Silvaney Silva Santos¹
¹Mestre em História pela Universidade Federal de Sergipe. Autor do livro “Santo Amaro das Brotas, do histórico ao lúdico (Séc. XX), 2017. Professor do Sistema Estadual de Educação e do Sistema Municipal de Educação de Santo Amaro das Brotas
O objetivo do presente texto é apresentar aspectos considerados importantes deste processo de Emancipação Política de Sergipe, através de publicações de intelectuais sergipanos nos jornais e em obras de referência sobre o 8 de julho de 1820.
A história das comemorações das datas com os seus heróis, precisam ir além das efemérides, da “heroificação” de figuras pontuais da elite branca, que estiveram a serviço de um Estado opressor. Uma data não representa uma pluralidade complexa de relações, de modos distintos de vida e, consequentemente, de uma cultura universal como a sergipana e brasileira. O 8 de julho, data da emancipação política de Sergipe, mais do que a sua oficialidade e legitimidade, “a nossa definição política nos quadros da nação brasileira”, representa o porvir dos sergipanos. Do muito que ainda falta para se construir e valorizar em termos de memória, cultura, economia e políticas públicas inclusivas.
O fato em si não se restringiu ao 8 de Julho quando da assinatura tardia do decreto de emancipação por Dom João VI. A obra da professora doutora Edna Maria Matos Antônio, “A independência do solo que habitamos” (2012), mostra-nos a complexidade do campo político na Província sergipana e baiana; a representatividade do poder militar para sustentação das posições ou mudanças do campo. Desconstruir as amarras de uma estrutura solidificada, de uma “cultura política” em que grupos poderosos estavam bem acomodados, não constituiu uma tarefa simples. Por muito o campo político manteve-se inalterado mesmo com o fato histórico consumado. Antigos defensores da manutenção da dependência com a Bahia mudaram de posição de última hora e ocuparam cargos de mando, a exemplo de José Barros Pimentel que, aproximando-se do general francês Pedro Labatut, enviado com o seu Exército Pacificador para resolver a questão de Sergipe, foi nomeado governador de Sergipe pelo general francês até 14 de novembro de 1822².
Sobre os olhares a respeito do 8 de julho nas publicações, alguns aspectos foram soberanos: nós, sergipanos, “fomos fiéis a Dom João VI”; este sentimento teria se somado ao de lealdade. Logo, a emancipação política de Sergipe teria sido uma “graça” concedida pela nossa “fidelidade à causa realista a que nos devotamos, quando da Revolução Pernambucana de 1817. Os referidos sentimentos, conforme publicações, nos desprendeu “dos opressores por meio do decreto de 8 de julho de 1820”. E assim “Sergipe foi entregue aos seus próprios filhos”.
Conforme Felte Bezerra (1959, p, 6), “o oito de julho tem trazido confusão ao espírito de alguns”. Didaticamente o intelectual sergipano de Aracaju diz que “A Capitania de Sergipe del Rey, fundada pelo filho de Antônio Cardoso de Barros (Cristóvão de Barros – grifo nosso), vivera até 1763”. Esta afirmação é para dizer que “fomos uma Capitania Restaurada, e nunca, criada em 1820”. Felte Bezerra (1959), supõe que a possibilidade da anexação da Capitania de Sergipe, como comarca da Bahia entre 1763 e 1820, deveu-se à transferência da capital do Império de Salvador para o Rio
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² ANTÔNIO, Edna Maria Matos. A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e cultura política na construção do império brasileiro, Sergipe (1750-1831). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
de Janeiro (1763). Seria uma forma de recompensar a Bahia, a qual anexava, além de Sergipe, Ilhéus e Porto Seguro. Ambas, “jamais restauradas”.
Completando a sua cronologia didática, Felte Bezerra mostra que Sergipe volta a ser Capitania Independente, “desde 8 de julho de 1820, como prova de gratidão à nossa lealdade de bons reinóis, na revolução pernambucana de 1817”. E acrescenta a reafirmação da emancipação política de Sergipe, por Dom Pedro I, “datada de 5 de dezembro de 1822”. Três meses depois da Independência do Brasil em 7 de setembro de 1822.
Epifânio Dória nos oferece o seu olhar sobre os acontecimentos nervosos de 1820 e as intenções da Província da Bahia, então dividida politicamente, entre a Bahia “legalista” e a Bahia “revolucionária”, a primeira, defensora da autonomia brasileira e a segunda, adepta da Revolução do Porto e portanto, favorável à recolonização do Brasil. Segundo o autor das “Efemérides Sergipanas”, a interferência da Bahia sobre Sergipe“ não foi uma resultante de sua ambição de conservar nossa Província sob a sua tutela, mas um imperativo de sua segurança, uma consequência de seu passado, aderindo ao movimento do Porto, de 24 de agosto de 1820, antes que o Rei Dom João VI o aceitasse, como veio acontecer” (DÓRIA, 1943, p.2).
Ainda, de acordo com Dória (1943), Sergipe representava um perigo no caso de uma possível “contra-revolução”. Logo, estaria justificado o posicionamento da “Baía revolucionária”, comandada pelo português Ignácio Luís Madeira de Melo.
Sobre a posição de Dom João VI diante dos acontecimentos entre as có-irmãs (Sergipe e Bahia), Dória (1943, p. 2), salienta que “a demora com que se decidiu, aceitando-a, denunciou a sua fraqueza” […], concorrendo para que as autoridades da Baía lhe não temesse a interferência na questão de Sergipe” (DÓRIA, 1943, p. 2). Neste aspecto construiu-se uma imagem de um rei lento nas suas ações práticas. Visão contestável por muitos. Pois, o pai de Dom Pedro I e avô de Dom Pedro II, desde de a sua chegada ao Brasil (1808) deu as bases necessárias para a construção de um país independe de Portugal, mesmo não sendo estes os seus propósitos.
Abaixo compilamos dois documentos (cartas) publicados no jornal Correio de Sergipe (1943) pelo autor das “Efemérides”. Eles foram efetivados após a Independência do Brasil por Dom Pedro I, fazendo valer as determinações do seu pai.
“Convindo muito ao bom regime deste Reino do Brasil, e a prosperidade a prosperidade que me proponho a elevá-lo, que a Capitania de Sergipe d’El Rey tenha um Governo independente do da capitania da Baía: hei por bem isentá-la absolutamente da sujeição em que até agora tem estado o Governo da Baía, declarando-a independente totalmente, para que os governadores dela a governem na forma praticada nas mais Capitanias independentes, comunicando-se diretamente com as Secretarias de Estado competentes e podendo conceder sesmarias, na forma das minhas reáis ordens.Tomaz Antonio de Vila Nova Portugal, etc. Palácio do Rio de Janeiro, em 8 d julho de 1820. Com a rubrica de S. Magestade”.
Ao conde de Palma, Governador da Baía:
“Conde de Palma do meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania da Baía, Amigo:
Eu El Rey voz envio muito saudar como aquele que amo. Convindo muito ao bom regime deste Reino do Brasil, e a prosperidade a que me proponho elevá-lo, que a Capitania de Sergipe d’El Rey tenha um Governo independente do dessa Capitania;
Hei por bem, por decreto da data desta, izentála absolutamente da sua sujeição em que até agora tem estado desse Governo, declarando-a independente totalmente para que os governadores dela a governem na forma praticada nas mais Capitanias independentes, comunicando-se diretamente com as secretarias de Estado competentes e podendo conceder sesmarias, na forma das Minhas Reais Ordens. O que pareceu participar-vos para assim o tenhas entendido. Escrevo no Palácio do Rio de Janeiro em oito de julho de mil oitocentos e vinte. – Rey”.
As cartas acima são demonstrações públicas do reconhecimento da restauração de Sergipe como Província independente da Bahia. Este reconhecimento real passou a ser visto por muitos sergipanos como um “símbolo de afeto ao Príncipe Regente a contração possessiva imperial de d’El Rey” (UCHÔA, 1959, p. 6).
Essa história é contínua e descontínua…não se encerra com a nomeação do primeiro governador de Sergipe, em 25 de julho de 1820, o brigadeiro Carlos César Burlamaqui (o mesmo chegaria para assumir em fevereiro de 1821)³. Quanto à independência econômica, Sergipe começa a ter uma relativa autonomia a partir da fundação da nova capital, Aracaju (17. mar. 1855), devido aos aspectos portuários favoráveis. Todavia, conforme Uchôa (1959, p. 6), o Estado “ainda não se encontra economicamente capacitado para dispensar o auxílio financeiro da união”. O referido intelectual acrescenta, “pouco valem as regalias do livre arbítrio quando não se dispõe de recursos próprios para o provimento da sub existência e realização dos anseios de prosperidade”. Sobre a dependência econômica do estado sergipano diz Severino Uchôa4:
“[…] hão de nos facultar a independência que desejamos, o vigor que nos falta, a consideração que nos negam, a prosperidade que ambicionamos em data que haveremos inscrever na história sergipana, com maior júbilo e mais acentuado orgulho que a de hoje. Será a data da nossa emancipação econômica” (UCHÔA, 1959, p. 6).
Finalmente, o 8 de julho só passou a ser considerado feriado para os sergipanos 77 anos depois. Em 1897, a partir da Lei nº 268, de 2 de dezembro, do referido ano. Sancionada pelo governador José Joaquim Pereira Lobo (11.10.1897 – 20.03.1898)5, a “Lei da Emancipação de Sergipe” ganhou o seguinte texto:
Faço saber que a Assembleia Legislativa decretou e eu sancionei a lei seguinte:
Art.1º É considerado feriado estadual o dia 8 de julho, aniversário de elevação de Sergipe à categoria de capitania independente e emancipada da Bahia.
Art.2º Continua com categoria de feriado estadoal o dia 24 de outubro, data histórica da reparação da independência de Sergipe.
Art.3º Revogam-se as disposições em contrário.
Publique-se e cumpra-se.
Palácio do Governo de Sergipe, em 2 de dezembro de 1897, 9º da República. -José Joaquim Pereira Lobo6.
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3 CARVALHO, José Pinto. Apontamentos sobre alguns actos da vida publica do cidadão brasileiro José Pinto de Carvalho. Bahia: Typografia de Camillo de Lellis Masson e C, 1863.
4 Foi membro da Academia Sergipana de Letras. Professor, jornalista e poeta.
5 DANTAS, Ibarê. História de Sergipe: república (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004, p. 305.
6 Compilação das Leis, Decretos e Regulamentos do Estado de Sergipe. IV Volume (1897-1898). Aju, Typ. Do “Estado de Sergipe”, 1900.
Estava posto o nosso porvir! Que a nossa política não seja a do não fazer. Que o nosso Estado, em parceria com o nosso povo, seja o construtor das memórias dos nossos bens na sua dimensão plural e não a imagem que lhe convém. Em suma, ressignifiquemos o 8 de julho com políticas voltadas para o desenvolvimento do povo sergipano em busca da liberdade na diversidade e que possamos ter motivos para comemorar também o 24 de outubro como a celebração dos nossos fazeres; daquilo que nos define como sergipanos, a nossa sergipanidade.
Referências:
ANTÔNIO, Edna Maria Matos. A independência do solo que habitamos: poder, autonomia e cultura política na construção do império brasileiro, Sergipe (1750-1831). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2012.
CARVALHO, José Pinto. Apontamentos sobre alguns actos da vida publica do cidadão brasileiro José Pinto de Carvalho. Bahia: Typografia de Camillo de Lellis Masson e C, 1863.
CORREIO DE ARACAJÚ, nº 426. 8 jul. 1910, p.3.
CORREIO DE ARACAJÚ, nº 2082. 8 jul. 1917, p.1.
CORREIO DE ARACAJÚ, nº 2913. 8 jul. 1920, p. 1.
CORREIO DE ARACAJÚ, nº 1657. 8 jul. 1940, p. 1.
CORREIO DE ARACAJÚ, nº 4852. 8 jul. 1949. p. 1.
CORREIO DE ARACAJÚ, nº 6262. 8 jul. 1959. p. 6.
DANTAS, Ibarê. História de Sergipe: república (1889-2000). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.
DÓRIA, Epifanio. Efemérides sergipanas, 8 de julho. CORREIO DE ARACAJÚ, nº 13419. 19 jul. 1943, p. 2.
GOMES, Laurentino. Os brasis de D. João. In: 1822, como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil- um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. p. 69-81.
_____. A Bahia. In: 1822, como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil- um país que tinha tudo para dar errado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. p. 195 – 208.
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