a ser seguido. Exu está aberta aos escritores baianos inéditos ou não, os interessados devem enviar seus originais para a fundação Casa de Jorge Amado, Largo do Pelourinho, 49/51, Salvador-Bahia, Cep. 40.025.

De uma coisa estamos certos, Exu continuará traçando este tecido vivo que é a cena cultural, tornando mais agudo este veículo de expressão, com um olho no texto e outro no movimento da sociedade, que cada número seja um momento em que a história fale, para que o escritor leve ao leitor não só os voos da sua imaginação, mas as razões das asas e a direção dos ventos. Segundo a poeta Myriam Fraga (1937- 2016), diretora da Fundação Casa de Jorge Amado, entidade responsável pela publicação da revista e da coleção de livros Casa de Palavras, com oito títulos editados, diz que a receptividade do público a que se destina, vem tendo plena aceitação, conforme se evidencia pelas correspondências recebidas e suas edições esgotadas rapidamente. Porque acreditamos que a história continua sendo a grande mestra da vida, nem que seja quando nos lembra de que não deve ser repetido e, sobretudo o que sobra, o que resta para ser assimilado. Neste sentido muito temos a aprender na leitura atenta dos escritores e na assimilação dos fatos que envolvem a luta de todos nós.[1]


[1] PS: Fui o primeiro pesquisador da Fundação Casa de Jorge Amado, admitido em julho, 1989 e colaborador da revista Exu, nos números 9, 10, 15 e 24. A revista Exu circulou até o nº36, julho/setembro, 1997, 64p.

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[*] É jornalista, pesquisador e professor universitário. E-mail: gilfrancisco.santos@gmail.com